Setor de combustíveis teme volta da Sunab, órgão que tabelava preços extinto em 1997

Preocupação de Silveira com o repasse integral de descontos em refinarias da Petrobras ao varejo assustou o setor; governo diz, no entanto, que objetivo é monitorar o segmento

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Foto do author Marlla Sabino
Atualização:

RIO DE JANEIRO e BRASÍLIA - O anúncio da criação de um novo órgão de monitoramento do setor de combustíveis foi encarada de forma positiva por empresas e especialistas, mas as declarações recentes do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que remetem a controle de preços, fizeram todos dar um passo atrás nas expectativas. A avaliação de representantes do setor, ouvidos pelo Estadão/Broadcast, é de que será preciso aguardar o projeto de lei que o Ministério de Minas e Energia (MME) prometeu encaminhar ao Congresso Nacional até o fim do ano para se ter um diagnóstico preciso dos planos do governo.

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Segundo executivo de uma distribuidora de grande porte, a ideia de um “Operador Nacional de Combustíveis” nos moldes do atual Operador Nacional do Sistema Elétrico, não é uma novidade e já vinha sendo articulado há algum tempo, com participação do Ministério da Fazenda. A função principal do órgão seria monitorar movimentações físicas e financeiras, a fim de ampliar a fiscalização sobre fraudes tributárias e operacionais, e subsidiar autoridades a respeito do abastecimento nacional.

Apesar disso, a reiterada preocupação de Silveira com o repasse integral de descontos em refinarias da Petrobras ao varejo assustou o setor. O ministro voltou ao tema sem rodeios durante o anúncio do novo órgão, em Belo Horizonte, no início da semana. Um dos temores é que a estrutura seja semelhante à antiga Superintendência Nacional de Abastecimento (Sunab), extinta em 1997. O órgão foi criado ainda em 1962, no governo João Goulart, com a finalidade de intervir no mercado via tabelamento de preços e controle de estoques.

Falas de ministro Alexandre Silveira sobre repasse de preços fizeram setor ficar temeroso  Foto: EVARISTO SA / AFP

Conforme mostrou o Estadão/Broadcast, coube ao secretário de petróleo e gás do MME, Pietro Mendes, explicar ao setor que a intenção do governo é levantar informações e dados para combater condutas ilícitas, como fraudes no conteúdo dos combustíveis e sonegação fiscal, além da criação de uma espécie de sala de controle em tempo real para o governo sobre a situação do abastecimento nas quatro regiões do País. Participaram do encontro, representantes de entidades e empresas, entre as quais as três grandes distribuidoras do País: Vibra, Raizen e Ipiranga.

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O apoio do setor privado, sobretudo das grandes empresas, foi formalizado pelo endosso do Instituto Combustível Legal (ICL), que tem como associadas as três maiores distribuidoras, além de Petrobras, Braskem e Ale. O presidente da entidade, Emerson Kapaz, disse ter saído “satisfeito” da reunião com o MME e aposta no desenvolvimento de uma “central de monitoramento e observatório” de combustíveis para combater irregularidades e fomentar a “concorrência leal” no setor.

Diretor da consultoria Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Pedro Rodrigues diz que a ideia é boa, “necessária”, mas esbarrou na declaração de Silveira. “Ele deixou tudo cinzento. Agora vamos aguardar a publicação do PL para entender do que se trata de fato”, diz. Rodrigues é enfático sobre a necessidade de dar nova roupagem ao combate às fraudes, uma marca do setor de combustíveis no Brasil, mas pondera que a criação de um novo órgão federal vai aumentar o “custo de transação” do setor.

Especificamente sobre a fala de Silveira, ele minimiza. “Ele vai fiscalizar 45 mil postos de combustível? Já existem órgãos com esse fim e a ideia de fazer isso por meio de um novo órgão conflitaria, além de ser quase inexequível. O preço final é livre, o dono do posto pode colocar o valor que quiser. E quando não repassam integralmente o desconto das refinarias é porque isso acontece de forma escalonada ou agentes da cadeia se apropriaram de margens. É assim em todo mercado, e o que atenua essa dinâmica é a lógica concorrencial”, afirma.

O presidente da Associação Brasileira de Importadores de Combustíveis (Abicom), Sergio Araújo, também prefere aguardar a proposta final do MME, mas tachou qualquer trabalho orientado para preço final como “desnecessário”. “O mercado se auto ajusta. Distribuidoras ou revendedoras que resolvem ter margem muito grande, perdem volume, simplesmente deixam de vender, porque existem alternativas para o comprador hoje”, disse. Ele reitera que, nos elos de distribuição e revenda, existem um número razoável de agentes competindo e, no fim das contas, nenhum deles deixaria de repassar reduções de custos para o preço final.

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Competências legais

Para a advogada Valéria Rosa, sócia do LCFC Advogados e conselheira do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito e da Energia (IBDE), a proposta do ministério sinaliza para uma evolução regulatória, mas ressalta que é necessário avaliar as competências legais que serão estabelecidas.

“Uma coordenação centralizada, quando estamos falando de sistemas complexos, precisa ser vista com bons olhos, significa evolução regulatória”, disse a advogada. “Mas, não podemos colocar o carro na frente dos bois, pois vai depender das competências legais estabelecidas, de como o projeto de lei será construído.”

Assim como o próprio governo, a especialista cita o ONS como um exemplo de sucesso e apoio para a agência reguladora do setor elétrico e para o Poder Concedente. “Ter um Operador Central, fazendo uma coordenação dessa cadeia onde se pretende fomentar novos investimentos e maior segurança operacional, pode fazer um bem enorme para o crescimento e para a transparência.”

Contudo, Valéria ressalta que a depender da estruturação feita pelo governo pode haver algumas preocupações jurídicas, sobretudo em relação à fiscalização do segmento, o que é de competência da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

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“Se comparar com o ONS, onde o conselho é compostos por parte de players do setor, você atribuir a competência de fiscalização para esse tipo de órgão pode gerar preocupação quanto à segurança jurídica. Esse ponto vai precisar de clareza, até para dar tranquilidade ao setor.”

A medida também é bem avaliada pela ex-diretor da ANP Allan Kardec Barros, professor titular da Universidade Federal do Maranhão e presidente da Gasmar. “Tem de ter uma saída para uma demanda da sociedade, que é o preço dos combustíveis e é muito grave que isso seja demandado de uma empresa, como a Petrobras. Minha posição é positiva em relação a essa solução encontrada pelo governo, tira o ônus da empresa e divide, com a iniciativa privada”, afirma.

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