A venda dos últimos quatro shoppings da Tenco, empresa controlada pelo Pátria, deixou feridas abertas no Bradesco, que é o credor de aproximadamente R$ 330 milhões em empréstimos concedidos ao grupo empresarial. Todos os empreendimentos vendidos nesta semana haviam tomado financiamentos junto ao banco e sido dados como garantia, sob regime de alienação fiduciária, para o caso de inadimplência.
O Via Vale Garden, de Taubaté (SP), tem um empréstimo de R$ 93 milhões, o maior de todos. No caso do Via Café Shopping, de Varginha (MG), são R$ 87 milhões; o Bragança Garden, de Bragança Paulista (SP), R$ 84 milhões; e o Lages Shopping Center, em Lages (SC), R$ 65 milhões. Os valores foram usados para reforma, manutenção e capital de giro dos shoppings. Diante das dificuldades desses empreendimentos em atrair público e embalar as vendas, foi necessário que Pátria e Bradesco renegociassem as dívidas.
Em agosto de 2019, todos os contratos foram refinanciados, com vencimentos estendidos para um prazo que variava entre 200 a 220 meses e taxas de juros na faixa de 9% ao ano, dependendo do empreendimento, conforme constou no balanço do fundo. Mas o novo plano em voga não durou muito. A chegada da pandemia e o fechamento dos shoppings abalou ainda mais os negócios da Tenco.
Nova renegociação foi fechada em julho de 2020
Veio então uma nova renegociação da dívida do Pátria com o Bradesco. Em julho de 2020, as partes assinaram um acordo de intenções mediante o qual foram revisados os termos contratuais de todas as dívidas, contemplando uma nova carência de principal e juros para até 31 de dezembro de 2022 e 2023. Em outubro do mesmo ano foram assinados os aditivos definitivos para todos os financiamentos, confirmando o novo período de carência e alterando a taxa para TR + 2,8% ao ano + poupança.
O Pátria vem tentando vender os shoppings da Tenco há pelo menos dois anos e ofereceu os ativos para fundos imobiliários que atuam no setor. O negócio não avançou porque a dívida foi considerada “impagável” considerando a projeção de fluxo de caixa dos shoppings, composta na sua maioria pelos aluguéis das lojas e tarifas de estacionamento. Além disso, essas negociações se arrastaram ao longo da pandemia, quando havia uma grande dúvida sobre o ritmo de recuperação das vendas.
A viabilidade da compra passa, necessariamente, por uma negociação com o Bradesco para uma reestruturação da dívida, ou seja, aplicação de desconto e parcelamento no decorrer de alguns anos. É uma situação difícil porque o banco já está machucado pelo histórico vivido com a gestora. Fontes de mercado relatam que o Bradesco cortou relações com o Pátria, tamanha a insatisfação.
Bradesco estudou executar a dívida e ficar com os quatro shoppings
Nesse meio tempo, o Bradesco estudou a possibilidade de executar as dívidas e ficar com os shoppings, acomodando os ativos em um fundo, sob gestão de terceiro, até definir o encaminhamento. Quem esteve à frente desse processo foi o executivo Claudio Bruni, ex-presidente da BR Properties e atual diretor da Ulbrex Capital, empresa que atua na prospecção de oportunidades de negócio imobiliários e posterior gestão.
A grande dificuldade do processo é que a compra de shoppings nessas condições “ácidas” não é um negócio típico de empresas e fundos imobiliários, que são especialistas na operação dos empreendimentos, mas não na reestruturação de dívidas. Sem contar que estes são shoppings situados em mercados pouco atrativos. Daí a saída do Pátria foi buscar alguém da área de ativos estressados e situações especiais.
Ao anunciar a venda nesta semana, o Pátria informou que a transação foi realizada na modalidade “porteira fechada”, com a transferência de todos os ativos, passivos e obrigações da holding e de seus respectivos shoppings. Segundo a gestora, o comprador tem experiência em reestruturação de negócios e em empresas do setor imobiliário. O nome do comprador, entretanto, não foi revelado.
Comprador dos ativos ainda é desconhecido
Nem os cotistas do fundo do Pátria sabem quem arrematou os ativos e reclamam da falta de transparência na transação, apurou a Coluna. Na cidade de Bragança Paulista, o shopping já está até mudando de nome após a troca de dono, mas nem os lojistas sabem quem é o novo responsável, conforme noticiou a imprensa local.
Procurados, Bradesco e Pátria não comentaram. Claudio Bruni não respondeu ao contato da Coluna.
A venda do quarteto de shoppings marcou também a conclusão do desinvestimento do Pátria na Tenco, uma história malsucedida que começou em 2010. O fundo Shoppings do Brasil foi criado pela gestora em dezembro daquele ano, ainda sob o nome de Private Equity II, para aportes na Tenco, empresa fundada em 1988 em Belo Horizonte. O fundo Shoppings do Brasil tem como maior acionista outro fundo da própria gestora, chamado Pátria Special Opportunities II, com cerca de 40% de participação, enquanto o restante está espalhado nas mãos de diversos cotistas.
Pátria captou R$ 1 bi com investidores e tomou financimento de mais R$ 1 bi
Ao todo, a gestora captou em torno de R$ 1 bilhão com investidores e mais R$ 1 bilhão em financiamentos para a aquisição da Tenco e o desenvolvimento de um conjunto de shoppings situados em cidades pequenas e médias do interior do País - destoando da maioria dos empreendedores do ramo, que preferem grandes centros.
O negócio não prosperou porque a população do interior não vai ao shopping com a mesma frequência do que os moradores das cidades grandes. No interior, as pessoas almoçam em casa e fazem compras nos calçadões onde se concentram as lojas de rua. Ou seja: shopping costuma ser um programa de fim de semana. Assim, os empreendimentos levam muito mais tempo para maturar após a inauguração. A Tenco chegou a ter 13 unidades, todas já vendidas.
Nesta semana, o Pátria Special Opportunities II remarcou o valor da sua cota, que passou de R$ 10 para o valor negativo de R$ 300, surpreendendo os cotistas, que agora serão convocados para discutir, em assembleia, a necessidade de uma capitalização para cobrir o saldo no vermelho.
Esta nota foi publicada no Broadcast no dia 28/07/23, às 16h46.
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