A demora na aprovação do marco legal das eólicas offshore no Congresso Nacional tem levado empresas do setor a abortar planos de investir no Brasil. O Broadcast Energia apurou que grupos estrangeiros, como o dinamarquês Copenhagen Infrastructure Partners (CIP) e a BlueFloat Energy, com sede na Espanha, já teriam desistido de colocar turbinas de geração no mar do País, transferindo previsão de investimentos para outras praças ao redor do mundo.
Mesmo nas empresas decididas a esperar o regramento local, equipes montadas no Brasil enfrentam desgaste com as matrizes, dispensando pessoal e freando a realização de estudos ambientais e de viabilidade.
O presidente da Corio Generation no Brasil, Ricardo de Luca, confirma o cenário limite, mas diz que o grupo mantém a decisão de atuar no Brasil. A Corio tem cinco projetos cadastrados junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a fim de obter licenças ambientais, totalizando capacidade total de 6 gigawatts (GW) nos litorais das regiões Sul, Sudeste e Nordeste. No mundo, o portfólio de projetos da Corio supera os 30 GW na Europa, Ásia e Américas.
Impaciência
“A gente não quer sair do Brasil, mas estamos sim impacientes. Há três anos investimos em tudo quanto é estudo possível. Junto com a Neoenergia, somos a empresa que mais investiu em estudos de viabilidade para eólica offshore”, afirma. “Estamos pagando todos esses custos, os times. Não podemos manter isso por mais um ou dois anos sem um projeto de lei sobre a atividade aprovado”, reclama.
Estão em curso, segundo o executivo, estudos ambientais, de medição de vento, conexão com a rede, cadeia de fornecimento e portos. “Agora estamos fazendo o EIA/Rima [estudo e relatório de impacto ambiental] para as áreas, mesmo sem existência de regulação e sem saber se vamos ficar com elas lá na frente. A aprovação dessa lei agora é decisiva para os investidores”, diz.
Na prática, a lei é o que vai permitir ao Ministério de Minas e Energia preparar o primeiro leilão de prismas marítimos, que vai conceder áreas no mar, bem antes de qualquer leilão de energia de fato.
Ainda que preocupante, a lentidão do marco legal é menos crítica para empresas que já têm presença sólida no País por atuarem em outras frentes, casos de petroleiras como Petrobras, Shell e Equinor, e elétricas como Neoenergia e a dupla Engie e EDP Renewables, reunidas na joint venture Ocean Winds. Todas têm projetos cadastrados no Ibama à espera de licenciamento ambiental e aguardam o avanço das regras para acelerar suas unidades de negócio de eólica offshore.
Trava no Senado
A legislação das eólicas offshore é discutida no Congresso desde 2018 e tem projeto de lei que já tramitou nas duas Casas, mas tem a aprovação definitiva travada no Senado em função de oito jabutis. Os trechos foram inseridos por deputados federais no fim de 2023 para acomodar interesses que nada têm a ver com o assunto original do PL, como proteção às usinas a carvão e subsídios a outras modalidades de geração.
Em participação na Comissão de Minas e Energia (CME) da Câmara no último dia 19, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, chegou a dizer que a aprovação dos jabutis levaria a um “desastre tarifário”, com transferência de custo de R$ 25 bilhões aos consumidores finais de energia. A monta já tinha sido sinalizada pela consultoria PSR, como mostrou o Broadcast em dezembro do ano passado.
“Sem aprovar esse PL e dar a sinalização para o mercado global de que vai fazer offshore, o País perderá investimento para outros países que têm planos robustos, como os Estados Unidos e a Europa, que dão inclusive subsídio para investimento. Então, se o Brasil não acelerar a aprovação dessa lei, vamos perder investidores, porque muitos já estão desanimados com o mercado brasileiro”, disse a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoum.
Debandada
O diretor de Novos Negócios da Prumo Logística, Mauro Andrade, não cita nomes, mas confirma a debandada. Controladora do Porto do Açu, no norte do Rio de Janeiro, a Prumo tem um projeto eólico offshore para o litoral do Rio de Janeiro (2,1 GW), mas está mais focada em projetos para receber as bases logísticas dos empreendimentos offshore e da cadeia de suprimentos, tendo fechado uma série de memorandos de intenção com empresas do setor.
“A verdade é que muitas dessas empresas já puxaram o ‘plug’ do País. Já foi. Elas mantêm um ou outro funcionário, mas os times já não olham mais para o Brasil, se voltaram a outros mercados onde a atividade vem crescendo ou as condições estão dadas”, diz. Ele cita mercados europeus, além dos Estados Unidos, Índia e até países latino-americanos, como a Colômbia.
Os executivos dizem que o Brasil perde oportunidades de negócio e geração de emprego, renda e tributos, que viriam sobretudo no início da próxima década, para quando se espera o início das operações, mas também agora. Isso porque os estudos prévios necessários a cada 1 GW de capacidade instalada no mar custam entre US$ 70 milhões e US$ 100 milhões, filão que poderia estar mais ativo hoje.
De fato, a lista de processos de licenciamento abertos junto ao Ibama já reúne 97 projetos, com capacidade total de 234,2 GW. Só os estudos necessários ao desenvolvimento desse portfólio, portanto, tirariam do papel investimentos na casa de dezenas de bilhões de dólares, ora represados por falta de legislação.
Desistentes
Entre esta quase uma centena de projetos, estão relacionados quatro com participação da CIP, sob o nome da empresa Bosford Participações: os parques offshore Palmas do Mar, de 1,4 GW, no Piauí; Alísios Potiguares, de 1,8 GW, no Rio Grande do Norte; Ventos Fluminenses, de 2,8 GW, no Rio, e Ventos Litorâneos, de 1,2 GW, no Rio Grande do Sul. A previsão de investimento seria de US$ 6 bilhões, capital que agora deve ser alocado em projetos semelhantes nos Estados Unidos, disseram fontes. Procurada, a CIP informou que não comenta rumores de mercado.
A BlueFloat chegou a cadastrar sete projetos, com quase 18 GW de capacidade total, mas não teria começado estudos. Procurada, não respondeu.
Uma fonte do setor que não quis se identificar reconhece a situação delicada das empresas, mas pondera que a legislação tem avançado “no tempo da política”. “Na Dinamarca, a regulamentação das eólicas offshore demorou quase uma década, só que começou bem antes”, resume, indicando que a demora brasileira não é única.
Este texto foi publicado no Broadcast no dia 21/06/24, às 13h46.
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