A queda de 21,9 pontos percentuais no grau de pobreza multidimensional - que considera moradia, acesso ao serviços de utilidade pública, saúde e alimentação, educação, acesso aos serviços financeiros e padrão de vida, e transporte e lazer - entre 2008 e 2018, é uma excelente notícia, certo?
Mais ou menos, porque o período da pandemia de coronavírus não faz parte do levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE). Além disso, mesmo com esse avanço, 46 milhões de brasileiros ainda são pobres, e 132 milhões são vulneráveis.
Esses dados ajudam a explicar por que ocorre a crise do varejo, que tem nomes reluzentes como Lojas Americanas, Casas Bahia, Magazine Luiza e Lojas Marisa, só para citar alguns exemplos. Ela é atribuída aos juros elevados, que impactam o crédito das famílias. Não se pode discordar disso, mas a razão é bem mais ampla. O comércio sofre porque não fomos capazes, até hoje, de reduzir consideravelmente a concentração de renda que envergonha o Brasil. No segundo trimestre do ano, a renda média do trabalho no país era R$ 2.921,00. Em 10 capitais brasileiras, a cesta básica variava, em julho, entre R$ 656,02 (Belo Horizonte) e R$ 783,05 (São Paulo). Portanto, consumia entre 22,4% em 26,8% da renda média. Como as pessoas, além de comer, precisam morar em algum lugar, usar algum meio de locomoção, vestir-se, comprar remédios (de uso eventual ou crônico), há alguma dúvida porque o consumo não cresce e a economia não sai do lugar?
Falhamos em construir uma sociedade menos desigual, em que o acesso aos bens básicos de consumo seja regra, não a exceção. Fizemos a transição da ditadura militar para a democracia sem um grande pacto formal ou informal que melhorasse os salários, as condições de trabalho, o acesso à saúde e à educação de qualidade.
É claro que podemos nos orgulhar do Código de Defesa do Consumidor (CDC); dos estatutos do Idoso, e da Criança e do Adolescente; das urnas eletrônicas; do Marco Civil da Internet, e da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
Mas enquanto as melhorias salariais da maioria dos brasileiros subirem lentamente pela escada, degrau a degrau, e os custos por elevador, continuaremos sendo um mercado de consumo muito limitado. O que as grandes redes de varejo, inclusive os supermercados, sentem é a consequência da iniquidade de um país que ainda não superou totalmente a mentalidade escravagista e o poder baseado nas capitanias hereditárias.
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