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China sugere a recém-formados que não tenham ambições diante de escassez de empregos

Taxa de desemprego para jovens entre 16 e 24 anos em áreas urbanas do país asiático atingiu recorde de 21,3% em junho

Por Claire Fu e Daisuke Wakabayashi

THE NEW YORK TIMES – Na cerimônia de formatura deste ano da Faculdade Metropolitana de Ciência e Tecnologia de Chongqing, no sudoeste da China, os formandos não escutaram a tradicional nobre mensagem de ir atrás de seus sonhos. Em vez disso, receberam uma dura dose de realidade.

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“Vocês não devem ser muito ambiciosos ou exigentes em relação ao trabalho”, disse Huang Zongming, presidente da faculdade, aos mais de 9 mil formados em junho. “As oportunidades estão desaparecendo rápido.”

Um número recorde de recém-formados chineses está entrando no mercado de trabalho, exacerbando uma perspectiva de emprego já desanimadora para os jovens do país. A confluência de fatores está agravando uma das questões mais espinhosas que impedem a segunda maior economia do mundo de recuperar seu dinamismo.

A taxa de desemprego da China para jovens entre 16 e 24 anos em áreas urbanas atingiu um recorde de 21,3% em junho. A expectativa é que os números de julho sejam ainda maiores, já que a mais recente leva de formados fez a transição oficial de estudantes para pessoas em busca de um emprego.

Os formuladores de políticas do governo com dificuldades para lidar com o problema estão pressionando as faculdades a fazer mais para os recém-formados encontrarem um emprego. O desempenho profissional dos administradores das instituições já foi atrelado à porcentagem de seus alunos que encontram emprego depois de se formarem.

Agora, os funcionários do alto escalão das faculdades estão sendo incentivados a visitar empresas para descobrir oportunidades. Em alguns casos, o escrutínio é tão intenso que os estudantes recorrem a ofertas de emprego fictícias para aplacar os funcionários da faculdade.

Número de estudantes matriculados em faculdades e universidades na China aumentou de 754 mil, em 1992, para 10,1 milhões, em 2022, segundo estatísticas oficiais  Foto: Wu Hao/Efe/Epa

Nas últimas três décadas, conforme a economia da China crescia a passos largos, mais pessoas entraram no ensino superior, enxergando nisso um caminho para carreiras promissoras. O número de estudantes matriculados em faculdades e universidades aumentou de 754 mil, em 1992, para 10,1 milhões, em 2022, de acordo com o Escritório Nacional de Estatísticas do país.

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A expectativa é que o número estimado de formados este ano – 11,6 milhões – seja o maior de todos os tempos, e que os dos próximos anos sejam ainda maiores. Ao mesmo tempo, a economia não está crescendo como antes.

O problema do desemprego entre jovens talvez não diminua nos próximos dez anos, implicando em consequências possivelmente maiores para a liderança do país, disse um relatório de junho do China Macroeconomy Forum, think tank da Universidade Renmin da China.

“Se isso não for tratado da forma adequada, causará outros problemas sociais que vão além da economia, e poderia até mesmo botar lenha na fogueira para problemas políticos”, segundo o relatório.

A taxa de desemprego entre jovens na China dobrou nos últimos quatro anos, um período de volatilidade econômica provocada pelas medidas de Pequim conhecidas como “covid zero”, que deixaram as empresas receosas em fazer novas contratações.

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Além disso, as medidas severas do governo e uma fiscalização mais rigorosa frearam setores outrora pujantes, como o de educação on-line, tecnologia e imobiliário – áreas para as quais os jovens se dirigiam aos montes em busca de emprego.

Desde 2020, o Alibaba, uma das maiores empresas de tecnologia da China, virou alvo do escrutínio do governo. No ano passado, a empresa demitiu aproximadamente 11.700 funcionários, ou cerca de 5% de seus profissionais, de acordo com um relatório divulgado pela Academia Chinesa de Ciências Sociais, um órgão que trabalha sob tutela do Conselho de Estado da China.

E à medida que mais jovens entraram no ensino superior, verificou-se uma incompatibilidade entre os empregos almejados por eles e os que estão disponíveis. A economia da China não criou um número suficiente de cargos em escritórios com salários altos que muitos recém-formados estão em busca, acirrando ainda mais a concorrência pelas vagas mais interessantes.

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Depois que o crescimento econômico desacelerou consideravelmente no segundo trimestre, Pequim divulgou um pacote com 31 iniciativas políticas e medidas de apoio em julho, incentivando as empresas privadas a criar vagas de empregos.

Em um relatório de maio sobre o desemprego entre jovens na China, o Goldman Sachs disse que eles eram particularmente vulneráveis a perderem seus empregos ou não serem contratados durante crises econômicas porque têm menos experiência de trabalho.

Em junho, o Ministério da Educação da China disse às faculdades e autoridades locais que ajudassem os recém-formados a encontrar empregos “com um senso de dever e urgência”, mencionando a preocupação do Partido Comunista e dos principais líderes do governo.

O ministério também disse aos representantes do Partido Comunista e gestores escolares que eles deveriam visitar empresas para tentar descobrir vagas para estudantes de graduações com baixas taxas de emprego. Na província de Hunan, o departamento de educação recentemente divulgou um comunicado no qual exige uma explicação das faculdades caso mais de 20% de seus alunos formados encontrem empregos de meio período ou como freelancers em vez de trabalhos em tempo integral. A província de Sichuan disse que suas faculdades iriam examinar a possibilidade de deixar de oferecer graduações com baixa taxa de emprego por dois anos consecutivos.

Cada vez mais, a mensagem sendo transmitida aos jovens é a de que eles não devem ser exigentes demais na escolha de um emprego e que suportar tempos difíceis molda o caráter. O presidente do país, Xi Jinping, disse que os jovens devem fazer o possível para trabalhar em áreas difíceis e remotas e aprender a “comer amargura”, uma expressão chinesa que significa suportar dificuldades. No entanto, até mesmo ser um funcionário público de nível básico está mais desafiador ultimamente, com muito mais pessoas fazendo a prova para os cargos do que empregos disponíveis.

Conforme aumenta a pressão sobre as faculdades, alunos e gestores estão apelando para medidas extremas.

Por US$ 17 no Taobao, um site de comércio eletrônico chinês, um vendedor comercializa ofertas de emprego fictícias em uma fábrica, com direito a selo da empresa e um número de matrícula. Além de fornecer o documento, o vendedor também atenderá as ligações de confirmação da faculdade ou do departamento de educação local.

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Jessamine Wang, 23 anos, formada em gestão financeira por uma universidade de Chengdu, no sudoeste da China, decidiu tentar ser funcionária pública depois de se candidatar sem sucesso a mais de cem vagas. Seu orientador de carreira a encorajou a recorrer a uma oferta de emprego falsa de uma empresa qualquer e ameaçou prejudicar as perspectivas de emprego dela no governo se não fizesse isso. Ela disse que recusou a proposta.

Lucia Xu, 22 anos, deu ao seu orientador de carreira uma oferta de emprego falsa em uma construtora onde um amigo da família trabalhava. Ela está planejando participar de uma seleção para pós-graduação no fim do ano e não vai procurar por emprego enquanto estiver estudando para as provas.

“Se você não aceita logo algo, eles incomodam você cada vez mais com mais frequência. Quanto mais a data de formatura se aproxima, mais eles pressionam”, disse Lucia.

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