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Bastidores do mundo dos negócios

Mudanças climáticas tendem a reduzir apostas do varejo em peças de inverno

Na primeira quinzena de maio, as temperaturas chegaram a superar em 8ºC a média histórica

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Foto do author Talita Nascimento
Atualização:
Roupas de frio costumam ter margens mais altas, mas se encalham, terminam em liquidações Foto: Nilton Fukuda/AE - 02/07/2012

Na primeira quinzena de maio, as temperaturas chegaram a superar em 8ºC a média histórica para o mês. Um estudo da empresa de inteligência de dados e consultoria meteorológica Nottus mostra que, apesar de previsões que indicavam um tempo mais quente que a média em decorrência do fenômeno do El Niño, o calor veio mais forte do que o esperado. Essas surpresas estão cada vez mais comuns e, por isso, grandes varejistas já reduzem as apostas em coleções de outono inverno com grandes quantidades de peças para o frio intenso. A mudança é estratégica e mais conservadora, já que roupas de frio costumam ter margens mais altas, mas se encalham, terminam por ser vendidas em liquidação.

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A máxima histórica de Curitiba é de 21ºC, mas nos primeiros 15 dias de maio deste ano, os termômetros chegaram a registrar 29ºC. São Paulo, por sua vez, tem a média histórica de 23ºC. Nesta primeira quinzena do mês, a temperatura bateu em 31ºC. Os dados trazidos pelo sócio-diretor e meteorologista da Nottus, Alexandre Nascimento, mostram a intensidade do calor vivido em uma época decisiva para o varejo de moda: o Dia das Mães.

“Podemos afirmar que o principal gatilho de vendas para roupas de inverno ocorre quando esfria antes do Dia das Mães”, diz Nascimento. De fato, esse costuma ser um marco de sucesso de vendas. Por isso, já na divulgação de resultados do primeiro trimestre de 2024, empresários do setor alertaram que as altas temperaturas poderiam influenciar negativamente. Uma pesquisa do IEMI - Inteligência de Mercado, citada pela Nottus, indica que o período da coleção Outono/Inverno responde por cerca de 41% das vendas do varejo nacional.

Renner alertou para o impacto

O CEO da Lojas Renner, Fabio Faccio, disse a investidores que o calor intenso dos últimos meses deve afetar o crescimento de volume de vendas do segundo trimestre. Além disso, ele avalia que as enchentes do Estado do Rio Grande do Sul devem ter impacto sobre as vendas, que ainda não pode ser quantificado.

Sobre o segundo trimestre de 2024, o CEO da C&A, Paulo Correa, disse em entrevista ao <b>Broadcast</b>, após a última divulgação de resultados, que o clima mais quente do que o normal para essa época do ano afeta a venda de produtos de inverno, mas que ainda não é possível ter noção exata do efeito desse fenômeno no trimestre como um todo. Ele mencionou a frente fria então prevista para a segunda quinzena que, em sua visão, poderia equilibrar as vendas. A frente fria chegou neste final de semana.

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Já o CEO da Guararapes, dona da Riachuelo, Andre Farber, disse que a empresa enfrenta uma pressão de margem em virtude das altas temperaturas. Isso porque as roupas de inverno costumam ter margens mais altas do que as de verão. Assim, sem um inverno realmente frio, essas vendas ficam prejudicadas. Farber também comentou que a frente fria da segunda quinzena de maio melhoraria a situação, além de dizer que a companhia tem outras estratégias de melhoria de resultados em andamento.

Empresas preferem ser mais conservadoras

O fundador da consultoria Varese Retail e especialista em varejo, Alberto Serrentino, explica que a imprevisibilidade climática complica muito a vida do varejo de moda. Ele conta que os ciclos de produção das coleções costumam ser longos e envolvem apostas. Assim, se a empresa planeja uma coleção de inverno com peças mais pesadas e o frio não chega a tempo, as peças não são vendidas naquela estação e tem de ser, ou vendidas em liquidação, ou estocadas para quando as temperaturas finalmente baixarem.

“O que as companhias estão fazendo, basicamente, é encurtar o ciclo de vida do produto. Então, ao invés de ficar trabalhando com grandes coleções em ciclos longos, se trabalha com mini ou micro coleções. Há uma redução de expectativa e ambição em relação ao inverno pesado. Logo, cada vez se aposta menos e se compra menos produto pesado. As empresas estão preferindo ser mais conservadoras [nas apostas do frio] e preferem fazer coleções de inverno mais leves”, diz Serrentino. Para ele, o negócio de moda no mundo inteiro tem se questionado e trabalhado com a perspectiva de haver menos frio e mais instabilidade e incerteza na previsibilidade do clima.

Nascimento, da Nottus, endossa o tema da incerteza. Ele diz que os modelos matemáticos usados para fazer as previsões têm sido aperfeiçoados, mas ainda não dão conta da extremidade das ondas de calor e da intensidade das chuvas motivadas pelas mudanças climáticas. Exemplo disso foi a primeira metade de maio. “Havia previsão de muito mais calor do que o normal. Mas de um esperado de 28 graus, fomos para 32 graus”, explica.

‘Gangorra’ de temperaturas

Daqui até o fim do inverno, que se inicia no dia 21 de junho, a Nottus projeta uma “gangorra de temperaturas”: variações significativas e rápidas nas condições meteorológicas, com oscilações entre calor e frio em curtos períodos. “Provavelmente, o calorão de 30 graus e de forma constante já não exista mais, mas ainda estamos bem longe também do frio duradouro”, avalia Nascimento.

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Ou seja, se depender do clima, as margens altas de peças pesadas de inverno devem demorar a beneficiar os balanços das varejistas de moda.


Este texto foi publicado no Broadcast no dia 27/05/24, às 17h15

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