O Cencosud Brasil, empresa chilena dona de bandeiras de supermercados e atacarejos no País, ensaiou uma oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) no ano passado e desistiu da empreitada. Nas conversas com investidores à época, o grupo dizia que metade dos recursos a serem captados iria para fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês). Mesmo sem realizar a oferta, porém, a companhia comprou o Grupo Giga em maio deste ano, por R$ 500 milhões. Para o presidente do Cencosud Brasil, Sebastian Dario Los, essa é a prova de que a empresa não precisava do IPO para crescer, o que lhe dá condições para fazê-lo em momento mais oportuno.
Depois da compra, Dario Los conta que o telefone continua tocando: "Depois (da compra) do Giga, diria que não estamos buscando (redes para comprar), estamos sendo buscados (para comprar redes). No momento em que você faz uma aquisição e há poucos compradores, não têm de sair a buscar (novos alvos)", afirma. Ele diz que agora a rede deve focar na integração do Giga à companhia, mas deixa claro que namoros com outras redes acontecem.
Em 2022, a companhia espera atingir um crescimento global de dois dígitos em suas receitas, para US$ 15,095 bilhões. Além disso, almeja alcançar um Ebitda Ajustado - que representa os recursos gerados pela empresa com sua atividade principal - recorde de US$ 1,799 bilhão, com margem de 12%. O dinheiro reservado para investimentos (Capex) em 2022 é de US$ 640 milhões. Desse valor, US$ 553 milhões serão para crescimento orgânico, transformações e plano de expansão do ecossistema digital.
No Brasil, o primeiro trimestre de 2022 foi de prejuízo de R$ 87,3 milhões, ante R$ 32 milhões no mesmo período de 2021. Segundo a companhia, a última linha foi influenciada pelo impacto do aumento da taxa de juros nas operações bancárias de antecipação de recebíveis e nas renegociações de prazos com fornecedores, entre outros fatores. No mesmo período, o Ebitda foi de R$ 114 milhões, contra R$ 139,2 milhões um ano antes. A margem Ebitda foi de 5,8% comparado a 7,5% no mesmo período do ano anterior. "Essa redução foi provocada principalmente por aumento nos gastos com energia elétrica, além de provisões para reajustes salariais", informou a empresa em seu balanço.
Apesar disso, Dario Los defende que depois de um processo de reorganização da operação brasileira, a empresa está saudável financeiramente. O caixa líquido estava em R$ 205,2 milhões ao fim de março e, desde 2019, a Cencosud não tinha endividamento com bancos. Tanto que a compra do Giga gerou uma forte competição entre os bancos para assessorar financeiramente o Cencosud.
Veja a seguir os principais pontos da entrevista:
Broadcast: Recentemente houve a aprovação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para a compra do Giga. Essa aquisição foi uma surpresa para o mercado?
Sebastian Dario Los: Quando fizemos nossa estratégia de IPO, dissemos que 50% dos recursos da possível captação iriam para fusões e aquisições. O restante era para crescimento orgânico, investimentos em tecnologia e digital. Falávamos em fusões e aquisições por dois motivos: primeiro pelo contexto do mercado de valores de empresas muito bons; em segundo lugar, enxergávamos que o setor iria se consolidar, visto os movimentos de concorrentes e nossa leitura do mercado futuro, de que iriam aparecer oportunidades a preços suaves. Mas foi uma surpresa porque fizemos de forma direta, sem assessores e, basicamente, porque não queríamos que ninguém soubesse.
Broadcast: Os R$ 500 milhões foram vistos como um bom preço?
Dario Los: Valor de múltiplos bons. Tivemos feedback positivo do mercado, não só pelo múltiplo, mas também pela qualidade da companhia. Apesar de não ter tanta relevância de participação de mercado, é uma empresa com indicadores operacionais muito competitivos. Não é que compramos uma empresa que não estava boa e pagamos barato, entendemos que há 'upside' (oportunidade de valorização) em sinergias com nosso negócio, mas já é uma boa empresa, com indicadores operacionais muito competitivos e que nos dá uma plataforma para o futuro. Uma marca respeitada e bem operada com um valor atrativo e bom retorno no futuro.
Broadcast: A desistência do IPO interfere no plano de fusões e aquisições?
Dario Los: Pouco, já que acabamos de fazer uma grande aquisição. A estratégia de IPO naquele momento era um passo que pensava no longo prazo e aproveitava uma janela de curto prazo. O esforço para preparar a companhia foi baixo, já tínhamos um nível alto de governança. Entendemos que essa janela de tempo nos beneficiaria para acelerar nossos planos estratégicos. Declaramos aos investidores que o IPO não era necessário, ou absolutamente necessário para evoluir. E foi o que aconteceu. Estamos na CVM (Comissão de Valores Mobiliários), mas sem transacionar ações. Fizemos todo o processo e estamos esperando o melhor momento do mercado. Temos espaço para nos financiar, seja por IPO, financiamento local ou corporativo. Do ponto de vista financeiro, temos mais de uma opção.
Broadcast: Há alguma rede específica que interesse a vocês hoje?
Dario Los: Não falamos de potenciais M&As concretos e nem de concorrentes. Hoje nosso foco será integrar o Grupo Giga e temos muitos planos para o resto dos negócios. Quanto a oportunidades de mercado, o Cencosud é um competidor relevante na região e avaliará se algo aparecer. Diria que nosso foco é o que temos e que o Cencosud sempre avalia oportunidades de mercado.
Broadcast: Estão mais focados em adquirir redes locais?
Dario Los: Depois do Giga, eu diria que não estamos buscando, estamos sendo buscados. Vamos colocar foco em nosso plano de expansão, publicamos um guidance de capex muito agressivo. Os M&As são oportunidades que aparecem. Hoje, pelo momento do mercado, diria que nos ligam. No momento em que você faz uma aquisição e há poucos compradores, não têm de sair a buscar (novos alvos). Hoje nosso foco são o Giga, o Cencosud, os estados onde estamos e nos formatos onde estamos
Broadcast: Na América do Sul como um todo, o telefone também está tocando para falar de aquisições?
Dario Los: Certamente o Cencosud tem DNA de aproveitar momentos para aquisições, mas também damos passos com responsabilidade, sem colocar em risco o negócio e a saúde do negócio. Hoje a operação está mais redonda, com mais oportunidades. Sofremos o mesmo que os concorrentes, mas não temos dívida local desde 2019 e estamos financiando crescimento. Temos balanço limpo. Inclusive, quem financiou a operação do Giga foram dois bancos locais, que estão validando nossa tese. Tínhamos oportunidade de fazer com algum banco internacional com relacionamento com o Cencosud, mas houve dois bancos locais, Safra e Bradesco, que brigaram muito para estar no financiamento. Para nós, esse é o indicador positivo de que estão acreditando em nós.
Broadcast: Por que há tanto apetite pelo setor por parte de fundos de investimento e redes de varejo?
Dario Los: O mercado brasileiro é gigante e tem uma penetração grande de informalidade. Além disso, muitas redes locais têm de tomar uma decisão: acelerar a expansão ou vender suas operações. Eu diria que o Brasil vai se consolidar muito nos próximos 5 anos. O contexto macroeconômico vai ter uma recuperação lenta e, quando redes maiores tomam essas decisões (de compra e venda) tornam-se referência para outras. A diferença é que nós somos operadores, e não um fundo de investimentos. Nós, estrategicamente, pensamos no longo prazo.
Broadcast: Como vocês lidam com a competição no Brasil?
Dario Los: Dentro do portfólio da América Latina e dos Estados Unidos, o país mais competitivo é o Brasil, com empresas multinacionais e locais. Dividimos o Brasil em diferentes países e tentamos trabalhar a regionalidade por estados, de uma forma separada. Temos estratégias diferentes por região. Temos uma estratégia de nos aproximar do consumidor e temos nossos diferenciais de tecnologia. O Grupo Cencosud, na America Latina, tem um dos maiores investimentos em tecnologia.
Broadcast: Há preocupações com ciberataques?
Dario Los: Quando me ligam de players regionais, que são fortes e estamos namorando, ou começando um namoro - o que está nas regras do M&A - muitos falam que foram bem-sucedidos até aqui, mas têm algum 'respeito' para a evolução do formato, principalmente na área digital. Eles dizem: 'conseguimos lidar com as multinacionais, com mudanças políticas, mas com os hackers, não sabemos'. Então, essa é uma vantagem competitiva que o Cencosud tem. Claro que podemos ser alvos, mas temos uma robustez de plataforma. Temos trabalhado para deixar a companhia escalável em termos de plataformas.
Broadcast: E como a companhia têm administrado questões de inflação e as negociações com a indústria?
Dario Los: Outra vantagem competitiva que temos, por exemplo, é com fornecedores internacionais. Temos conversas em um nível que, talvez, um competidor regional não consiga. Cerca de 45% de nossa venda está em um grupo muito pequeno de fornecedores multinacionais. São os mesmos que nos fornecem em outros países. E dentro dessas brigas de incremento de preço, há alinhamentos estratégicos. Esse é o primeiro ponto. O segundo está nas marcas próprias. Buscamos qualidade e preço justo na marca própria. Em um momento de inflação, no qual a indústria repassa preços, mantemos um preço competitivo. Adicionalmente, criamos um aplicativo, por onde passam em torno de 55% de nossas vendas no Brasil. Ele dá descontos exclusivos. Com inteligência artificial, é possível equilibrar sua rentabilidade e chegar a um mix de ofertas personalizadas aos clientes. Isso também traz vantagens competitivas.
Broadcast: No segmento de atacarejo, no qual vocês têm focado, há mudanças para atender as pessoas físicas e isso tende a reduzir margens operacionais. Como lidam com isso?
Dario Los: Essa é a grande pergunta do mercado e será interessante ver como isso se dará no futuro. Nós temos um formato 'full-atacarejo', no nordeste, e, no caso da bandeira Bretas, migramos algumas lojas de varejo para atacarejo. Nesse segundo caso, são lojas nas quais mantivemos alguns serviços: um atacarejo híbrido, pois estamos olhando o futuro e para onde está indo o atacarejo. É um formato que está performando muito bem. A dúvida é que, ao colocar muitos serviços no atacarejo, ele começa a se aproximar do que era o hipermercado. Acreditamos que o formato deve manter a sua essência. Esses formatos de migração são mais um 'soft discount'. É um atacarejo, o cliente percebe como um atacarejo, mas não bate a estratégia de um atacarejo 'pure player' (ou puro-sangue). Hoje eu diria que não há um formato de atacarejo, há vários e todos estão explorando alguma avenida.
Esta entrevista foi publicada no Broadcast no dia 04/07/22, às 05h00
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