Os pedidos de recuperação judicial das empresas do comércio têm crescido em uma velocidade maior do que a média da indústria, dos serviços e do setor primário, que engloba agricultura, pecuária, mineração, entre outros. O aperto enfrentado pelas empresas do comércio varejista e atacadista ampliou nos últimos três anos a fatia dessas companhias no total de empresas que buscaram a recuperação judicial para renegociar dívidas e conseguir dar a volta por cima.
Em 2021, a participação das empresas de comércio, que inclui atacado e varejo, era de 22,3%. Avançou para 24,1% em 2022, subiu para 27% o ano passado e encerrou o primeiro trimestre deste ano em 28,7%, aponta um levantamento feito pela Serasa a pedido do Estadão.
A grande deterioração das empresas do comércio que recorrem à recuperação judicial ou extrajudicial, como ocorreu recentemente com a gigante do varejo Casas Bahia, reflete a disparada da taxa de juros. Esse foi o principal motivo alegado pela varejista para negociar um acordo extrajudicial, isto é diretamente com os credores, Bradesco e Banco do Brasil, dívidas de R$ 4,1 bilhões.
“O comércio é o segmento mais sensível à taxa de juros”, afirma o economista da Serasa e responsável pelo levantamento, Luiz Rabi. O comércio sente o tranco da alta dos juros nas duas pontas, observa.
As varejistas e atacadistas são afetadas, por exemplo, pelo aumento do custo financeiro quando buscam capital de giro nos bancos para se financiar. Também se ressentem dos efeitos dos juros elevados quando vendem mercadorias a prazo. Esse aumento do custo financeiro reduz as vendas.
Além da natureza do varejo, que é comprar e vender, o que faz das empresas do comércio uma espécie de para-choque da economia, sentindo rapidamente as alterações do cenário macroeconômico, o economista diz que o fato de o setor trabalhar com margens apertadas explica a maior sensibilidade à alta de juros.
“Como o setor opera com margens reduzidas, qualquer aumento da taxa de juros pode colocá-lo em prejuízo”, ressalta Rabi. Dependendo do tipo de segmento, a margem líquida do comércio gira em torno de 2%.
Montanha-russa
No período analisado pelo estudo, que vai de 2015 ao primeiro trimestre deste ano, o maior nível de participação das empresas do comércio no total de companhias que pediram recuperação judicial ocorreu em 2017. Naquele ano, as empresas do comércio varejista e atacadista responderam por mais de um terço (33,9%) do total de recuperações judiciais requeridas.
O auge das recuperações foi a ressaca da recessão de 2015 e 2016. O economista pondera que há uma defasagem entre períodos de recessão e os desdobramentos sobre a saúde financeira das companhias.
Depois desse pico, ano a ano, houve diminuição da participação do comércio no total de recuperações judiciais. O piso de participação foi atingido em 2021, com fatia de 22,3%, o menor nível dos últimos dez anos.
“Do auge de participação em 2017 até 2021, houve uma perda de participação das empresas do comércio de 11,6 pontos porcentuais”, observa Rabi. Esse movimento reflete, segundo ele, a queda da taxa básica de juros. A Selic chegou ao piso histórico de 2% ao ano na pandemia.
Com o fim da crise sanitária, a normalização das atividades e a quebra do ritmo de produção de várias cadeias industriais globais, a inflação disparou. Os bancos centrais no mundo e também no Brasil voltaram a elevar as taxas básicas de juros para conter a disparada de preços. De 2% ao ano, os juros básicos no País foram a 13,75% ao ano. Atualmente, a taxa básica de juros está 10,5% ao ano.
Tendência
Com uma Selic de dois dígitos, o cenário de aperto monetário persiste, especialmente depois de o Fed, o banco central americano, indicar que o corte dos juros nos Estados Unidos será mais lento do que se previa.
Aqui também o cenário para o corte dos juros vem mudando em razão do adiamento do cumprimento da meta fiscal e da pressão inflacionária dos preços dos serviços, principalmente. Esses fatores sinalizam que a Selic poderá recuar num ritmo mais lento daqui para frente do que se imaginava anteriormente, colocando mais pressão nas empresas varejistas, tanto nos custos como nas vendas.
“A vida já está sendo dura para as empresas do comércio e deve continuar”, prevê Rabi. Ele diz que atualmente há varejistas operando no prejuízo, inclusive as grandes.
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) e membro do conselho de administração várias empresas do comércio, Eduardo Terra, a tendência da solvência das varejistas daqui para frente depende muito do cenário macroeconômico.
Se os juros se mantiverem altos por mais dois anos, obviamente terá efeito sobre as varejistas, argumenta. “A resposta à pergunta se já acabou ou vem mais (recuperação judicial) tem muito a ver com o cenário macro”, afirma Terra.
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No ano passado, 379 empresas do comércio pediram recuperação judicial, com um avanço de 88,6% em relação a 2022, segundo a Serasa. No mesmo período, 1.405 companhias, de todos os setores, recorreram a esse instrumento jurídico. E o crescimento foi de 68,7%, na mesma base de comparação.
No primeiro trimestre deste ano, o crescimento foi ainda maior: 144 empresas do comércio solicitaram recuperação judicial, com avanço de 102,8% ante o mesmo período de 2023. No total, 501 companhias de todos os setores buscaram esse instrumentos para renegociar dívidas, com alta de 73,4% ante o mesmo período de 2023.
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