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Bastidores do mundo dos negócios

Nearshoring traz oportunidades, mas não bastam acordos e subsídios, diz CEO da Tupy

Para Fernando de Rizzo, investimento em pesquisa e desenvolvimento é o que fará diferença ao País

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Foto do author Cristiane Barbieri
Atualização:
CEO da fabricante de peças diz que o Brasil tem uma oportunidade "espetacular" com o nearshoring porque tem energia limpa, matéria prima e mão de obra qualificada Foto: Tupy

Fabricante de peças para a indústria de bens de capital, a Tupy tem reposicionado seus negócios para se acomodar à recente movimentação das placas tectônicas do comércio internacional. Com quase 80% de seu faturamento proveniente de exportações, a empresa tem vivido de perto mudanças como o nearshoring, o novo Nafta e a Lei de Combate à Inflação dos Estados Unidos, que têm colocado caminhões de dinheiro para trazer para perto a fabricação de itens consumidos em seu mercado interno, bem como produtos mais verdes. Na Europa, a transformação também tem sido na linha de promover demanda atrelada à sustentabilidade.

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Assim, a Tupy espera que suas fábricas mexicanas, que atendem a indústrias de máquinas de construção, agrícolas e de mineração nos EUA, gerem receita extra de R$ 650 milhões naquele país, a partir de 2025. “Não estamos tirando qualquer investimento do Brasil e levando para o México: na verdade, estamos ganhando novos projetos, hoje fabricados por outras empresas na Ásia e Europa”, diz Fernando de Rizzo, CEO da Tupy. “Se tenho opção, forneço produtos do Brasil, que são mais competitivos nos EUA.”

Para ele, o País tem uma oportunidade “espetacular” com o nearshoring porque abriga os fatores essenciais à competitividade da indústria: energia limpa, matéria prima e mão de obra qualificada por escolas técnicas e o Senai. É algo que não se encontra no México, por exemplo.

Ele diz também que apesar de acordos comerciais serem importantes, do ponto de vista de política pública, o que fará diferença para a indústria brasileira nessa competição é o investimento em estruturas de pesquisa e desenvolvimento nacionais. “Asiáticos e europeus também se instalam nos EUA”, diz ele. “Não basta estar lá para atender ao mercado norte-americano: é preciso continuar na fronteira tecnológica do produto.”

Com essa e outras estratégias, a Tupy viu sua receita líquida passar de R$ 5,2 bilhões em 2019, na pré-pandemia, para R$ 10,2 bilhões em 2022. O lucro líquido de R$ 502 milhões no ano passado foi o maior de sua história. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Broadcast:

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Como a Tupy tem aproveitado o nearshoring, o energyshoring (exportação de produtos feitos com energia limpa) e a Lei de Combate à Inflação nos EUA?

São vários efeitos combinados. Temos nos beneficiado do movimento do novo Nafta, com nossos clientes determinando as regras de localização da produção. No nosso caso, estamos na cadeia de fabricação de bens de capital, como máquinas de construção, agrícolas, de mineração, caminhões e picapes. Equipamentos grandes, que servem para investimentos dos negócios. Atendemos a esses clientes no mundo inteiro. Os que importavam produtos de outras regiões terão a obrigação de comprar da América do Norte. Em paralelo, estamos vendo um movimento muito forte de investimentos no México de indústrias que pertencem a grandes cadeias globais. O nearshoring e o powershoring têm efeito parecido porque essas indústrias, que tinham cadeias internacionais distribuídas, passaram a procurar produtores mais próximos e tentar evitar problemas como os que tiveram na pandemia. O inflation reduction act (IRA, a lei de combate à inflação norte-americana) trabalha na direção de incentivar a produção de itens mais verdes. São todos movimentos simultâneos que direcionam o investimento global para lá. Até pouco antes da pandemia, indústrias como as de bateria, por exemplo, estavam se formando na Ásia.

Nesse cenário, a estratégia de investimento da Tupy mudou?

Estamos direcionando para o México os produtos que vão ter de ser fabricados lá, por conta do novo Nafta. Não estou tirando nada do Brasil. Estou ganhando novos projetos que hoje são fabricados na Ásia e na Europa e que precisarão ser fabricados no futuro na região. Nossos produtos têm ciclo longo, leva pelo menos dois anos para colocá-los em produção. Temos um projeto no México que vai gerar R$ 650 milhões adicionais de vendas a partir de 2025. É 5% do faturamento da companhia hoje. Assim, para os próximos cinco anos, nosso planejamento de negócios se dá com uma alocação de produtos mais eficientes para a companhia, respeitando essas regulamentações. Porém, se tenho opção, forneço produtos do Brasil, onde sou mais competitivo para os EUA.

Por quê?

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Somos uma empresa com bastante experiência no Brasil e no México. O que a gente identifica é que o Brasil pode ser mais competitivo em relação à disponibilidade de matérias primas e à qualificação de mão de obra, por exemplo. Temos no Brasil a estrutura das escolas técnicas e do Senai, que é um grande apoio à indústria e sem paralelo (no México) para a formação de gente em metalurgia e mecânica. Quando eu bato uma fotografia de Brasil e de México, sempre insisto que o Brasil é mais competitivo. Evidentemente que se tivéssemos uma escola elementar melhor, receberíamos gente mais bem preparada como outros países que têm essa realidade. Mas temos os itens essenciais à competitividade da indústria: acesso a recursos, energia limpa e mão de obra, com mecanismos para treiná-los.

Ou seja, há oportunidades à vista para o País?

O Brasil tem uma oportunidade espetacular com o nearshoring porque somos competitivos e temos acesso à energia. O nosso produto exportado tende a ter mais valor no modelo de energy shoring porque ele tem baixo carbono, graças às várias fontes de energia limpa. Estamos discutindo projetos para a Europa de fabricação no Brasil, onde tenho o custo de energia menor, para clientes que têm de compensar o frete e buscam uma pegada de carbono menor.

É preciso ter algum tipo de política pública para aproveitar melhor essas vantagens?

Ter acordos comerciais é muito bom - o México tem mais acordos que o Brasil que geram uma facilidade para as empresas locais - mas nem isso, nem benefícios fiscais, são essenciais. O auxílio que as empresas têm de ter é que possam contar com estruturas para fazer mais pesquisa e desenvolvimento (P&D), que tem risco e às vezes é muito caro para as companhias. Em outros países nos quais a indústria se desenvolveu muito, como Coreia, Alemanha, EUA, houve apoio para que houvesse P&D e que as empresas pudessem construir essa condição competitiva diferenciada. Porém, não é ciclo de um ano, mas de décadas.

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Como funciona isso, na prática?

A sede Tupy está em Joinville, por exemplo, um lugar que não é típico para uma empresa de transformação. Dependemos de recursos minerais e de energia, que não existem originalmente nesta região. Muita de nossa matéria prima vem de Minas e São Paulo de caminhão, o que é caro. Quando olho para empresas do meu setor no mundo, elas às vezes estão instaladas em regiões melhores, mas conseguimos ser competitivos porque temos um produto com tecnologia diferenciada e encontramos um nicho de mercado específico, para o qual fazemos constantes melhorias de produtos. O investimento em pesquisa significa continuar construindo o que sustenta nosso futuro. Precisamos colocar mais recursos em P&D e existe uma vontade grande do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) de fazer isso.

O desenvolvimento de pesquisas na Tupy é feito com essas parcerias?

As pesquisas são sempre feitas em parcerias abertas, com universidades e institutos de pesquisa. Temos muita coisa com o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), a Escola Politécnica da USP, o Instituto Senai de Tecnologia, a Embrapa, alguns amparados pelo Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). Temos vários trabalhos nessa direção. Temos um projeto com hidrogênio no qual trabalhamos com um instituto na Áustria e também com institutos no Brasil para desenvolver materiais apropriados para o uso de hidrogênio. Não é simples lidar com os novos combustíveis que provavelmente serão comuns na nossa vida futura. Temos de desenvolver agora tecnologias específicas para isso.

Em quais linhas são dadas prioridade de desenvolvimento?

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Temos muita clareza dos desafios - em transporte de carga, produção agrícola e infraestrutura - e desdobramos a tecnologia apropriada e como fazer esse trabalho de forma competitiva. Por exemplo, a noção de eletrificar tudo não é simples. Não vou fazer rede de esgoto no Brasil com máquinas elétricas, por exemplo. Vou ter de ter máquinas que usam combustíveis limpos, mas tenho de fazer isso rápido.

Como?

A Tupy adquiriu, por exemplo, a MWM, que fabrica motores marítimos. Não são motores de navio, mas de barcos de pesca, balsa, barcos de trabalho, que vão andar pela bacia amazônica. O Brasil não tem fábrica de motores para isso e queremos avançar nessa linha. Temos de ser mais competitivos que os importados porque é um mercado muito grande. Nossas máquinas agrícolas, por outro lado, vão ter de andar com biocombustíveis locais - e colocamos toda uma linha de pesquisa focada em descarbonização, nos biocombustíveis disponíveis. Temos usina de biometano, um resíduo jogado para a atmosfera na produção de carnes. Se eu capturasse esse metano, eu substituiria 70% do diesel que a gente usa. São frentes muito importantes nas quais estamos investindo.

Isso traz vantagens também no novo cenário de comércio internacional?

Claro. Asiáticos e europeus também se instalam no México para atender as empresas dos EUA. Não basta estar lá: tenho de continuar na fronteira tecnológica do produto. É claro que preciso ter condição paralela a meus concorrentes internacionais. Não posso pagar mais impostos nem exportá-los, por exemplo. Para isso, a reforma tributária vai ajudar. Estamos na base da cadeia produtiva - o que é a cara do Brasil. O País exporta basicamente minerais e commodities. Quando se começa a agregar valor a qualquer produto, a regra tributária brasileira impõe a acumulação de impostos, o que torna as indústrias pouco competitivas. A reforma tributária vai me tornar mais competitivo para exportar itens mais elaborados. Foi nossa noção quando anunciamos a aquisição da MWM. A Tupy exporta a base da maior parte de motores diesel do Ocidente. Eu queria exportar o motor e não o bloco de motor. Posso exportar um produto que pode valer de 10 a 20 vezes mais, se eu beneficiar esse produto no Brasil. A gente sabe fazer isso aqui, só precisamos ter paralelismo tributário coerente e investir em tecnologia para ser mais eficiente.

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Mas acordos ajudariam?

Tenho receio quando alocamos toda a culpa no governo e na falta de acordos comerciais. Tudo isso ajudaria, mas o que realmente muda e nos torna competitivos globalmente é nossa capacidade de desenvolver tecnologia. Não basta ter acordos, não basta ter isenção ou colocar recursos públicos porque não dá para investir em algo que depende de subsídio. A ideia de exportar é um aprendizado de competição que nos obriga a fazer lição de casa todo dia. Tenho de baixar custos e ser melhor. Não é só com negociações com fornecedor, com material e pedindo ajuda para o governo. Tenho de fazer de forma melhor, de maneira mais eficiente, com tecnologias melhores, o que cria um ciclo muito favorável de construção de uma empresa e de um negócio. Estamos fazendo mais no Brasil disso hoje, com Embrapi, Finep, Fundo Nacional de Desenvolvimento Tecnológico que voltou. Cerca de 80% do que eu produzo é para fora e trago dinheiro, pago imposto, fornecedor, salários dos funcionários. É dinheiro novo entrando no Brasil e são exemplos de empresas que trazem benefícios extraordinários para o País. No longo prazo, vai ser a grande sacada.

Recentemente, o governo indicou dois ministros para o conselho da Tupy. Isso atrapalha?

A companhia é controlada pelos acionistas desde 1995 e eles contribuíram para o crescimento e podem nos ajudar a compreender melhor as oportunidades.

Tê-los no conselho ajuda a explicar ao governo as oportunidades do novo momento de comércio internacional?

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A companhia tem interlocução com as entidades setoriais que são de interesse. É esse o caminho que usamos para levar nossas demandas ao governo.



Esta nota foi publicada no Broadcast no dia 18/09/23, às 11h17.

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