Há três anos, quando conversou com o Estado pela primeira vez, Caroline Santos tinha acabado de deixar o emprego em um escritório de advocacia para mudar de vida: o dinheiro que juntou, com sacrifício, iria permitir a dedicação exclusiva à preparação para o concurso para uma vaga de procuradora pública. Com recursos suficientes para se manter por dois anos, ela abraçou uma rotina de até 12 horas diárias de estudo.
Com a queda no número de concursos desde a crise, no entanto, ela teve de voltar há quatro meses para o setor privado. Hoje, ganha o mesmo salário de quatro anos atrás. "Comecei a fazer uma pós-graduação, para me destacar. Não me arrependo de ter largado tudo para prestar concursos, é um sonho que não abandonei, mas que ficou guardado em um cantinho."
As medidas de austeridade dos últimos quatro anos colocaram a folha de pagamento dos servidores na mira do governo e fizeram minguar o número de concursos públicos, adiando os planos de muitos brasileiros que buscavam uma carreira no Estado.
Em menos de uma década, o número de contratações de servidores federais caiu para quase um sexto do que era. Se em 2010, foram admitidos 296 mil servidores, em 2018 (o dado mais recente), foram 50,7 mil, segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), da Secretaria do Trabalho, compilados pela consultoria LCA.
O economista Cosmo Donato, da LCA, lembra que em 2010 a conjuntura fiscal permitia a maior reposição do funcionalismo. "A orientação era de expansão da máquina pública, não por acaso, foi ano recorde de contratações. De lá para cá, não só o espaço fiscal continua restritivo, como estruturalmente o quadro exige uma reformulação do funcionalismo."
Sem concursos novos, o funcionalismo deixou de ser reposto e, por enquanto, não há autorização para que sejam feitos concursos federais este ano de carreiras civis, apenas militares. Segundo o Ministério da Economia, 22 mil servidores federais devem se aposentar este ano. Até 2022, a previsão é de que cerca de 60 mil deixem o serviço público.
Reportagem publicada pelo Estado apontou que a equipe econômica decidiu travar seleções de servidores até que a proposta do governo de reforma administrativa passe no Congresso. No mesmo dia, o presidente Jair Bolsonaro disse que o Executivo não poderia ser "irresponsável" e abrir concursos "desnecessários".
Capital informal dos concurseiros, Brasília é um retrato das mudanças recentes no mercado de seleção para novos servidores. "Há pouco mais de cinco anos, dava para esbarrar em um cursinho preparatório a cada meia hora de caminhada. Só que muitos alunos se cansaram de esperar pelo edital que nunca vinha e metade das escolas fechou”, conta o professor aposentado de matemática André Santos.
Para João Adilberto Xavier, presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Cursos Livres do Distrito Federal, que também representa os cursinhos, não há dúvida de que os empresários do setor estão sentido a falta de novos concursos. Ele, no entanto, avalia que o setor sabe que, mais cedo ou mais tarde, as seleções irão voltar.
"Faz parte do jogo. O empresário entende que o País está em um processo muito complicado de recuperação econômica e é preciso arrumar a casa. O Estado precisa voltar a ter musculatura para repor as suas peças", avalia Xavier.
Ele ressalta que quem sonha com uma vaga no serviço público deve entender que a tecnologia está transformando também as carreiras de Estado e que as mudanças de gratificação propostas na reforma administrativa serão positivas, se atraírem novos servidores que realmente queiram fazer a diferença no setor público.
Seleção natural
Ao defender a reforma, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o governo gastava 90% da receita com salários e era obrigado a dar aumentos. "O funcionalismo teve aumento de 50% acima da inflação, tem estabilidade, aposentadoria generosa... o hospedeiro está morrendo, o cara (servidor) virou um parasita", disse durante um evento, causando polêmica.
"Parasita, talvez, na cúpula dos Poderes. Mas nem todo funcionário público age assim", diz o engenheiro Alberto Camargo, de 47 anos. Trabalhando por conta própria há duas décadas, ele decidiu começar a estudar este ano para concursos. "O mercado privado vai ficando mais difícil a partir de uma certa idade. Tem meses em que eu não consigo trabalho. Queria um pouco mais de estabilidade."
Ele, que estuda cerca de quatro horas por dia enquanto espera a volta dos concursos federais, planeja se candidatar a qualquer vaga que pague pelo menos R$ 5 mil por mês, para pagar os estudos do filho. "Acho que os concursos devem voltar no segundo semestre. Topo o que vier, mas queria tentar entrar na Receita Federal."
Há cinco anos sem seleções e com salários de até R$ 20 mil, a Receita Federal é o sonho da maioria que tenta uma vaga, conta a coordenadora pedagógica da Central de Concursos, Silene Rocha. Sem concursos federais, no cursinho preparatório, que tem 1.800 alunos, a procura passou a ser por vagas municipais e estaduais.
"Quem mirava a Receita, começou a olhar com mais carinho para a área fiscal das prefeituras. Pode não ser a primeira opção, mas é o que temos agora. Ainda que a remuneração para uma vaga em uma prefeitura seja menor do que a de nível federal, a gente sempre fala para o aluno não desanimar. Se ele para de estudar por não ter tantos concursos agora, acaba voltando para o fim da fila", diz Silene.
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