Como as economias globais conseguiram controlar a inflação sem entrar em recessão; entenda

De modo geral, os bancos centrais foram capazes de aumentar os juros, mantê-los num patamar elevado e iniciar um movimento de corte sem uma desaceleração muito forte da atividade

PUBLICIDADE

Publicidade
Foto do author Luiz Guilherme  Gerbelli
Atualização:

Ao menos por ora, a economia global parece ter virado a página de um cenário de maior preocupação. De modo geral, os bancos centrais foram capazes de aumentar os juros, mantê-los num patamar elevado e iniciar um movimento de corte, com a inflação caminhando para a meta definida e sem colocar os países em recessão.

PUBLICIDADE

O chamado pouso suave não costuma ser comum após apertos monetários. Em geral, o ciclo de alta de juros, ao encarecer o crédito para consumidores e empresas com o objetivo de controlar a inflação, busca provocar uma desaceleração da economia – em muitos casos, os países entram em recessão.

“A economia global parece que conseguiu fazer um pouso suave, mas tem um pouco de heterogeneidade entre os países”, afirma Luciano Sobral, economista-chefe da Neo Investimentos. “Observando o mundo como todo, o (crescimento dos países do) G-20 está rodando ao redor de 3% anualizado. É um pouco abaixo do observado no período pré-pandemia, mas longe de ser um cenário ruim.”

A economia americana é o exemplo que melhor ilustra esse movimento. Em setembro, o Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) anunciou a primeira queda de juros em quatro anos. O BC americano cortou a taxa dos Fed Funds em 0,50 ponto porcentual, para a faixa entre 4,75% e 5,00% ao ano. Foi um movimento que surpreendeu boa parte do mercado, cuja aposta era de uma redução de 0,25 ponto porcentual.

Na dura batalha para controlar a inflação e fazê-la caminhar para a meta de 2%, o Fed precisou elevar as taxas de juros ao maior patamar em 22 anos - o ciclo de alta teve início em 2022. Mas, ao contrário do que se esperava, os Estados Unidos não entraram em recessão. Ao longo desses meses, a resiliência da economia americana surpreendeu, e os cenários mais sombrios traçados pelos analistas para atividade do país acabavam sempre postergados.

Publicidade

Os economistas apontam vários fatores para explicar a força da economia dos Estados Unidos e do mercado de trabalho - apesar dos juros elevados. Nesse último ciclo de alta, famílias e empresas estavam menos endividadas do que no passado e houve um grande estímulo fiscal que compensou o aperto monetário.

“Houve, inclusive, a revisão do PIB de vários anos para trás e foram todos mais fortes. As indicações para esse segundo semestre também são de um crescimento forte nos EUA”, afirma Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management. “A economia (dos EUA) cresceu mais do que a gente imaginava e aponta para uma desaceleração suave.”

Jerome Powell, do Fed; banco central dos EUA começou a reduzir os juros Foto: Ben Curtis/AP

O UBS estima que o Fed deve reduzir as taxas de juros em mais 0,50 ponto porcentual este ano e projeta um crescimento para a economia americana de 2,6% em 2024 e 1,6% em 2025.

Na segunda-feira, o presidente do Fed, Jerome Powell, indicou que o BC dos EUA deve promover mais dois cortes de 0,25 ponto porcentual neste ano. “Os indicadores mostram que o mercado de trabalho continua sólido. Nós vamos tomar decisões para garantir que o nível de emprego permaneça exatamente onde está”, disse.

Diversidade na Europa

Na Europa, o cenário é bastante diverso entre os países, mas, ainda assim, não há uma recessão prevista para o bloco. De um lado, as economias da Espanha e da Itália mostram força, mas, de outro, a Alemanha - maior potência europeia - tem preocupado com um crescimento mais fraco.

Publicidade

“Na Alemanha, existe um questionamento do modelo econômico composto por três pilares. Era uma produção industrial, principalmente focada em automóveis, para exportar para a China com base em insumos de energias vindos da Rússia”, afirma André Diniz, economista-chefe de internacional da Kinea.

“Esses três pilares foram solapados com a crise de energia gerada pela guerra entre Rússia e Ucrânia e com a China mudando os motores de crescimento e provendo uma exportação enorme para o mundo de veículos elétricos, em grande medida subsidiado pelo governo. Isso coloca em questão o modelo de desenvolvimento da Alemanha”, acrescenta.

BCE reduziu os juros em 0,25 ponto; ciclo de corte começou em junho Foto: Kirill KUDRYAVTSEV / AFP

Em setembro, o Banco Central Europeu voltou a reduzir os juros em 0,25 ponto porcentual. O BCE já havia feito um corte em junho de mesma magnitude. A leitura dos analistas é de que ocorra mais uma queda em dezembro, mas eles não descartam uma nova redução antes disso.

Japão e China

Com impactos para todo o mundo, os analistas, claro, se debruçam sobre os próximos passos do Banco Central da China e do Japão. Ao contrário de outros países, o BC japonês subiu os juros este ano para 0,25%, enquanto o da China tem adotado uma série de estímulos numa tentativa de acelerar o crescimento do país – a meta de crescimento chinês é de 5% este ano.

“A China ficou por 20 anos gerando ciclos econômicos a partir da construção, de uma expectativa das pessoas de que os preços de casa sempre subiriam. No momento em que isso chegou ao fim, gerou-se uma crise de confiança em um setor relevante”, diz Diniz, da Kinea. “Desde 2021, estamos vendo a China tentando achar outros motores de crescimento, sem ainda ter conseguido estabilizar a economia.”

Publicidade

No fim de setembro, o Banco Popular da China (PBOC) reduziu a taxa de juros de referência de 1,7% para 1,5%.

Fim do sincronismo

Hoje, o que também se observa na condução da política monetária pelos principais bancos centrais é que chegou ao fim a sincronia entre eles. Na pandemia de covid-19, os principais BCs cortaram os juros de forma agressiva - quase que ao mesmo tempo - para tentar mitigar os efeitos recessivos provocados pela crise sanitária. Em seguida, com a força da inflação, tiveram de promover um aperto monetário em conjunto.

Na pandemia, houve uma interrupção das cadeias de produção, o que levou a escassez de produtos e, consequentemente, a um aumento de preços de bens em todo o mundo. Após superada a fase mais aguda da pandemia, a retomada da economia provocou uma alta de preços das commodities, o que agravou ainda mais o quadro inflacionário.

“Essa sincronia econômica foi se perdendo”, afirma Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners. “Hoje, em dia, cada país tem a sua peculiaridade. Estamos falando do Brasil subindo os juros, e os Estados Unidos reduzindo. Temos agora o que é o normal.”

E o impacto para o Brasil?

Em tese, esse alívio no cenário global tende a beneficiar os países emergentes, como o Brasil. Mas, de novo, os cenários locais é que vão dizer como cada economia deve se beneficiar.

Publicidade

“É um cenário bom para economias emergentes. Os juros estão caindo no mundo inteiro, sobretudo nos Estados Unidos. A China está crescendo aos trancos e barranco, mas, agora, tem notícias de um novo estímulo, e os preços de commodities estão em um patamar alto”, diz Sobral. “Mas o Brasil e outros emergentes têm peculiaridades que acabam fazendo com que não se beneficiem desse ciclo.”

No Brasil, há uma grande incerteza com o rumo das contas públicas e o ritmo de endividamento da economia brasileira ao longo dos próximos anos, o que acaba afastando os investidores. No México, há um impasse institucional – o país aprovou uma reforma constitucional que permite a eleição popular de juízes - um caso único no mundo.

BC brasileiro subiu os juros na sua última reunião Foto: Wilton Junior/Estadão

“As moedas, no geral, se valorizaram, as bolsas subiram, os juros caíram. Mas tem muita heterogeneidade e acho que ela está ligada a histórias específicas de cada país”, acrescenta o economista-chefe da Neo Investimentos.

No Brasil, na sua última reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) subiu a taxa básica de juros (Selic) em 0,25 ponto porcentual, para 10,75% ao ano.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.