A expressão “shutdown”, já familiar nos Estados Unidos, começa a tirar o sono de integrantes do governo brasileiro. Trata-se da paralisação da administração pública, como resultado de travas no orçamento. Cercado de suspense, o shutdown abalou a gestão Obama, repetiu-se por duas vezes na era Trump e, como, nesses últimos tempos, tudo que acontece nos Estados Unidos acaba servindo de exemplo para o Brasil, já tem gente temendo que ele também chegue por aqui (atenção: contém ironia).
O próprio Bolsonaro admitiu, na sexta-feira, que a falta de dinheiro está deixando os ministros “apavorados” e o Exército será forçado a trabalhar em regime de meio expediente, além de dispensar um terço dos recrutas. Mas não é só o Exército que enfrenta sufoco financeiro. Faltam recursos para pesquisa e até para atividades básicas nas universidades. Embora a declaração oficial seja de um corte linear de gastos, persiste a desconfiança de que as decisões envolvam também critérios ideológicos. O ministro das Ciências e Tecnologia, Marcos Pontes, alertou para o risco de calote nas bolsas de pesquisa, já em setembro. A UFRJ ameaça suspender as aulas, por não conseguir cobrir os gastos com segurança, iluminação e até com limpeza. E providências semelhantes estão em discussão em várias das 63 universidades federais.
As queixas de falta de dinheiro espalham-se por toda a Esplanada dos ministérios e chegam ao Congresso, onde parlamentares cobram o cumprimento das promessas feitas pelo Planalto, quando foram convencidos a apoiar a reforma da Previdência, em troca da liberação de cargos e emendas – foram mais de R$ 4 bilhões em emendas desde o desembarque da proposta da nova Previdência na Câmara, em março. Numa verdadeira “volta do parafuso”, a solução encontrada para honrar esses compromissos com o Congresso foi pedir ao próprio Congresso um crédito suplementar de R$ 3 bilhões. Diante do quadro de penúria, parece até pouco significativa a suspensão da emissão de passaportes pela Polícia Federal, em meados de 2017, num episódio visto à época como prenúncio de um shutdown.
Fatos, obviamente, são sempre mais eloquentes do que números. Por mais que técnicos venham advertindo há tempos que o Brasil caminha para o colapso, se não encarar uma reestruturação das contas públicas para valer, começando com a reforma da Previdência. Fatos põem às claras o que manobras contábeis tendem a esconder. No Brasil dos últimos anos, o que se tem feito, em matéria de ajuste fiscal, é preferencialmente na linha de "cortar gasto aqui para cobrir ali o cheque especial ou o cartão de crédito". E, dessa forma, chegar ao fim do exercício dentro das metas fiscais.
Segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado, as contas do Governo Central devem fechar 2019 com um déficit primário nas proximidades dos R$ 139 bilhões previamente fixados pelo governo. Nas projeções dos analistas de mercado reunidas no boletim Prisma Fiscal, o rombo pode ser ainda menor, de R$ 103 bilhões, mas tudo indica que esse desempenho leva em conta recursos do leilão dos excedentes da cessão onerosa do pré-sal – e não é garantida a entrada do dinheiro nos cofres da União ainda dentro do atual exercício.
Além disso, o governo vem recorrendo com intensidade ao contingenciamento de verbas para não perder a mão no Orçamento. Até agora, foram bloqueados R$ 34,2 bilhões, um quarto dos gastos não obrigatórios previstos para 2019 – e é esse aperto que acaba desembocando, no limite, em situações como a da falta de material de limpeza na UFRJ. Enquanto o presidente se “distrai” com no mínimo um embate por semana, das provocações aos governos da Alemanha e da Noruega, em razão das punições para os desmandos da política ambiental, às intervenções na Polícia Federal, a administração pública anda aos solavancos. Um shutdown à moda da casa, com interrupções de alguns serviços básicos, não está descartado. Assim, não há atividade econômica que resista. CIDA DAMASCO É JORNALISTA
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.