Comissão da Câmara aprova PEC que dá a Congresso poder de vetar empréstimos do BNDES a outros países

Proposta ainda deve passar por comissão especial antes de ir a plenário; diretor do banco de fomento diz que proposta afetaria desempenho da indústria brasileira

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Atualização:

BRASÍLIA E RIO – A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou nesta quarta-feira, 4, por 31 votos a favor e 27 contra, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), de autoria do deputado Mendonça Filho (União Brasil-PE), que dá ao Congresso o poder de vetar empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a outros países.

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Desde o ano passado, parlamentares da oposição tentam avançar com o texto. Após a admissibilidade aprovada na CCJ, a proposta deve passar ainda por uma comissão especial antes de ir a plenário.

O uso do banco de fomento para empréstimos ao exterior em governos anteriores de Lula e de Dilma Rousseff foi cercado de polêmicas. Países como Cuba, Venezuela e Moçambique, que tiveram obras financiadas pelo banco, até hoje não pagaram parte da dívida com o BNDES, o que é criticado pela oposição.

Comissão da Câmara aprova PEC que dá a Congresso poder de vetar empréstimos do BNDES a outros países. Foto: Fábio Motta/Estadão

Para a base do governo, o Legislativo não pode interferir em funções típicas do Executivo – uma vez que o BNDES é um banco público subordinado ao governo federal – e a PEC seria uma interferência excessiva em políticas de integração econômica, política e social dos povos latino-americanos.

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O texto da PEC estabelece a competência do Congresso para autorizar operações de crédito por instituições financeiras controladas pela União sempre que o objeto da transação venha a ser executado no exterior. Mendonça Filho argumenta que, muitas vezes, não há comprovação formal de que o direcionamento de recursos a países que farão uso de empresas brasileiras na execução de obras e serviços contribui para o desenvolvimento do País.

“Ademais, também se observa que em certos casos o empréstimo acaba por não ser honrado por parte do país que contrata a obra ou serviço, acionando garantias, caso existam, ou mesmo resultando em inadimplência”, diz o texto da PEC. Atualmente, países como Venezuela, Moçambique e Cuba estão com pagamentos atrasados de empréstimos concedidos pelo BNDES durante as gestões petistas.

PEC afetaria a indústria, diz diretor do BNDES

Segundo José Luis Gordon, diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do BNDES, a proposta afetaria o desempenho da indústria brasileira, incluindo a Embraer.

“A Embraer seria 100% afetada”, disse Gordon ao Estadão/Broadcast, acrescentando que cerca de 40% das exportações de aviões feitas pela empresa são efetivadas via financiamentos do BNDES. “Ela não consegue ganhar competitividade para exportar se não tiver BNDES.”

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'O BNDES coloca dinheiro em empresas brasileiras, em reais, para que elas possam exportar seus produtos. O dinheiro não sai do Brasil', diz Gordon, ddiretor do banco de fomento. Foto: Pedro Kirilos/Estadão

O banco de fomento já apoiou a exportação de mais de 1,3 mil aeronaves da Embraer desde 1997, somando mais de US$ 25 bilhões em financiamentos. O executivo lembrou que a linha de financiamento a exportações do BNDES atende a diversas outras indústrias atualmente, incluindo empresas dos setores automotivo, fármacos, alimentos e máquinas e equipamentos.

“As empresas de Santa Catarina são as que mais usam (o financiamento à exportação de bens). As do Rio Grande do Sul também usam bastante”, contou Gordon. Segundo ele, os Estados Unidos são o principal destino dos bens exportados pela indústria brasileira via financiamentos do BNDES, com uma fatia de 20% dessas exportações.

“As pessoas falam que o BNDES colocou dinheiro no país A, B ou C. O BNDES não coloca dinheiro nem aplica dinheiro em país nenhum. O BNDES coloca dinheiro em empresas brasileiras, em reais, para que elas possam exportar seus produtos. O dinheiro não sai do Brasil. Só podem ser produtos brasileiros, não podem ser usados para outros produtos”, disse o diretor do banco de fomento.

Segundo Gordon, o BNDES não foi convocado pelos parlamentares para prestar esclarecimentos sobre o trâmite de aprovação de financiamentos. “Não fomos chamados”, afirmou Gordon. “Acho que é importante o BNDES colocar seus posicionamentos, para esclarecer, passar as informações.”

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Se aprovada, a PEC adicionaria morosidade e burocracia ao processo de financiamento à produção industrial nacional, previu o executivo. O fomento à exportação de serviços pelo BNDES está paralisado desde 2016. O banco de fomento enviou um projeto de lei ao Congresso para regulamentar e retomar essa modalidade de financiamento, mas o PL permanece aguardando distribuição.

“A gente respeita muito o Congresso Nacional. Por isso nós mandamos o projeto de lei, exatamente para que fosse discutido no âmbito do Congresso Nacional”, disse.

Desde 1991, o BNDES aprovou mais de US$ 100 bilhões em financiamentos à exportação de bens e de serviços. Deste montante, apenas US$ 1 bilhão caiu em inadimplência, mas os recursos foram cobertos pelo Fundo Garantidor de Exportação (FGE), sem prejuízo ao banco de fomento, relatou Gordon.

“Hoje o FGE é um fundo superavitário em US$ 8 bilhões. Quando tiver casos de inadimplência, você aciona o fundo garantidor”, apontou ele. “O Fundo Garantidor de Exportação (FGE) não tem dinheiro do contribuinte, ele tem recursos do prêmio dos exportadores.”

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Gordon defende que uma eventual retomada de financiamento a exportações de serviços teria potencial para beneficiar setores como o de desenvolvimento de softwares, produção de audiovisual e tecnologia de informação em apoio a semicondutores, por exemplo.

Ele lembrou que o índice de inadimplência no BNDES está atualmente em 0,001%, embora o banco de fomento tenha aumentado as aprovações e os desembolsos nos últimos dois anos. “Nós crescemos mais de 170% no apoio à exportação de bens. É voltado para a empresa brasileira”, disse.

Negociação do pacote fiscal

Segundo parlamentares, a votação da PEC do BNDES foi debatida no âmbito da negociação pelo avanço do pacote de contenção de gastos do governo Lula. A base governista queria garantir que não houvesse obstáculos na tramitação da PEC que integra o pacote na CCJ; porém, o União Brasil indicou que faria um pedido de vista (mais tempo para análise), o que atrasaria o andamento da pauta.

Diante do impasse, que começou ontem, os governistas tentaram firmar um acordo para evitar o pedido de vistas. Segundo relatos, a presidente da CCJ, Caroline de Toni (PL-SC), ofereceu um acordo: se o governo apoiasse a PEC do BNDES, os deputados do União poderiam evitar pedir vista sobre o pacote fiscal. No entanto, governistas não quiseram apoiar a PEC do BNDES, ainda que soubessem da probabilidade de aprovação na CCJ.

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Na avaliação de alguns deputados, o governo saiu perdendo duas vezes, tanto com o emperramento do pacote fiscal na CCJ quanto com o avanço da PEC do BNDES. Agora, os governistas articulam outra saída para o pacote fiscal, que seria o apensamento da PEC do pacote fiscal a outra já existente.

No entanto, conforme mostrou o Estadão/Broadcast, deputados seguem descontentes com as novas exigências sobre a distribuição e a execução das emendas parlamentares, firmadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Enquanto não sair uma nova decisão da Corte sobre os recursos, dificilmente as pautas de gastos avançarão na Casa, segundo relatos.

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