Após um período úmido com volumes de chuva abaixo da média, limitando a recuperação dos reservatórios das hidrelétricas, as entidades que gerenciam o Sistema Interligado Nacional (SIN) ligaram o sinal de alerta e começaram a adotar as medidas emergenciais para evitar uma situação mais drástica já no final deste ano.
Segundo o mais recente boletim “Informa CCEE”, divulgado na última sexta-feira, 15, pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), a perspectiva é que o armazenamento do Sistema Interligado Nacional (SIN) termine março em 69,0% da capacidade, considerando os quatro subsistemas.
Para o ano, a projeção é mais preocupante, de que, somados, os reservatórios das hidrelétricas brasileiras estejam em aproximadamente 37% em novembro, quanto começa uma nova temporada de chuvas, e em 34% em dezembro.
Por conta desse cenário, no início deste mês o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) adotou medidas para poupar água em importantes usinas do Sudeste/Centro-Oeste, para mitigar os impactos da falta de chuvas e minimizar eventuais custos de geração.
“Acredito que com isso a gente consiga economizar água em toda a cascata dessas represas, e teremos não só um melhor equilíbrio, mas também a melhor distribuição dessa energia”, disse ao Estadão/Broadcast o diretor-geral do ONS, Luiz Carlos Ciocchi.
Segundo ele, hoje a situação atual já liga o sinal amarelo no setor, mas a condição para este ano ainda é administrável, permitindo que sejam acionadas as usinas termelétricas mais baratas no primeiro momento, na chamada geração por ordem de mérito.
A dúvida, contudo, é em relação às condições hidrológicas para o próximo ano, especialmente devido à possível configuração de um fenômeno La Niña no segundo semestre de 2024, que tem entre suas características atrasar o início do período úmido.
Para o sócio-diretor e meteorologista da Nottus, Alexandre Nascimento, se confirmada essa condição, é possível que haja um arrefecimento nas temperaturas médias, diminuindo um pouco a pressão por consumo de energia. Mas, em relação às chuvas, é possível que elas ocorram de maneira isolada e mal distribuída, especialmente no início da temporada de chuvas, no final do ano.
Foi justamente uma condição dessas que em 2021 fez com que os reservatórios das hidrelétricas entrassem numa condição crítica, a chamada “crise hídrica”. “Em geral, em anos de La Niña, é que o período úmido atrasa o seu início”, comentou.
Ele lembra que geralmente o ponto mais baixo dos reservatórios das hidrelétricas é atingido entre outubro e novembro, mas que, em seguida, começam a se recuperar devido à volta das chuvas abundantes entre o fim da primavera e o verão.
Contudo, nessa temporada, eles praticamente não melhoraram em relação a novembro: no dia 11 de março deste ano o reservatório estava em 65,4%, ou seja, quase não subiu em relação a novembro de 2023. Já na comparação com o março do ano passado, quando os reservatórios que atendem ao SIN estavam em 80,7% da capacidade, os volumes armazenados este ano estão 15,3 pontos percentuais (p.p.) menores.
Por conta desse cenário, Nascimento destaca que a situação este ano só não está pior porque, em 2022 e parte de 2023, as chuvas foram muito abundantes, permitindo uma forte recuperação dos reservatórios após a crise hídrica.
“A sorte do sistema neste ano foi o ponto de partida: um dos maiores de todos os tempos. Então, mesmo com um dos piores períodos úmidos já registrados (de chuva), estamos saindo do período úmido com reservatórios com níveis bem elevados”.
Na avaliação do meteorologista da Tempo Ok, Caetano Mancini, o último verão foi marcado por chuvas localizadas e pouco persistentes, principalmente nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Norte, como consequência do fenômeno El Niño. Além disso, houve um aquecimento das águas dos Oceanos, em dimensão e intensidade jamais observados. “Todas essas condições sem precedentes culminaram no verão mais seco já registrado no Sudeste, superando inclusive os padrões dos anos de 2014 e 2019″, comentou.
Mancini acredita que, tendo em vista que o ONS já tem adotado medidas para preservar os reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste, a tendência é que no curto prazo não haverá um grande problema de abastecimento. “Assim, caso o período úmido de 2024 venha com volumes menores ou atrase, ainda não há motivos que causem alarmes para os reservatórios”, conclui.
Preços
A piora no cenário hidrológico já tem apresentado efeitos sobre os preços da energia no mercado de curto prazo e, ao longo do ano, podem se refletir em mudanças nas bandeiras tarifárias, devido ao acionamento de termelétricas, que têm custo de geração maior. Hoje, elas estão no patamar verde, sem custo adicional nas contas de luz, e já existem especulações sobre quando a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) poderá rever essa condição.
De acordo com levantamento da consultoria Dcide, o preço de referência para a energia convencional a ser entregue de abril a junho chegou a R$ 85,99 por megawatt-hora (Mwh) na última semana. O valor representa um aumento de 10,57% em relação aos R$ 77,77 por MWh calculados na semana passada. Na comparação com os preços calculados há um mês, a alta é de 24,17%.
“Essa condição já causou aumento no preço da energia, e mais que isso, mostra a fragilidade e dependência da matriz energética brasileira, pois ainda dependemos totalmente de uma boa performance de chuvas no período úmido para ter robustez no sistema e estabilidade nos preços”, aponta o sócio fundador da Stima Energia, Erico Mello.
Já para o gerente de Estudos Energéticos no Grupo Delta Energia da Delta Energia, Fernando Borborema, mesmo com um cenário hidrológico desfavorável este ano, a tendência é que os preços continuem baixos, e para uma elevação mais substancial dos valores praticados no mercado livre é necessária “a permanência de um cenário hidrológico desfavorável” por um período mais longo.
Em relação ao acionamento de termelétricas, Luiz Carlos Ciocchi, do ONS, aponta que já tem feito despachos pontuais para suprir a demanda de energia na ponta, em horários de maior consumo, mas que as medidas adotadas este mês podem evitar o uso mais intensivo dessas usinas em 2024, como aconteceu na crise hídrica de 2021.
“Podemos usar térmicas, mas vamos usar as mais baratas e mais eficientes, evitando assim a gente chegar lá no fim do ano e termos que pagar o preço que for, mas não acredito que não vamos ter um grande uso delas até o final do ano”, afirmou ele.
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