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Com política do ‘gasto é vida’, Brasil segue trilha que levou à derrocada da Grécia

Como a Grécia antes da crise, governo Lula quer que Brasil leve vida de país rico sendo um país de renda média e distribui benesses para todo mundo, sem ter lastro no Orçamento para fazê-lo

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Foto do author José Fucs
Atualização:

À primeira vista, parece que os acontecimentos que quase levaram a Grécia à bancarrota após a crise global de 2008 têm pouco ou nada a ver com o Brasil de hoje. Mas, quando se analisa a questão mais a fundo, o que se observa é que, guardadas as devidas proporções, o caminho trilhado hoje na economia pelo Brasil, especialmente no capítulo das contas públicas, tem mais semelhanças com o da Grécia daqueles tempos do que se poderia imaginar.

É certo que o rombo fiscal do País está longe dos níveis de déficit alcançados pela Grécia na década passada, de 10,2% do PIB (Produto Interno Bruto), excluindo o pagamento de juros. A dívida publica brasileira também está distante do patamar atingido pela Grécia em 2009, no início da crise, de 127% do PIB (Produto Interno Bruto). Tampouco há o risco iminente de o Brasil dar um calote nos investidores que financiam o buraco nas contas públicas, como era o caso da Grécia.

O presidente Lula se diverte, mas as contas do País estão no vermelho e a dívida pública está empinando, por causa da gastança sem lastro do governo Foto: Wilton Junior / Estadão

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Agora, mesmo levando em conta as devidas ressalvas, a política do “gasto é vida”, praticada em governos anteriores do PT e resgatada na atual gestão pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é a mesma, em menor escala, que estava na raiz dos problemas que deixaram a Grécia à beira do abismo, sem crédito na praça e tendo de viver com privações por anos a fio para sair do buraco (leia a reportagem sobre as lições da queda e da ascensão da Grécia para o Brasil).

Como a Grécia antes da crise, o governo Lula está gastando muito mais do que arrecada, tingindo as contas públicas de vermelho e engordando a dívida pública. Com o agravante de que, sob Lula 3, o governo não apenas gasta demais, como parece fazê-lo por convicção, sem qualquer remorso, ancorado na crença de que um suposto crescimento futuro, que ninguém pode garantir que ocorrerá, irá diluir o peso relativo dos gastos no PIB.

“O passado recente mostra que gastar mais não significa que a economia vai crescer mais. Até estimula o consumo no curto prazo, mas traz de volta a incerteza sobre a trajetória da dívida pública e desancora as expectativas de inflação, o que acaba levando ao aumento dos juros e à redução dos investimentos privados”, diz Rafaela Vitoria, economista-chefe do banco Inter, do empresário Rubens Menin. “ Hoje, os preços dos ativos no mercado estão praticamente antecipando uma crise que podemos ter se os gastos continuarem a crescer sem controle.”

Também como a Grécia lá atrás, o governo Lula toca o governo como se Brasil fosse um país rico, embora seja um país de renda média. Tenta agradar todo mundo sem ter lastro no Orçamento para fazê-lo. Concede aumentos acima da inflação para os benefícios sociais e para o salário mínimo, que corrige boa parte das aposentadorias, e turbina os ganhos dos servidores, cujos salários já são bem maiores do que os dos trabalhadores do setor privado.

Além disso, promove o inchaço do setor público, com a contratação de milhares de novos funcionários para a administração direta e as estatais, exatamente como ocorria na Grécia pré-crise, e busca ampliar os investimentos públicos com recursos que correm por fora do Orçamento.

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De acordo com dados da Secretaria do Tesouro Nacional, só no ano passado as despesas com o pagamento de benefícios sociais tiveram um aumento real (acima da inflação) de 12,4%. No primeiro trimestre de 2024, subiram mais 11%. Com o aumento real do salário mínimo, o déficit na Previdência também subiu, de 2,6% para 2,8% do PIB, conforme dados do Banco Central (BC). Em 2025, conforme estimativa da consultoria Tendências, publicada recentemente pelo Estadão, é de que o aumento real do mínimo terá um impacto adicional de cerca de R$ 16 bilhões nos gastos.

Neste ano, o governo diz que não haverá reajuste para o funcionalismo, mas em 2023 o aumento chegou a 9%, bem acima da inflação, contribuindo para deteriorar ainda mais as contas públicas. Segundo os números do Tesouro, os gastos com o funcionalismo cresceram 2,8%, em termos reais, no ano passado.

Ao mesmo tempo, de acordo com um levantamento realizado pelo Instituto Teotônio Vilela, ligado ao PSDB, o número de funcionários públicos voltou a subir no primeiro ano do governo Lula, depois de seis anos de queda, com a contratação de 6,8 mil novos servidores pelo governo federal, o equivalente a 1,2% do total de 570 mil servidores em atividade.

O governo alega que os salários do funcionalismo estavam “defasados”, depois de serem congelados por dois anos na pandemia (2020 e 2021) e ficarem sem correção também em 2022. Diz ainda que despesa com programa social “não é gasto, é investimento”. E defende a ideia de que investimento público também “não é gasto”. Só que, no fim, apesar da narrativa propagada por Lula, tudo sai do caixa do Tesouro, levando a um aumento do déficit fiscal e ao crescimento da dívida pública.

Cenário cinzento

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No ano passado, os gastos só foram menores do que os realizados em 2020, no auge da pandemia, e ficaram no mesmo nível dos registrados em 2016, quando o Brasil vivia sua maior recessão em todos os tempos, aumentando o peso relativo das despesas no PIB, e do que os de 2008, no início da crise global.

Com isso, o déficit primário do governo central (Tesouro, Previdência e BC) alcançou 2,4% do PIB, o equivalente a R$ 264,5 bilhões, enquanto o déficit nominal, que inclui o gasto com o pagamento de juros, chegou a 8,1% do PIB, roçando os R$ 900 bilhões. Só os juros da dívida, segundo o BC, consumiram R$ 614,5 bilhões.

A dívida bruta, pelos critérios adotados pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), que inclui na conta os títulos do Tesouro detidos pelo BC, passou de 83,9% do PIB em 2022 para 84,7% do PIB no ano passado. A tendência, de acordo com o FMI, é que a dívida continue a aumentar, para 86,7 do PIB no fim de 2024, 89,3% em 2025 e 90,6% m 2026, último ano do governo Lula, aproximando-se do nível atingido na pandemia (veja os gráficos).

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Neste cenário cinzento, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, até conseguiu aprovar o novo arcabouço fiscal para substituir o teto de gastos, que, apesar de tão criticado por Lula e pelo PT, levou o País a ter maior controle sobre suas despesas, depois de anos de crescimento contínuo, ao determinar que os gastos de um ano teriam de ficar, no máximo, no mesmo patamar do ano anterior, corrigido pela inflação.

O problema é que o novo arcabouço depende do crescimento futuro da economia e do aumento da arrecadação, para que as despesas não cresçam mais do que o previsto em relação ao PIB e para que as metas fiscais sejam cumpridas. Só que, como os gastos estão subindo demais, enquanto as receitas estão ficando abaixo das projeções, as metas fiscais definidas no novo arcabouço para 2024 e para os próximos anos já foram para o ralo, colocando em xeque a capacidade de o atual governo conseguir cumprir qualquer meta que estabeleça para as contas públicas.

Haddad fez um esforço descomunal para tentar cobrir a gastança com aumento de impostos de todos os gêneros, elevando ainda mais a carga tributária do País, de cerca de 35% do PIB, que já é considerada uma das mais altas entre os países emergentes. Também adotou a filosofia do “na dúvida, pró-Fisco”, nos julgamentos de questões tributárias feitos no âmbito do Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais). Mas, como se viu, nem assim a receita foi suficiente para cobrir o excesso de gastos.

Em 2023, conforme números oficiais, a receita líquida, excluídas as transferências aos demais entes da Federação, ficou em 17,5% do PIB, mesmo com crescimento de 2,9% do PIB, enquanto as despesas totais do governo central, sem incluir o pagamento de juros da dívida pública, alcançaram 19,9% do PIB. Além disso, a percepção de muitos analistas é de que há pouco espaço agora para novas maldades na área tributária, deixando evidente que será difícil colocar as finanças públicas em ordem sem controlar as despesas.

“Por ora, a bicicleta está girando, mas temos um encontro marcado com um problema fiscal grave, especialmente considerando que as despesas que estão crescendo são todas de natureza permanente”, afirma Pedro Jobim, economista-chefe da Legacy Capital, uma gestora de recursos de São Paulo. “O arcabouço fiscal pode funcionar quando o País está crescendo. Mas, quando o ciclo virar, a receita vai cair e a despesa vai ficar. Aí, a relação divida/PIB dará outro pulo, como o que se seguiu à recessão de 2015 e 2016.”

Fazer o ajuste quando se está no meio de uma crise tem um custo muito mais alto do que quando se faz um ajuste gradual

Rafaela Vitoria, economista-chefe do banco Inter

Até dá para entender que o governo queira aumentar os gastos sociais, para melhorar a vida dos mais pobres, embora seja bem mais difícil justificar o crescimento do efetivo do funcionalismo e a concessão de aumentos reais para os servidores, que, independentemente da atividade que exerçam, já ganham salários bem superiores à média do País.

A questão, porém, não é discutir se é justo ou não é justo aumentar os gastos com aposentadorias, benefícios sociais e com o salário mínimo, mas de saber o que cabe e o que não cabe no Orçamento e tentar criar espaço para poder implementar as políticas desejadas, independentemente da avaliação que se faça sobre cada uma delas, sem gerar déficits fiscais e turbinar a dívida pública.

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Só que, como no caso da Grécia antes de sua derrocada, o governo Lula ainda resiste ao corte de gastos e à ideia de que, para aumentar as despesas numa área é preciso reduzi-los em outra. Até hoje não se encontrou uma fórmula que permita o atendimento de todas as demandas e necessidades ao mesmo tempo, sem levar à deterioração das finanças públicas.

Apesar de a situação fiscal do País ainda ser administrável, empurrar o problema com a barriga vai tornar o ajuste que vier depois bem mais dolorido. O caso da Grécia ainda está vivo na memória para mostrar o custo dramático que o descontrole fiscal pode impor às pessoas e às empresas.

“Como mostra o caso da Grécia, deixar para fazer o ajuste quando se está no meio de uma crise tem um custo muito mais alto do que quando se faz um ajuste gradual, como o que o Brasil vinha fazendo desde 2016”, afirma Rafaela Vitoria. “Com o teto de gastos, o Brasil voltou a ter superávit fiscal apenas limitando o crescimento das despesas, sem a necessidade de realizar cortes. Com isso, a confiança do investidor voltou e os juros caíram, estimulando o investimento privado e o crescimento econômico.”

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