PEQUIM - A economia chinesa cresceu mais do que o esperado nos primeiros três meses do ano, segundo novos dados divulgados pelo governo do país. O crescimento é baseado na estratégia de construção de novas fábricas e aumento das exportações, uma forma de combater uma grave crise imobiliária e os gastos lentos dos chineses.
Para estimular o crescimento, a China, a segunda maior economia do mundo, recorreu a uma tática já conhecida: investir pesadamente em seu setor de manufatura, incluindo uma fartura de fábricas que ajudaram a impulsionar as vendas de painéis solares, carros elétricos e outros produtos em todo o mundo.
Mas a aposta da China nas exportações tem preocupado muitos países e empresas estrangeiras. Eles temem que uma enxurrada de remessas chinesas para mercados distantes possa prejudicar seus setores de manufatura e levar a demissões.
Nesta terça-feira, 16, o Escritório Nacional de Estatísticas da China informou que a economia cresceu 1,6% no primeiro trimestre em relação aos três meses anteriores. Em relação ao primeiro trimestre de 2023, a alta foi de 5,3%.Quando projetados para o ano inteiro, os dados indicam que a economia da China estava crescendo a uma taxa anual de cerca de 6,6%.
“A economia nacional teve um bom começo”, disse Sheng Laiyun, vice-diretor do departamento de estatísticas, ao mesmo tempo em que advertiu que “a base para um crescimento econômico estável e sustentável ainda não é sólida”.
As vendas no varejo aumentaram a um ritmo modesto de 4,7% em comparação com os três primeiros meses do ano passado, e foram particularmente fracas em março.
A China precisa de gastos robustos dos consumidores para reduzir o desemprego entre os jovens, persistentemente alto, e para ajudar as empresas e as famílias a lidar com níveis muito altos de endividamento.
Economistas do Federal Reserve Bank de Nova York alertaram no mês passado que a China está experimentando uma “overdose” na construção de fábricas, alimentada por empréstimos bancários pesados.
Para este ano, a China estabeleceu uma meta de crescimento de cerca de 5%, uma meta que muitos economistas consideravam ambiciosa, embora alguns tenham atualizado recentemente suas previsões. No ano passado, a economia da China cresceu 5,2%.
A produção foi 5,3% maior nos primeiros três meses deste ano do que no mesmo período do ano passado, anunciou o departamento de estatísticas, superando as previsões dos economistas.
Um ritmo vertiginoso de investimentos em fábricas, com aumento de 9,9% em relação ao ano anterior, foi fundamental para o crescimento da China. As fortes exportações no início deste ano também ajudaram.
O valor das exportações aumentou 7% em dólares em janeiro e fevereiro em relação ao ano anterior, e 10% quando medido na moeda chinesa, o renminbi. Mas a contribuição real das exportações para a economia do país foi consideravelmente maior, já que a queda dos preços obscureceu a extensão total dos ganhos de exportação da China.
Guo Tingting, vice-ministro do comércio, disse em uma coletiva de imprensa no mês passado que o volume físico das exportações havia aumentado 20% em janeiro e fevereiro em relação ao ano passado. Entretanto, as exportações sofreram uma pequena queda em março.
Com os festivais de rua e outras atividades, o governo incentivou as famílias a gastarem mais, mesmo que muitos chineses tenham aumentado suas economias para compensar a recente queda brusca no valor de seus apartamentos.
Os gastos com turismo doméstico e as vendas de ingressos nas bilheterias aumentaram durante o Ano Novo Lunar, em fevereiro, superando facilmente os níveis anteriores à pandemia da covid-19. As vendas de smartphones também aumentaram, embora não para a Apple, já que os compradores chineses estão optando cada vez mais por marcas locais.
A queda geral dos preços, um fenômeno que pode se consolidar numa deflação, continua a ser um problema, principalmente para as exportações e no atacado. As empresas chinesas têm se esforçado para reduzir os preços de exportação e conquistar uma fatia maior dos mercados globais, mesmo que isso signifique incorrer em grandes perdas.
Inundação de produtos chineses
Durante as reuniões de alto nível realizadas este mês com autoridades chinesas, a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, alertou que a inundação dos mercados com exportações interromperia as cadeias de suprimentos e ameaçaria os setores e os empregos. O chanceler Olaf Scholz, da Alemanha, expressou preocupações semelhantes em uma visita à China, embora também tenha alertado contra o protecionismo na Europa.
Enquanto isso, a China está passando por uma profunda queda na construção de moradias e nos preços dos apartamentos. A construção de casas - e a produção de aço, vidro e outros materiais para elas - foi o maior impulsionador do crescimento na China por muitos anos.
Mas as vendas de novos apartamentos têm caído de forma constante desde o início de 2022. Poucos projetos de construção estão sendo iniciados agora, pois dezenas de incorporadoras insolventes ou quase insolventes lutam para terminar as moradias que prometeram aos compradores. O investimento em projetos imobiliários caiu 9,5% no primeiro trimestre em relação ao ano anterior.
As autoridades chinesas atribuem a fraqueza do mercado, em parte, às altas taxas de juros no exterior, criadas pelo Federal Reserve (o banco central americano) para combater a inflação nos Estados Unidos. Essas taxas tornaram mais atraente para as famílias e empresas chinesas a transferência de dinheiro da China, onde as taxas de juros são baixas, para países estrangeiros onde as taxas são mais altas.
“O impacto negativo do ambiente de altas taxas de juros sobre a economia continua”, disse Liu Haoling, presidente da China Investment Corp, o fundo soberano da China. Ele falou no final de março no Fórum de Desenvolvimento da China, uma reunião em Pequim de formuladores de políticas e executivos.
O rolo compressor da manufatura da China, sustentado por anos de diretrizes políticas e apoio financeiro de Pequim aos governos e empresas locais, fez com que os produtos do país estivessem entre os mais baratos do mundo. O governo dos EUA divulgou na semana passada que os preços médios das importações da China caíram 2,6% em março em relação ao ano anterior.
Muitas famílias chinesas fizeram grandes empréstimos para investir em apartamentos e estão reagindo à queda dos preços das casas cortando seus gastos. Isso torna a China mais dependente das exportações para vender sua produção industrial em rápido crescimento.
“As empresas chinesas, em uma ampla gama de setores, agora produzem muito mais do que o consumo doméstico pode absorver”, disse a consultoria Rhodium Group em um relatório no final de março.
Cautela nos gastos
A cautela das pessoas com relação aos gastos é algo que Li Zhenya vê diariamente. Ele gerencia o Izakaya Jiuben, um restaurante japonês no bairro de Wangjing, em Pequim, que já foi sede de algumas das maiores empresas de tecnologia da China.
Há alguns anos, os trabalhadores faziam fila do lado de fora do restaurante, saindo dos escritórios próximos para gastar seu dinheiro suado nos curtos intervalos entre os longos turnos de trabalho. Hoje em dia, muitos dos assentos do restaurante estão vazios no almoço e no jantar.
“O desejo das pessoas de consumir não é tão grande agora”, disse Li. O restaurante, segundo ele, gera uma receita de aproximadamente US$ 2.156 por dia, cerca de metade das vendas de alguns anos atrás. “Estou perdendo dinheiro administrando o restaurante”, disse.
As restrições impostas pela covid-19, que congelaram o bairro por semanas seguidas, dificultaram a recuperação das pequenas empresas em Wangjing.
“A epidemia levou a uma cautela no consumo”, disse Kou Yueyuan, proprietário da padaria Smoon Bakery, na mesma rua da Pano City. “Obviamente, os clientes estão bastante sensíveis ao preço.” Kou começou seu negócio há mais de oito anos, oferecendo produtos de panificação com sabores diferentes. Agora, se concentra em manter os custos baixos para que a padaria possa oferecer produtos mais baratos.
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