Computação quântica: quem são as mulheres que lideram a nova fronteira tecnológica nas empresas

Área considerada tradicionalmente masculina atrai cada vez mais a mão de obra feminina

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Foto do author Luiz Guilherme  Gerbelli
Atualização:

Tradicionalmente ligada aos homens, a computação quântica - uma das grandes apostas para transformar os negócios na próxima década - tem atraído cada vez mais mulheres dentro das empresas. Com a demanda em alta, muitas profissionais têm migrado para essa área ou até mesmo conciliado com outra dentro das companhias.

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“Como a computação quântica tem ido para a área da biologia, das engenharias, temos observado um número maior de mulheres atuando no Brasil”, diz Samuraí Brito, especialista de tecnologia do Itaú Unibanco. “O tema de computação quântica, em particular, sempre foi de muito domínio da física. E a características dessa área de exatas é ter um número escasso de mulheres.”

Nos últimos anos, Samuraí se transformou numa das principais vozes femininas da computação quântica no País. Ela foi convidada pela equipe de tecnologias emergentes do Itaú para trabalhar no banco no fim de 2020, depois de ter publicado um artigo sobre internet quântica. A companhia já usou os princípios da computação quântica para prever potenciais perdas de clientes.

Samuraí Brito teve apenas cinco colegas mulheres na graduação Foto: ADRIANO ABREU / ESTADÃO

Com uma trajetória acadêmica ligada à física, Samuraí mora em Natal, Rio Grande do Norte, e sempre estudou em escola pública. Foi a primeira da família a cursar ensino superior. Na graduação, conviveu com cinco mulheres. No doutorado, viu esse número cair para apenas três. “Eu via na física a possibilidade de responder perguntas da natureza, perguntas associadas à nossa vida, ao nosso cotidiano”, diz. “Quando eu fui fazer vestibular, a minha família não sabia o que era ser físico.”

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Novo fôlego

A computação quântica já é uma realidade, mas ainda pouco utilizada em escala comercial pelas companhias. A indústria passou por um boom entre 2000 e 2010, mas depois caiu numa quase estagnação até 2019, quando o Google anunciou ter atingido a chamada supremacia quântica – fenômeno marcado por uma operação realizada por um computador quântico que não seria possível na computação clássica.

“Da década de 1980 até a década de 2010, os computadores quânticos foram amplamente desenvolvidos em laboratórios acadêmicos. Mas, à medida que a tecnologia avançou, as empresas começaram a construir seus próprios computadores”, diz Brian Lenahan, fundador e diretor do Quantum Strategy Institute.

“Havia muitas promessas, houve alguns avanços experimentais, mas nada que trouxesse um grande otimismo de que iríamos ter um computador quântico funcional resolvendo alguma coisa importante. Faltava um marco, mas ele chegou em 2019, com o Google”, acrescenta Barbara Amaral, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP)

Com esse novo impulso, as empresas passaram a mirar a computação quântica porque enxergam nela um caminho inevitável de transformação dos negócios. De forma simplificada, sua grande vantagem em relação à computação clássica será resolver problemas mais complexos, com mais rapidez e uma quantidade menor de erros. Os bancos, por exemplo, poderão escolher entre milhões de carteiras para fazer uma recomendação mais segura e assertiva para o investidor. A indústria farmacêutica vai conseguir desenvolver vacinas e medicamentos mais poderosos.

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“Há um gap de pessoas nessa área, principalmente de mulheres. E como eu tinha os requisitos, resolvi entrar nesse campo”, diz Ana Paula Appel, cientista de dados sênior da IBM Brasil. “A computação quântica já está acontecendo, estamos vendo esse movimento de pessoas para aprender e se educar. E foi o que aconteceu comigo.”

Com mestrado e doutorado em computação, Ana começou a trabalhar em 2012 na IBM. Seu início foi no IBM Research - uma divisão de pesquisa da companhia - e, em 2021, se transferiu para a área de Client Engineering, voltada para criação e inovação e mais próxima aos clientes da empresa. “O meu dia a dia acaba sendo mais com a área de dados clássica, mas eu tenho uma parte do meu trabalho que é mostrar para os clientes da IBM esse material da área de quantum.”

Ana é cientista de dados na IBM, mas passou a trabalhar com computação quântica Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO

No ano passado, a IBM apresentou um processador quântico de mais de 400 qubits. Ao contrário dos já conhecidos bits da computação clássica - que podem ser representados por 0 ou 1 -, os qubits podem assumir vários estados entre 0 e 1. “Hoje, existem problemas que conseguimos resolver muito bem com a computação clássica, mas alguns exigem demais”, afirma Ana. “(A computação quântica) ajuda a resolver problemas que hoje a gente gasta muito tempo para solucioná-los.”

Na Accenture, há uma iniciativa global - chamada de Women in Quantum - para reunir mulheres que lidam com a tecnologia dentro da empresa. Já são mais de 500 participantes. No Brasil, a companhia planeja usar a computação quântica para a solução de problemas logísticos mais complexos. Por exemplo, se uma empresa enfrenta uma lentidão na sua entrega de produtos, a computação quântica pode oferecer respostas precisas de rotas mais curtas e baratas.

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Dentro da empresa, a solução para as questões logísticas tem tido a contribuição da diretora de análise de dados para recursos naturais, Rebecca Barros. Ela trabalha há 25 anos com dados, mas só recentemente entrou no campo da computação quântica.

“Um tipo de problema com o qual me deparo frequentemente é a solução de problemas logísticos mais complexos”, diz Rebecca. “Nesses casos, para encontrar as soluções na velocidade da tomada de decisão de negócio, os cientistas de dados lançam mão de abordagens na computação tradicional que, digamos, não chegam a soluções exatas, e sim aproximadas. Essa, por exemplo, é uma das aplicações práticas para a computação quântica que estamos avaliando neste momento.”

Qual é a participação feminina?

Não há um levantamento oficial de quantas mulheres lidam diretamente com a computação quântica. Mas um recorte realizado pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Informação Quântica (INCT-IQ) ajuda a dimensionar a participação feminina nessa área da pesquisa quântica como um todo.

Dos 120 participantes beneficiados financeiramente pelo instituto, apenas 9% são mulheres. “A baixa participação de mulheres é um problema que tem de ser atacado no nível da escola primária, secundária”, afirma Belita Koiller, coordenadora do INCT-IQ. “Muitas meninas não enxergam a física como opção, e física e uma área muito prazerosa para quem entende.”

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Numa tentativa de aumentar a participação feminina na física, professoras das Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ) criaram o projeto chamado de Tem Menina no Circuito em 2013, com o objetivo de atrair estudantes mulheres para a área das ciências exatas.

“Como todo problema, nunca é uma razão só para o baixo número de mulheres. São várias razões. Claramente, está ligado como o ensino médio apresenta as questões de física. É uma coisa muito formal, só vê o lado matemático da física e abandona a criatividade”, afirma Thereza Paiva, professora da UFRJ e uma das fundadoras do projeto. “E tem muito a ver com a forma como a gente cria as nossas meninas. O primeiro brinquedo sempre é uma panelinha, uma bonequinha. Todas as brincadeiras delas estão ligadas ao cuidar”, acrescenta.

São cinco escolas públicas no Rio de Janeiro e uma de Uberlândia, Minas Gerais, que recebem o projeto. Os encontros são semanais e todas as estudantes são convidadas. “Vamos para escolas onde o Ensino Médio tem caráter terminal, onde os alunos não buscam o ensino superior”, afirma Thereza. As alunas são acompanhadas por monitoras, estudantes da área de exatas, com alguma ligação no entorno da escola.

“Elas acabam mostrando para estudantes, especificamente para as meninas, de que o ensino superior é uma possibilidade”, afirma Thereza.

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