NOVA YORK- Ao ampliar o guarda-chuva e proteger todos os clientes do Silicon Valley Bank (SVB) e do Signature Bank, que tiveram suas portas fechadas nos últimos dias, o governo dos Estados Unidos tenta conter o risco de uma crise sistêmica no setor bancário e que fez reviver os fantasmas de 2008 para o sistema financeiro internacional. Ainda assim, a turbulência desencadeada segue impactando bancos menores no país, em um alerta ao potencial contágio dessas instituições quando afetadas em série, mesmo que não tenham o tamanho de pesos pesados como JPMorgan Chase, Citigroup e Bank of America.
A quebra de dois bancos americanos em questão de dias acendeu o alerta em todo o sistema financeiro global, abalando os mercados dos EUA à Europa, passando pela Ásia e também o Brasil. O maior impacto se deu, naturalmente, em Wall Street, com as ações de bancos regionais penalizadas pelo rápido colapso do SVB e do Signature. O First Republic Bank, com sede em São Francisco, amargou perdas de 61,83% no pregão desta segunda-feira, 13. Outros nomes, como o Western Alliance Bancorp, baseado em Phoenix, teve queda de cerca de 47,06%, enquanto o PacWest Bancorp, de Beverly Hills, Califórnia, perdeu 21,05%.
O temor de contágio permanece, a despeito da ação conjunta do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), o Tesouro dos EUA e a Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), espécie de Fundo Garantidor de Crédito (FGC) dos EUA, para conter a ameaça de uma turbulência sistêmica.
Depois de um fim de semana de negociações intensas e pressão da comunidade ‘tech’, os reguladores anunciaram na noite de domingo, 12, que todos os clientes do SVB e do Signature teriam acesso a seu dinheiro, para além da regra que impõe o limite de até US$ 250 mil (cerca de R$ 1,3 milhão) a cada depositante, como ocorreu na crise de 2008. Além disso, o Fed também criou um programa de emergência para apoiar bancos de menor porte nos EUA.
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“Embora o perigo imediato tenha diminuído, prevemos que os mercados se tornarão mais vigilantes em relação às concentrações e exposições bancárias”, diz o vice-presidente e diretor associado para bancos da FacSet, Sean Ryan.
O First Republic Bank, voltado ao segmento private e de gestão de fortunas, foi uma das instituições a recorrer à medida de emergência do Fed. O banco informou que possui liquidez total disponível de US$ 70 bilhões e que “reforçou e diversificou ainda mais a sua posição financeira” por meio do acesso à liquidez adicional do BC dos EUA e do JPMorgan Chase.
Já o Western Alliance anunciou que tomou medidas adicionais para fortalecer sua posição de liquidez e atender à demanda dos clientes. “A partir desta manhã, as reservas de caixa ultrapassam US$ 25 bilhões e estão crescendo, enquanto as saídas de depósitos foram moderadas”, disse o CEO do Western Alliance Bank, Kenneth Vecchione, em nota. Segundo ele, os depósitos segurados, ou seja, que contam com a garantia de US$ 250 mil do FIDC, excedem 50% o valor total.
O think tank independente Fórum Oficial das Instituições Monetárias e Financeiras (OMFIF, na sigla em inglês) alerta para o contágio financeiro gerado pelos temores do mercado e devido à interconectividade dos bancos nos EUA. Isso porque embora o SVB, na condição de 16º maior banco do país, não tenha “importância sistêmica”, o cenário muda quando considerado o conjunto de instituições financeiras regionais americanas.
“O Bear Sterns e o Lehman em si não eram vistos como sistêmicos, mas eram... Muitos bancos regionais dos EUA são enormes em termos de ativos”, diz o ex-secretário do Tesouro americano e presidente do OMFIF para os EUA, Mark Sobel.
Para ele, a lista de bancos dos EUA, que devem ser submetidos a padrões prudenciais mais rígidos de capital, deveria ser maior para não repetir erros do passado, que subestimaram o risco de contágio no sistema. “Inevitavelmente, deve haver um exame para saber se são necessários padrões mais rígidos de capital e liquidez, especialmente para bancos médios e regionais”, afirmou Sobel.
O Wells Fargo menciona a existência de elementos idiossincráticos na quebra do SVB e do Signature, ambos voltados ao segmento de tecnologia e que foi fortemente impactado pela subida de juros no mundo, mas também alerta para alguns “elementos sistêmicos”. Dados do FDIC indicam que os depósitos do sistema bancário comercial nos EUA equivalem atualmente a mais de 80% dos ativos totais, a maior proporção em mais de 30 anos. No entanto, a porcentagem de depósitos segurados pelo regulador caiu para apenas cerca de 50% dos ativos do sistema.
“Portanto, é fácil ver por que os formuladores de políticas estariam preocupados com o fato de outros bancos passarem por saídas de depósitos significativas (ou seja, corridas bancárias), como a que ocorreu com o Silicon Valley Bank”, escreveram os economistas do Wells Fargo, em nota a clientes.
O presidente do Fed, Jerome Powell, disse que os eventos envolvendo o Silicon Valley Bank exigem “revisão completa, transparente e rápida do Federal Reserve”, em comunicado para anunciar o nome do vice-presidente da autarquia, Michael S. Barr, como líder da apuração do SVB. O resultado será publicado em 1º de maio. “Precisamos ter humildade e conduzir uma revisão cuidadosa e completa de como supervisionamos e regulamos o SVB”, disse Barr.
Para Ryan, da FacSet e que passou por grupos como o Lehman Brothers e o Bear Sterns, o estresse gerado pela queda dos depósitos no sistema bancário americano certamente ainda não terminou. “A reação de longo prazo dos depositantes aos eventos da semana passada ainda está para ser vista”, disse.
Especialistas reforçam o coro de reguladores de que o sistema bancário americano está líquido e mais bem capitalizado após os trágicos episódios de 2008. Em comunicado conjunto divulgado no domingo, o Fed, o Tesouro dos EUA e o FIDC afirmaram que o sistema bancário dos EUA continua “resiliente e com bases sólidas”, em grande parte devido às reformas feitas após a crise financeira.
No entanto, a crise gerada pelo SVB e o Signature pode mover algumas peças no setor, elevando a concentração no sistema bancário americano. “Os depositantes de bancos regionais ou de pequeno e médio porte estão, sem dúvida, se perguntando se devem repensar suas participações. Os maiores bancos, como JPMorgan e Citi, provavelmente parecerão mais seguros e atraentes. Seus portfólios são diversos. Seu capital é mais forte. Eles são ‘too big to fail’ (grandes demais para quebrar)”, diz Sobel, do OMFIF.
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