A expressão Bric começou apenas como uma sigla, mencionada pela primeira vez em 2001 por Jim O’Neill, então economista-chefe do Goldman Sachs, e referia-se apenas ao Brasil, Rússia, Índia e China. O Brics atual tem dez membros plenos que incluem, além dos já mencionados, África do Sul, Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos. Não é um bloco econômico regional e é formado por países muito heterogêneos e com interesses comerciais distintos. Desde 2014, possui um banco, o Novo Banco de Desenvolvimento, hoje presidido por Dilma Rousseff. Infelizmente, aos poucos, vai se assemelhando mais a uma aliança política de oposição ao Ocidente.
Durante a última Cúpula do Brics, realizada em outubro/2024, em Kazan, na Rússia, a substituição do dólar por uma moeda comum foi tema de grande destaque. Dilma Rousseff, ao seu estilo, referiu-se “ao uso do dólar como arma”. O presidente Lula da Silva, na mesma ocasião, afirmou que o bloco precisa avançar na criação de meios de pagamento alternativos entre si, fugindo da necessidade de uso do dólar.
A retórica esquentou há alguns dias com as afirmações do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, nas redes sociais: “Exigimos que esses países se comprometam a não criar uma nova moeda do Brics nem apoiar qualquer outra moeda que substitua o poderoso dólar americano, caso contrário, eles sofrerão 100% de tarifas e deverão dizer adeus às vendas para a maravilhosa economia norte-americana”.
Por ser tema técnico, essa polarização política é descabida. Afinal, vivemos em um mundo de moeda fiduciária, mercados financeiros globalizados, onde a maior parte das transações internacionais é feita pelo setor privado e com predominância, pelo menos nas democracias, de regimes de livre flutuação cambial.
O amplo uso do dólar não se deve a imposição legal ou a pressão política dos norte-americanos. Trata-se de uma moeda de elevada liquidez e isso decorre da livre escolha dos agentes econômicos que realizam transações no mercado internacional, por confiarem na economia e nas instituições do país emissor. Cerca de 60% das reservas internacionais, inclusive da China, estão em ativos denominados em dólar. Pouco importam, portanto, acordos políticos para a adoção de uma determinada moeda.
Assim, não há a menor condição, pelo menos a curto e médio prazos, de substituição, em escala relevante, do dólar como moeda de referência das transações internacionais, mesmo entre os membros do Brics. Até Vladimir Putin, obviamente defensor dessa medida, considerou o projeto ainda muito incipiente.
A política externa do governo Lula da Silva continua sendo guiada mais por ideologias ultrapassadas, dos tempos da guerra fria, em um mundo bipolar, do que pelo pragmatismo e pela defesa dos interesses econômicos brasileiros na complexa ordem econômica global atual.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.