Congresso desidrata 19 pontos do pacote de corte de gastos e pode comprometer ajuste de Haddad

Mudanças afrouxam medidas apresentadas pela equipe econômica; nº 2 da Fazenda afirma que economia de R$ 70 bi em dois anos está mantida

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Atualização:

BRASÍLIA – O Congresso Nacional desidratou o pacote de corte de gastos do governo Lula mexendo em 19 trechos dos três projetos apresentados pelo Executivo para manter o arcabouço fiscal de pé. As mudanças feitas até a noite de quinta-feira, 19 – o Senado ainda vai analisar uma proposta – afrouxam medidas apresentadas pela equipe econômica, que já haviam sido vistas como insuficientes por economistas e agentes do mercado financeiro para reequilibrar as contas públicas.

Apesar das várias alterações feitas pelos parlamentares (veja lista abaixo), o Ministério da Fazenda insiste que a economia prevista está mantida.

Câmara desidrata pacote fiscal apresentado pelo governo e compromete corte de gastos. Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

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As mudanças feitas no Congresso, e apoiadas pelo próprio governo para garantir a aprovação do pacote, impactam o corte de gastos esperado em programas como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), diminuem a arrecadação com o fim do Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (DPVAT) e abrem caminho para aumento de despesas, com proteção às emendas parlamentares.

O governo considera que aprovou o possível. Ao apresentar o pacote fiscal há menos de um mês, a equipe chefiada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou uma economia R$ 71,9 bilhões em 2025 e 2026, até o término do mandato de Lula, atingindo uma economia de R$ 327 bilhões até 2030. O cálculo foi questionado por economistas, que não viram as medidas como suficientes para controlar o crescimento das despesas públicas.

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Após a mudanças no Congresso, que deve finalizar a votação do pacote nesta sexta-feira, 20, o governo ainda não apresentou oficialmente um novo cálculo de impacto.

Segundo o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), o Ministério da Fazenda mantém a mesma projeção de impacto fiscal. “Para o governo, a essência está mantida e não altera em nada a espinha dorsal do ajuste que o governo está fazendo”, disse. A explicação, segundo ele, é que, nas medidas de maior impacto – ganho menor do salário mínimo e Fundeb, – a conta não mudou.

Ao Estadão/Broadcast, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, afirmou que a economia de R$ 70 bilhões até 2026 está mantida.

BPC é o principal alvo de críticas e projeto foi o mais alterado

O projeto de lei que mexeu em benefícios sociais foi o mais alterado. Foram 11 mudanças no texto do relator, deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL) – dez delas relacionadas ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.

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A alteração no BPC foi criticada desde que o pacote chegou ao Congresso, mobilizando a própria base aliada do governo contra o dispositivo.

O relator, entre outras mudanças, rejeitou a definição de “pessoa com deficiência” proposta no projeto do governo, excluiu da regra de coabitação os rendimentos de familiares que não moram na mesma casa e rejeitou a regra que considerava propriedade de bens ou direitos na concessão do benefício. Ele também não aceitou revogar que o benefício já concedido a qualquer membro da família não seria computado no cálculo da renda familiar.

“Queria reconhecer a importância das alterações das possibilidade de recebimento do BPC. Caíram pontos muito sensíveis, como aquele em que duas crianças com deficiências, uma delas teria que abrir mão do BPC. Ou o conceito de família estendida, que iria diminuir a possibilidade acesso ao BPC”, afirmou a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP).

Deputados governistas avaliam que o governo errou na estratégia ao mexer no pagamento de um auxílio a pessoas carentes em troca de uma economia que não era tão relevante para o pacote fiscal. A equipe econômica esperava economizar R$ 2 bilhões por ano com o BPC, totalizando R$ 12 bilhões até 2030. “Tem que cortar gastos, mas o caminho não é começar pelo BPC. É uma economia que não faz sentido para o governo federal, em detrimento das pessoas que têm direito”, afirmou o deputado Duarte Junior (PSB-MA).

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O governo argumenta que apresentou mudanças no BPC não para tirar o benefício de pessoas que dependem do auxílio, mas para combater as fraudes e o que o ministro Fernando Haddad chamou de “indústria de liminares”. “A mudança sobretudo é evitar e acabar com a indústria de liminares. O programa não altera a renda e ainda introduziu a biometria para acabar com as fraudes. Não estamos retirando nenhum direito”, afirmou o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE).

O relator também derrubou a uma mudança na correção do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), que geraria uma economia de R$ 16 bilhões até 2030, segundo a Fazenda.

Deputados desidratam mudanças no Fundeb, nos supersalários e impedem flexibilização do Orçamento

Na Câmara, os deputados desidrataram a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) em quatro trechos. Uma das principais alterações foi no Fundeb. O governo queria que até 20% dos recursos que a União coloca no fundo fossem destinados ao ensino em tempo integral, o que poderia abrir um espaço fiscal de R$ 11,6 bilhões no ano que vem.

A Câmara reduziu o porcentual para 10% e estabeleceu que o dinheiro da complementação da União no Fundeb será usado para ensino em tempo integral apenas em 2025, diminuindo o impacto para R$ 5,8 bilhões. O valor, no entanto, ainda é maior que a economia anunciada pelo governo ao apresentar o pacote fiscal (R$ 4,8 bilhões).

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A partir de 2026, os Estados e municípios terão de destinar 4% de recursos próprios que colocam no Fundeb para esse programa, aumentando o impacto fiscal entre R$ 10 bilhões e R$ 12 bilhões. Na prática, a União transfere a responsabilidade para os governos locais e espera economizar recursos com isso.

A economia efetiva de gastos para a União, no entanto, vai exigir que o governo federal diminua recursos do orçamento da Educação no mesmo montante. Ao cortar recursos, o governo federal deverá assumir o ônus político e ainda respeitar o piso constitucional da Educação exigido pela Constituição, que consome despesas não obrigatórias.

Os deputados também flexibilizam o fim dos supersalários no funcionalismo público. O texto do governo proibia que remunerações não previstas em lei complementar fossem pagas fora do teto salarial, atualmente de R$ 44 mil mensais. A limitação foi direcionada para lei ordinária, mais fácil de ser alterada.

Para o professor da Fundação Dom Cabral e autor do livro “O País dos privilégios”, Bruno Carazza, a mudança permitirá que resoluções do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) continuam a criar os “penduricalhos”.

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“Há um entendimento bastante questionável do Judiciário de que resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) têm força de lei. Corre-se o sério risco de que eles continuarão criando penduricalhos administrativamente”, explicou Carazza.

Conforme o Estadão revelou, juízes fizeram lobby dentro do plenário da Câmara em defesa da categoria para desidratação da proposta. Além disso, a Câmara retirou da PEC mudanças no BPC e impediu que a medida proposta pelo governo entrasse na Constituição.

Congresso preserva emendas e dificulta corte de recursos para cumprir arcabouço fiscal

O Congresso rejeitou um dispositivo da PEC que tirava a obrigação de o Poder Executivo executar o Orçamento aprovado pelo Congresso Nacional. A medida, incluída na Constituição em 2019 e que ficou mantida, impede o governo de cancelar, por exemplo, emendas parlamentares, que são direcionadas por deputados e senadores para redutos eleitorais. Revogar o dispositivo era uma aposta da equipe econômica para ter mais flexibilidade no Orçamento na hora de cumprir o teto de despesas.

No projeto de lei complementar que faz parte do pacote, o Congresso desidratou outros quatro trechos e derrubou a possibilidade de o governo federal cortar emendas impositivas (não obrigatórias) para cobrir gastos obrigatórios e cumprir o arcabouço fiscal. Essas emendas são recursos indicados por parlamentares e bancadas estaduais que o governo é obrigado a pagar conforme a definição do congressista.

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Ao aprovar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que orienta o Orçamento de 2025, o Congresso rejeitou uma proposta no mesmo sentido, preservando as emendas, que devem passar de R$ 50 bilhões no ano que vem.

Outra alteração foi no uso de recursos de fundos públicos, que hoje são carimbados. Por um lado, o relator da proposta, deputado Átila Lira (PP-PI), incluiu no texto um dispositivo que determina que, entre 2025 e 2030, o superávit financeiro de fundos públicos só poderá ser usado para amortizar a dívida – o texto não especificava a finalidade e abria margem para aumento de gastos. Por outro lado, a Câmara diminuiu os fundos alcançados de oito para cinco, preservando o Fundo Nacional Antidrogas (Funad), o Fundo da Marinha Mercante (FMM) e o Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC). O impacto da desvinculação caiu de R$ 38 bilhões para R$ 18 bilhões.

Outra medida que caiu foi a proposta que limitava a restituição de créditos tributários pelas empresas. O trecho enfrentava forte resistência entre vários setores da economia, além de ter integrado uma Medida Provisória (MP) editada pelo governo em junho e que foi devolvida pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Os deputados também revogaram a lei que instituiu o Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (SPVAT), antigo DPVAT, diminuindo a capacidade de arrecadação do governo federal.

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“Acredito que foi feito um esforço por parte dos relatores, mas quero dizer que tudo que vai ser aprovado não será suficiente para nós possamos atingir o equilíbrio fiscal”, afirmou o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), vice-líder do governo e autor de uma proposta alternativa que trazia um ajuste mais rígido nas contas públicas.

Os pontos de desidratação

Na PEC:

  • Diminuição da parcela do Fundeb que pode custear ensino integral
  • Exclusão de mudanças no BPC
  • Flexibilização do fim dos supersalários
  • Manutenção do dever de execução do Orçamento

No projeto de lei complementar:

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  • Proteção de emendas parlamentares obrigatórias contra cortes
  • Exclusão do limite à compensação de crédito tributários de empresas
  • Diminuição da quantidade de recursos de fundos públicos que podem ser direcionados para abatimento da dívida pública
  • Revogação do DPVAT

No projeto de lei ordinária:

  • 10 mudanças que desidratam ajuste no BPC
  • Manutenção da correção atual dos recursos do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF)
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