Encerrei meu último artigo de 2024 falando sobre o risco de estagflação. Pode ter soado estranho, dado que a taxa de desemprego está na mínima histórica, que as taxas de crescimento do PIB, desde 2022, vêm superando, com folga, o que se acredita ser o potencial, e que o Banco Central (BC) está em pleno ciclo de elevação da Selic.
A estagflação surge quando há uma retração na oferta agregada de bens e serviços, geralmente provocada por choques adversos, como pandemias, problemas meteorológicos, ação de cartéis, guerras, etc.
A expressão foi usada pela primeira vez em 1965 pelo político inglês Iain Macleod, referindo-se à situação da economia britânica na época. Passou para a literatura técnica na década de 1970, quando os choques do petróleo e as respostas equivocadas das políticas econômicas levaram vários países a um ciclo de inflação alta e estagnação/recessão.
Mas como a estagflação pode surgir, a médio prazo, na economia brasileira?
Comecemos pelo cenário internacional. Tudo indica que Donald Trump, que tomará posse em 20 de janeiro, não só intensificará a guerra tarifária com a China, como estenderá sua política protecionista a economias aliadas. Some-se a isso a prometida expulsão em massa de imigrantes, que causará queda de produtividade e aumento do custo da mão de obra. As resultantes são inflação mais alta, dificuldade de queda da taxa de juros e continuidade do fortalecimento do dólar, que já se apreciou, nos últimos 12 meses, mais de 6% em relação a uma cesta de moedas fortes (DXY).
Para o Brasil, o choque de oferta vem pelo encarecimento em reais dos preços de produtos comercializados no mercado internacional, o que atinge não somente os bens e serviços de consumo, mas, principalmente, afeta o custo de produção da indústria e até mesmo de alguns serviços, como, por exemplo, transporte aéreo e saúde.
Internamente, além da economia já operar ligeiramente acima da capacidade instalada, vivemos uma crise de confiança na política fiscal, que retira parte da eficácia da política monetária, como venho discutindo em meus artigos anteriores. O choque de juros promovido pelo BC em sua última reunião não reduziu as expectativas de inflação, que seguem se elevando, mas provocou forte crescimento da relação dívida pública/PIB.
A reversão dessa crise de confiança somente seria possível com alguma medida relevante na área fiscal, capaz de mudar as expectativas de crescimento contínuo do endividamento público. Mas o governo Lula da Silva, mesmo que quisesse, provavelmente não teria apoio político para isso.
A depreciação cambial funciona como um autêntico choque de oferta para o País. As incertezas internas, além de impulsionarem a inflação, inibem o investimento e o aumento da capacidade produtiva, o que é essencial para o crescimento quando já se opera em pleno-emprego. Estão aí os ingredientes da estagflação.
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