Prestes a completar 15 anos na Bolsa, a Cielo começa a se despedir do mercado, com o lançamento de uma oferta bilionária de seus controladores, Bradesco e Banco do Brasil, para fechar capital. O movimento coroa uma mudança estrutural no mercado de maquininhas de cartões, que movimenta R$ 1 trilhão ao ano e se tornou tão competitivo que, para analistas, as empresas podem funcionar melhor sob o guarda-chuva dos bancos.
Com capital aberto, restarão as empresas independentes, que podem ver os desafios aumentarem com as três maiores agentes do mercado integradas a conglomerados com grande ‘poder de fogo’.
Entre investidores na Bolsa, o anúncio que pode tirar a Cielo do mercado foi bem recebido. As ações da empresa subiram quase 4% ontem, enquanto as dos Bradesco ganharam mais de 6%, considerando as preferenciais (PN), e as do Banco do Brasil, mais de 2%.
A oferta de Bradesco e BB avalia a Cielo em cerca de R$ 14,6 bilhões, e levaria os bancos a desembolsarem R$ 5,9 bilhões para comprar as ações dos minoritários. Cada uma delas foi avaliada em R$ 5,35, o que representa um prêmio de 23% em relação à média dos 60 pregões anteriores a 2 de fevereiro.
IPO da Cielo foi uma das maiores ofertas da Bolsa
Em 2009, a Cielo, então Visanet, estreou na B3 após captar R$ 8,4 bilhões, naquela que foi uma das maiores estreias de empresas no mercado brasileiro. Dois anos antes, a Rede, do Itaú, havia levantado R$ 4 bilhões ao chegar à Bolsa.
A realidade do negócio, porém, era muito diferente: Visanet e Rede tinham margens na casa dos 70%, fruto dos regimes de exclusividade que mantinham com as bandeiras Visa e Mastercard. Essa era chegou ao fim em 2010, quando o Banco Central determinou o fim da exclusividade.
Ao longo da década seguinte, rivais como Stone, PagSeguro, Getnet e Mercado Pago cresceram e apareceram no setor. A Rede teve o capital fechado pelo Itaú em 2012. Se antes eram poucos competidores, hoje são mais de 30, com fintechs que passaram a operar nesse mercado, incluindo na antecipação de recebíveis, antes nas mãos só das credenciadoras. O pix ajudou a minar o negócio.
Concorrência maior e pix mudaram mercado
Como reflexo, as margens caíram. A da Cielo ficou em 36% no quarto trimestre. “A tendência é que o negócio de credenciamento vire um produto dentro do banco”, diz o sócio fundador da Colink Business Consulting, Edson Santos, que já foi diretor financeiro da Redecard.
O Itaú, por exemplo, já faz propagandas da “maquininha laranjinha”, sem citar a Rede. Um ex-executivo da Cielo, que falou sob anonimato, disse que o mercado deve viver uma dicotomia à frente, com empresas como Rede, Cielo e Getnet com o capital fechado e integradas a bancos, e nomes como Stone e PagBank (ex-PagSeguro) abertas em Bolsa, e sem bancos por trás. “A dinâmica do mercado vai mudar. Se os preços vão cair, é outra história, mas a dinâmica vai mudar.”
No passado, o desenvolvimento da tecnologia de captura de transações levou o negócio de cadastramento de lojista e outras operações de cartões para fora dos bancos, que ficaram só com a emissão dos plásticos. Hoje, a evolução da tecnologia ajuda a trazer todos esses negócios para dentro do banco. “As operações estão mais integradas”, disse Santos, da Colink.
Segundo o ex-Cielo, nunca houve problema de governança na companhia: os papéis dos dois bancos e da empresa sempre foram bem definidos, embora em alguns momentos ficasse claro que havia competição em alguns produtos. Entretanto, ele diz que o mercado mudou muito nos últimos anos. “É muito difícil competir de igual para igual sendo uma operação separada dos bancos e com capital aberto”, disse ele.
Um exemplo seria na operação com grandes redes de varejo: para os bancos, compensa cobrar menos na adquirência para entrar nesses clientes e eventualmente capturar outros negócios, como a folha de pagamento ou a gestão de caixa.
Com acionistas minoritários, porém, fica difícil fazer esse tipo de movimento. Para o presidente da Cielo, Estanislau Bassols, tornar a companhia privada pode abrir novas avenidas de crescimento, tanto em termos de produtos como em facilidade de processos para incentivar a força de venda, sobretudo quando se pensa nos dois bancos donos da empresa de maquininhas.
Por ora, ele disse em teleconferência com analistas que a estratégia da companhia não muda, ao menos nos próximos 6 meses a 1 ano.
Na visão do ex-executivo, integrações têm desafios. Ele menciona que o Itaú prometeu integrar a Rede ao banco em 2012, ao fechar o capital da companhia, mas que isso só aconteceu de fato no ano passado, o que resultou na chegada da empresa à liderança do mercado.
Este texto foi publicado no Broadcast no dia 06/02/24, às 20h02
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