O pedido de recuperação judicial da Avon Products Inc. (API) nos Estados Unidos, chamado de “Chapter 11″, deve garantir à Natura &Co uma total separação da companhia em relação às dívidas dessa subsidiária. Apesar do receio de alguns analistas de que o processo não seja aceito e que, por consequência, a enxurrada de litígios possa custar caro ao caixa da companhia brasileira, as regras da justiça americana apontam para outro caminho.
Advogados explicam que o Chapter 11 cria uma “separação clara” entre uma empresa e sua subsidiária, especialmente dos problemas financeiros de sua controlada. Por isso, os quase 400 processos que a Avon Products Inc. tem nos Estados Unidos, que acusam o talco da empresa de causar câncer, terão que ser resolvidos pela própria companhia. A audiência para ouvir todas as partes do caso e definir os rumos do pedido foi marcada para o dia 15 de outubro.
O CFO da Natura &Co, Guilherme Castellan, afirmou após a divulgação de resultados do segundo trimestre da companhia que, no momento de compra de todas as operações da Avon (anunciada em 2019 e concluída em 2020) a API tinha apenas custos de advogados ligados a essas questões na justiça e que eles não eram representativos. Segundo ele, ao longo dos anos casos similares avançaram na Justiça e, portanto, essa contingência cresceu. No momento da compra, aliás, a API já não era a dona da operação da marca Avon nos Estados Unidos. Esta havia sido vendida para foi vendida à sul-coreana LG Household & Health em março de 2019.
O sócio do Costa e Tavares Paes Advogados, Antonio Tavares Paes, diz que em processos de Chapter 11, todos os débitos que já existiam antes da concessão da proteção contra credores pela justiça americana ficam protegidos, ao contrário do Brasil, onde pode haver uma confusão. Ou seja, os processos citados pela API no pedido têm possíveis condenações contempladas no plano de recuperação. “Essa é a grande beleza de se fazer isso nos Estados Unidos. Porque lá existe um respeito muito grande com relação à separação de empresas, de ativos de empresas”, afirma o advogado.
Natura é a maior credora
A Natura tem 98% da API e é sua principal credora, com US$ 1,3 bilhão em empréstimos. Até aí o efeito do não pagamento da dívida pela subsidiária seria apenas contábil para a companhia. Isso porque a Natura refinanciou débitos da API por meio de debêntures que já estão reportadas no passivo da brasileira. No caso de um calote da devedora, portanto, só haveria uma baixa contábil.
O problema é que, no pedido do Chapter 11, a API cita processos em andamento na Justiça que, além de terem uma manutenção cara, podem vir a somar um passivo maior do que os US$ 1,3 bilhão que a empresa tem hoje. Por isso, a companhia reportou à Justiça americana que os débitos podem somar de US$ 1 bilhão a US$ 10 bilhões.
Um advogado americano, não envolvido no processo, lembra que na lei dos EUA, uma empresa não é responsável pelos atos de suas subsidiárias, que são entidades legais separadas e, portanto, o passivo com os litígios ficariam com a Avon. E a situação da API estava ficando cada vez mais crítica nos dias que antecederam o pedido de proteção judicial.
Caixa em queda
O diretor e tesoureiro da Avon, Philip Gund, afirma em um documento enviado à Corte que a empresa já gastou US$ 225 milhões nesses litígios do talco e ainda tem vários outros para lidar. Nas últimas semanas, ele conta que a situação de caixa da empresa se agravou ainda mais, após dois processos desfavoráveis. Em um dos casos recentes, um ex-funcionário da Avon em Chicago recebeu no final de julho uma indenização de US$ 24,4 milhões, alegando ter desenvolvido um câncer por ficar exposto ao amianto na linha de fabricação do produto nos anos 80.
A API chegou a ficar com apenas US$ 2,8 milhões em caixa no dia que fez o pedido de proteção, em 12 de agosto. O diretor da Avon cita que grande parte dos processos, muitos deles que os advogados da Avon consideram “sem mérito”, não é coberta por seguros, o que dificulta ainda mais a situação financeira da companhia. Ele ressalta que a empresa de cosméticos já estava sob pressão nos últimos anos, por causa da pandemia e do aumento dos preços das matérias primas, agravado em seguida pela guerra na Ucrânia. “A empresa experimentou nos últimos anos uma significativa queda nas receitas e um aumento das restrições de liquidez”, diz Gund.
Para fazer frente a necessidades imediatas de recursos, inclusive para pagamento de salários, o juiz responsável pelo caso autorizou na semana passada a Avon a tomar US$ 12 milhões de uma linha de US$ 43 milhões da Natura, em um empréstimo na modalidade DIP, específico para empresas em recuperação judicial. Além disso, a própria Natura fará uma oferta de US$ 125 milhões para seguir com as operações da holding americana fora dos EUA (Europa, Ásia e África), por meio de um processo de leilão supervisionado pela corte judicial. Pela lei americana, esses recursos levantados no processo serão usados para pagar os débitos da API.
Johnson & Johnson
O caso da Avon tem sido frequentemente comparado ao da Johnson & Johnson, que anunciou o fim da fabricação de talco para bebês após ter de enfrentar mais de 61 mil processos nos EUA alegando que o produto causa câncer. Em julho, a J&J teve seu terceiro pedido de falência negado, após propor pagar US$ 6,5 bilhões para encerrar esses processos.
Em razão da J&J não conseguir ter um desfecho para a história até agora, analistas questionaram a Natura &Co na última teleconferência a respeito dos planos no caso do processo do Chapter 11 ser negado. O CFO Guilherme Castellan afirmou que o caso na Avon não é tão complexo.
Um advogado ouvido pela reportagem lembra que, no caso do talco Johnson, a empresa fez separações dos negócios após o avanço dos casos na Justiça, enquanto a API já é uma holding sem operações há mais tempo, o que deve facilitar o processo. “A empresa já é uma empresa ‘de casca’ lá fora”, disse.
O sócio do escritório Pimentel Aniceto Advogados, Fabio PImentel, explica que processos de falência ou de Chapter 11 dependem de laudos contábeis. Assim, se a dificuldade financeira da API ficar provada no pedido, ele deve ser aceito. Já no caso do pedido de falência da J&J, a justificativa da Justiça Americana foi de que a empresa não apresenta as condições financeiras elegíveis para o processo.
Este texto foi publicado no Broadcast no dia 20/08/2024, às 16h49.
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