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Bastidores do mundo dos negócios

Empresários pressionam governo contra sonegação de pessoa física em importação da China

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Disputa opõe grandes teles e empresas regionais  Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Uma comitiva composta pelo empresário Luciano Hang, dono da varejista Havan, pelo CEO da Multilaser, Alexandre Ostrowiecki e outros nomes de empresas de varejo que fazem importação de produtos vindos da China levou ao alto escalão do governo, à presidência da República e a senadores, denúncias contra plataformas de fora do País que trazem produtos a pessoas físicas no Brasil, prática conhecida como 'cross border'. Em uma apresentação, que leva o aviso de "material sigiloso", e de nome "Contrabando Digital", são citadas as empresas AliExpress, Wish, Shein, Shopee e Mercado Livre. Instituições da indústria, que dizem há anos sofrer com concorrência desleal de produtos importados, juntaram forças ao novo pleito e fizeram o assunto chegar à Procuradoria Geral da República (PGR).

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A sequência de telas apresentada, entre outros, ao ministro da Economia Paulo Guedes e ao presidente Jair Bolsonaro descreve um suposto modelo de operação ilegal das plataformas de cross border. A causa também ganhou apoio de Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Associação Nacional dos Fabricantes Produtos Eletroeletrônicos (Eletros) e do Fórum Nacional contra a Pirataria e Ilegalidade (FNCP). O desejo é promover alterações nas normas tributárias, de modo que o consumidor pague os impostos relativos à transação no momento da compra, e não quando o produto importado passa pela Receita Federal e entra no Brasil.

Articulados pelo presidente da Abrinq, Synésio da Costa, as associações - que já se mobilizam há anos para buscar o que chamam de "igualdade tributária'' para produtos importados - viram a iniciativa do varejo como uma boa notícia para que a pauta ganhasse força. Segundo ele, há interesse no assunto de outras instituições do setor de varejo, como o Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV), e de muitas companhias que têm visto com preocupação as práticas adotadas pelo comércio entre fronteiras e o que apontam como distorções tributárias.

"Engenharia para burlar a Receita"

Segundo documento ao qual o Broadcast teve acesso, essas instituições enviaram um ofício à Procuradoria Geral da República com denúncias sobre a forma de atuação de empresas estrangeiras de comércio entre fronteiras. Junto ao ofício, a própria apresentação levada a tiracolo pelos empresários com trânsito no governo foi anexada. O material cita a "construção de engenharia de como burlar a Receita" adotada pelas plataformas de e-commerce que atuam com importação.

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Um dos documentos apresentados sugere o subfaturamento de notas fiscais e a reetiquetagem na Suécia, como tentativa de burlar a fiscalização. O grupo alega que apenas 2% dos 500 mil pacotes que chegam na fiscalização alfandegária são de fato checados.

O material reproduz telas de anúncios dos e-commerces e supostas notas subfaturadas, além de comentários de clientes com dicas de como driblar a fiscalização.

Segundo as denúncias, vendedores e compradores usam desses artifícios para se enquadrar em uma transação para a qual a Receita Federal não cobra taxas ou impostos. No geral, são isentas as encomendas de até US$ 50. No entanto, o benefício só é concedido se a remessa ocorrer entre duas pessoas físicas, sem fins comerciais.

Pelo mundo

Segundo o sócio do Escritório J Amaral Advogados, Fabio Pimentel, os materiais presentes no documento apresentado à PGR trazem à tona temas relevantes e, pela lei, o Ministério Público tem obrigação de apreciar elementos que tenham o mínimo indício de irregularidade. "O comércio em si e as plataformas não têm nada de ilegal, mas se existe alegação de sonegação fiscal, por exemplo, ela tem de ser analisada", afirma.

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Ele afirma que, na Europa, essa também foi uma questão discutida, porém a solução veio de maneira diferente. Por lá, as compras feitas fora da União Europeia que chegam por meio do serviço de correios ficam travadas na instituição até que o comprador preencha um formulário declarando o que comprou, quanto pagou e outros detalhes. Por meio dessa declaração, os correios calculam o imposto a ser pago pelo consumidor, que só então pode receber sua compra. Nesse modelo, a responsabilidade passa a ser do cliente.

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A solução não garante que não haverá sonegação, diz, mas tende a surtir efeito porque transfere a responsabilidade ao cliente, sob pena de arcar com as consequências legais de omitir informações. Para ele, a solução proposta no documento, de que o imposto seja cobrado pela instituição de pagamento que faz a intermediação da compra, é possível, mas parte da atribuição de responsabilidade a essas instituições por toda a transação, o que carece de discussões.

Há uma questão específica sobre os marketplaces (shopping virtuais). A Europa caminha no entendimento de que alguns deles têm se tornado caminhos inevitáveis para o comércio eletrônico. "Os marketplaces estão deixando de ser apenas intermediários para assumir posições cada vez mais relevantes nas cadeias produtivas. Já têm os próprios meios de pagamento, armazenamento e entregas", observa. Assim, tramita no Parlamento Europeu uma medida que pode determinar que, após atingir certa escala, essas empresas tenham de abrir mão de um elo da cadeia, como a logística ou os meio de pagamento, por exemplo. "O Brasil tem a oportunidade de pensar nisso agora, antes que as empresas cheguem a esse nível", argumenta Pimentel.

A venda

A queixa levada à PGR relata não apenas a importação para fins comerciais, como a venda posterior desses produtos em shoppings virtuais com operação local. Nessa segunda parte, as atenções se voltam ao Shopee e ao Mercado Livre, que são acusados de não se responsabilizar sobre a procedência dos produtos ali vendidos, bem como permitirem que pessoas físicas façam vendas, sem emitir nota fiscal.

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O site do Shopee sugere que é possível vender uma grande quantidade como pessoa física. A página informa que aqueles com conta CPF com emissões acima de 900 pedidos terão acréscimo de R$ 3 por item vendido.

Em nota, o Shopee diz que não foi notificado por qualquer órgão governamental e afirma estar em conformidade com as leis locais, além de cobrar que os vendedores também estejam. "A Shopee está empenhada em ajudar as PMEs (Pequenas e Médias Empresas) brasileiras a crescer e prosperar no mundo online por meio do nosso marketplace. Mais de 85% das vendas na nossa plataforma são de vendedores locais, incluindo pequenas e médias empresas, além de marcas. Em nossa sede em São Paulo, e ao redor do país, nossas equipes locais atendem a mais de 1 milhão de vendedores brasileiros registrados."

No Mercado Livre também é possível vender como pessoa física, mas o diretor jurídico da companhia, Ricardo Lagreca, explica que, quando esse vendedor atinge um patamar de vendas diárias, ele precisa abrir um CNPJ e passar a emitir notas fiscais. Para ter certeza de que isso vai acontecer, a empresa exige que, a partir daí, suas entregas sejam feitas pelo serviço de logística da plataforma. Hoje, 95% das vendas são operadas dessa forma, pelo Mercado Envios. Os outros 5% se dividem em grandes lojistas que operam sua própria logística, mas que se tratam de grandes empresas devidamente regularizadas, e pessoas físicas que ainda não atingiram a venda mínima para a exigência de profissionalização na visão do Mercado Livre.

"A preocupação de combate à sonegação e à pirataria é legítima. A gente compartilha. Falando do Mercado Livre, entendemos que não deveríamos estar neste documento. Pagamos muitos tributos, no ano passado foram mais de R$ 2,5 bilhões que recolhemos", diz. Desde de 2020, a empresa afirma ter ajudado a formalizar 135 mil vendedores, por meio dessa política de exigir emissão de notas fiscais depois de certo patamar de vendas. Além disso, Lagreca lembra que, desde 2020, a empresa investiu US$ 100 milhões para apertar o cerco contra produtos falsificados na plataforma, com uma ferramenta que varre as ofertas do site e busca anúncios problemáticos.

Sobre as denúncias de subfaturamento de notas e omissão de informações à Receita Federal, a AliExpress afirmou em nota que "respeita as leis locais de cada país em que atua. A compra de itens importados, por pessoas físicas, é um ato legal e contribui para que haja maior competitividade e oferta aos consumidores brasileiros". A empresa diz que "de acordo com a lei brasileira, compras internacionais são sujeitas a taxações e vendedores internacionais que oferecem produtos para brasileiros assumem o compromisso de informar claramente os valores exatos e as descrições corretas dos produtos enviados ao mercado brasileiro, nos termos exigidos pelas leis locais"

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A companhia continua: "O AliExpress monitora proativamente, por meio de ferramentas de inteligência artificial, e de forma reativa, com um departamento inteiro dedicado à investigação de reclamações e denúncias, o cumprimento das regras impostas a vendedores. A violação das normas estabelecidas para vendedores implica em sua suspensão e exclusão definitiva de nossa plataforma. O AliExpress trabalha continuamente, em colaboração com diversos parceiros, para aprimorar suas ferramentas de monitoramento e avaliação de seus vendedores. Desde agosto de 2021, o AliExpress permite que vendedores brasileiros vendam para consumidores brasileiros. O ingresso em nossa plataforma exige que o vendedor possua CNPJ, emita nota fiscal em todas as vendas efetuadas e cumpra uma rigorosa política, que inclui não somente o cumprimento integral das leis locais, mas também a oferta de uma experiência de compra excelente para o consumidor".

Procuradas, Wish e Shein, que não possuem contato de imprensa no Brasil, não responderam às solicitações da reportagem. Havan e Multilaser não comentaram.

 

Esta reportagem foi publicada no Broadcast no dia 22/03/22, às 16h15.

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