Durante mais de um século, as pessoas fizeram previsões de que a tecnologia tornaria obsoletas as viagens de negócios. Em 1889, Jules Verne imaginou que o "fonotelefoto", ou "a transmissão de imagens por meio de espelhos sensíveis, conectados por fios elétricos", substituiria as reuniões ultramarinas. No século 21, a comunicação entre lugares geograficamente remotos não é mais coisa de ficção científica. Apesar disso, os "executivos-viajantes", longe de terem guardado as malas, engavetado os passaportes e se pendurado no Skype, acumulam mais milhas do que nunca. Segundo relatório da Global Business Travel Association (GBTA), este ano as empresas gastarão, em todo o mundo, o valor recorde de US$ 1,25 trilhão com as viagens a trabalho de seus funcionários. Isso é, em larga medida, reflexo do aumento do otimismo em relação ao desempenho da economia. No período de vacas magras que se seguiu à crise financeira global, suspender as incursões pelo exterior foi uma forma ágil de cortar custos. Como agora as empresas querem crescer, estão mandando seus exércitos de executivos-viajantes à caça de novos negócios.
Levantamento recente do banco Morgan Stanley mostra que 63% das companhias americanas aumentaram seus orçamentos de viagens em 2015. Proporção similar informa que pretende aumentar ainda mais esses gastos no ano que vem. Outro levantamento, realizado pela publicação Business Travel News, revela que as consultorias empresariais e as fabricantes de máquinas e equipamentos de alto custo continuam a ser as que mais gastam com viagens entre as empresas americanas. E, segundo cálculos da GBTA, em breve os orçamentos de viagens de empresas e outras organizações chinesas superarão, coletivamente, os das companhias americanas. As organizações ainda dão muito valor às conversas cara a cara. Kathryn Bell, do Boston Consulting Group, diz que, embora nem sempre os clientes façam questão de se encontrar pessoalmente com os consultores do grupo, quando o trabalho consiste em elaborar um plano para a implementação de melhorias operacionais numa planta industrial, por exemplo, não há como deixar de visitar o local. Isabelle Bajeux, diretora da Desautels, uma escola de administração de empresas canadense, diz que boa parte de seu trabalho é vasculhar o mundo à procura de indivíduos ou empresas dispostos a doar recursos para a instituição: "Quando você vai pedir dinheiro a alguém, é melhor fazê-lo pessoalmente", comenta ela. Algumas empresas também usam as viagens ao exterior como maneira de premiar o desempenho dos funcionários. Talvez houvesse mais assentos vagos na classe executiva dos aviões se a distância entre o que se prometia em termos de experiência comunicativa e a realidade das teleconferências não fosse tão grande. Muitos dos que enfrentam os percalços de uma chamada de vídeo devem se perguntar se, como no fonotelefoto de Verne, a conversa não estaria sendo transmitida por espelhos remotos. A Sony é uma das líderes em tecnologia de presença virtual, diz o ex-executivo da empresa, Chris Bowen (atualmente na agência de viagens Carlson Wagonlit), mas se seus concorrentes e clientes em potencial estiverem reunidos numa conferência do outro lado do mundo, não será por meio de um holograma que o conglomerado japonês marcará presença. Mesmo com orçamentos mais polpudos, os departamentos de viagens corporativas continuam tentando economizar. Nos últimos dois anos, segundo levantamento da Association of Corporate Travel Executives (ACTE), as empresas têm sido mais avarentas quando seus funcionários solicitam upgrades em voos ou acomodações. Além disso, adotaram práticas mais rígidas, determinando que todas as viagens passem pelos seus sistemas centralizados de reservas. Mas há uma maneira de reduzir custos que, embora óbvia, permanece inexplorada: as soluções de "economia compartilhada". De acordo com a ACTE, mais da metade das empresas exclui acomodações alternativas, como as oferecidas pelo Airbnb, sob a justificativa, na maioria dos casos, de terem a "obrigação legal de zelar pela segurança e bem-estar" dos funcionários. Carol Neil, gerente de viagens do Nomura Securities, diz que o banco avalia todos os fornecedores de serviços de viagens antes de permitir que seus funcionários os utilizem, e, até o momento, por causa do quesito segurança, nenhuma empresa de economia compartilhada foi aprovada. De fato, nos hotéis os quartos são padronizados, levando em conta a preocupação com a segurança dos hóspedes, ao passo que, nas residências oferecidas pelos usuários do Airbnb, pode haver riscos imprevisíveis. E quanto aos próprios executivos-viajantes? Agora que as empresas esperam que eles intensifiquem suas perambulações, mas não se dispõem a oferecer tantas regalias, a vida em trânsito ficou mais penosa. Os procedimentos de segurança em vigor nos aeroportos - maior queixa dos executivos que viajam muito - consomem tempo e paciência; e com o aumento no número de companhias aéreas que oferecem conexões de internet durante o voo, a chance de passar algumas horas fora do alcance de e-mails e outros tipos de solicitações é cada vez mais rara. Apesar disso, a maioria dos executivos diz gostar de viver com o pé na estrada. Segundo a GBTA, aproximadamente a metade deles está feliz com o volume de viagens que faz. E mais de um terço diz que gostaria de viajar mais. Talvez a rotina no escritório também tenha ficado mais estafante. Um executivo de uma grande consultoria, que costuma fazer cerca de 20 viagens por ano, diz que o ambiente de trabalho nas empresas modernas tornou-se tão desgastante - "ter de tocar o negócio em salas sem divisórias, suportar elevados níveis de expectativa e estar sempre tendo de motivar as pessoas para que elas pelo menos não se sintam tentadas a aceitar outras ofertas de emprego" -, que ele aproveita as viagens para espairecer um pouco. © 2015 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.
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