Análise | Congresso e governo Lula fazem acordo para aprovar Orçamento no ‘azul’, mas País que paga a conta

Projeto foi aprovado com superávit primário de R$ 15 bilhões, mas ignora perigos para a arrecadação e gastos que não entraram na peça orçamentária

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Foto do author Daniel  Weterman
Atualização:

BRASÍLIA — O Orçamento de 2025, aprovado pelo Congresso Nacional em acordo com o governo do presidente Lula (PT), reforça a percepção de que o projeto é irrealista e antecede uma série de desafios que virão pela frente. Basicamente, a peça orçamentária abrigou demandas do Poder Executivo e do Poder Legislativo de todo jeito, resultando em um aparente superávit das contas públicas e despesas genéricas sem planejamento.

O Congresso recalculou a arrecadação federal para cima, aprovando o Orçamento com um superávit primário de R$ 15 bilhões, com receitas acima do resultado esperado por economistas e ignorando despesas que não entraram no projeto. A própria meta fiscal do governo admite um déficit de R$ 31 bilhões.

Congresso vota o Orçamento de 2025. Na foto, o presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (União-AP), conversa com o relator do projeto, senador Angelo Coronel (PSD-BA), e o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Foto: Marcos Oliveira/Agencia Senado

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Para citar um exemplo, o Orçamento aprovado trouxe a previsão de R$ 28,6 bilhões de arrecadação com a volta do voto de qualidade no Carf (Conselho de Administrativo de Recursos Fiscais), o tribunal da Receita Federal, medida que não gerou as receitas esperadas em 2024 e que dificilmente vai gerar em 2025, como já admitiu o próprio governo.

Na sala de gastos que “desapareceram”, mas que precisarão ser enfrentados, estão o programa Pé-de-Meia, ainda operando à margem das regras fiscais, que deve somar entre R$ 12 e R$ 15 bilhões, e o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, criado pela reforma tributária com R$ 8 bilhões, que não tiveram os recursos suficientes aprovados mas que precisarão ser gastos em algum momento.

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Em outra ponta, governo e Legislativo cortaram R$ 4,8 bilhões da educação em tempo integral. A justificativa é que o pacote de corte de gastos aprovado no ano passado colocou essa despesa sob o guarda-chuva do Fundeb. O Fundeb, porém, começou a ser pago sem a parcela devida para o ensino em tempo integral e sem incorporar a medida, como o Estadão revelou. Será preciso corrigir os repasses ou a medida não terá efeito.

Saindo dos números frios para a vida real, o Orçamento reflete as prioridades de um governo – e de um Parlamento. Não se pode afirmar que a peça é totalmente fictícia, pois ali estão gastos que mexem na vida das pessoas, como o Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e todos os investimentos em saúde e educação. A percepção de irrealismo, porém, acontece mais por conta das despesas que não entraram do que das que foram incluídas.

O Brasil se acostumou com uma dinâmica perigosa quando o assunto é contas públicas. Além do endividamento que só cresce, há um caminho perigoso na qualidade dos gastos. Primeiro, se aprova uma regra fiscal com limite de gastos para um mandato presidencial, sem definição de quais serão as prioridades. Depois, são estipulados valores para o Orçamento de cada ano com programações genéricas. E só depois, ao longo do ano, é que se escolhe para onde vai esse e aquele dinheiro, sem planejamento prévio.

O resultado é uma onda de recursos não executados e um orçamento que não se efetiva em entregas efetivas para a sociedade. De cada R$ 100 previstos em investimentos federais para serem entregues em 2024, por exemplo, só R$ 40 foram efetivados. Para 2025, foram aprovados R$ 2,6 bilhões para ações do Ministério da Integração Nacional e Desenvolvimento Regional que se traduzem em trator e asfalto, mas sem detalhamento mínimo do Estado ou da região do País onde os investimentos serão feitos.

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O Orçamento de 2025 foi aprovado com três meses de atraso. O motivo foi a suspensão das emendas parlamentares pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado. A votação só saiu após uma promessa do governo Lula de pagar emendas que não foram liberadas em 2024 e que foram questionadas pelo Supremo.

A aprovação mostrou que os repasses indicados por deputados e senadores, sem vinculação com o planejamento estratégico do governo federal, vieram para ficar. Serão R$ 50 bilhões em dinheiro novo neste ano, fora a fatura antiga que chega a R$ 30 bilhões. O governo se rendeu à dinâmica. O Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), vitrine de Lula, não perdeu recursos, como se esperava anteriormente, e terá cerca de R$ 60 bilhões. Ou seja, no papel, todos foram contemplados. Na vida real, o País “pagará” para ver quem ganha e quem perde.

Análise por Daniel Weterman

Repórter do Estadão em Brasília (DF), com experiência em economia, política e investigação. Participou das coberturas que desvendaram o orçamento secreto, a emenda Pix, as irregularidades cometidas pelo ministro das Comunicações, Juscelino Filho, e o descontrole no orçamento do Ministério da Saúde. Vencedor dos prêmios IREE, Ielusc e Estadão.

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