BRASÍLIA – A tentativa do governo Lula de mexer em despesas do Orçamento sem autorização do Congresso provocou reação de parlamentares, que não aceitam perder influência na distribuição de recursos da União. Conforme o Estadão revelou na quinta-feira, 31, o Executivo encaminhou dois projetos de lei nesse sentido para o Legislativo.
Há duas preocupações principais de deputados e senadores: que, com a mudança, o governo cancele emendas parlamentares sem concordância do Congresso – o que hoje não é autorizado – e que passe a tirar dinheiro de algumas áreas e colocar em outras por conta própria, sem o poder de barganha que hoje os congressistas têm na mão.
Além dos dois projetos enviados pelo presidente Lula ao Congresso, uma medida com o mesmo efeito foi incluída, a pedido do governo, no projeto apresentado pelo deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA) na Câmara para destravar as emendas parlamentares, suspensas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e desencadeou críticas de outros congressistas.
Em reação, o deputado Zé Vitor (PL-MG) apresentou outro projeto de lei para impor transparência às emendas e cumprir a decisão do Supremo, mas sem esse poder para o governo. “O Congresso Nacional deve optar, já nos próximos dias, se consolida-se como um agente ativo na política ou um mero carimbador”, afirmou o parlamentar em texto distribuído a colegas com o título “Independência ou Morte”. “Cercar o Orçamento não é uma opção. Abrir mão dessa prerrogativa também não é”, escreveu o congressista.
O relator do Orçamento de 2025, senador Angelo Coronel (PSD-BA), também se levantou contra a iniciativa do governo Lula. “O Congresso não abrirá mão da sua autonomia e prerrogativas”, disse Coronel. A discussão ocorre em meio à agenda de corte de gastos estudada pela equipe econômica do governo. A conjugação das medidas permitiria ao governo cortar despesas e ainda mexer por dentro do Orçamento, por conta própria, para cumprir o arcabouço fiscal.
Congresso discute quatro projetos sobre emendas; saiba quais são as diferenças:
Até o momento, há quatro projetos sobre emendas parlamentares para atender à decisão do Supremo Tribunal Federal no Congresso. As propostas se diferenciam não só sobre as regras específicas de transparência para os recursos, mas também sobre o poder que cada parte (governo e Congresso) terá no Orçamento da União.
Um dos projetos é o do senador Coronel, combinado com a cúpula do Senado, que prevê aumento real de até 2,5% ao ano para as emendas impositivas (individuais e de bancada), limitadas ao teto do arcabouço fiscal, mas sem limite para as emendas de comissão, herdeiras do orçamento secreto.
Outra proposta é do deputado Rubens Pereira Júnior, protocolado em parceria com o governo Lula e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que limita as emendas de comissão a R$ 11,5 bilhões, menor do que o valor de hoje (R$ 15,5 bilhões), e autoriza o cancelamento de emendas pelo Poder Executivo para cumprir o arcabouço.
O terceiro projeto é o do deputado Zé Vitor, com medidas de transparência para as emendas, mas sem limite às indicações dos congressistas no Orçamento e sem poder para o governo mexer nas despesas por conta própria. A proposta foi classificado nos bastidores como um texto mais alinhado aos interesses do “baixo clero” (como são conhecidos os parlamentares com menos visibilidade) e da base dos parlamentares do Centrão.
Há também um projeto da deputada Adriana Ventura (Novo-SP) e demais deputados do Novo na Câmara, também apresentado pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE) no Senado, com regras de transparência para todos os tipos de emendas e redução do valor ao mesmo porcentual de variação das demais despesas de custeio da máquina pública e investimentos, evitando com que as indicações dos parlamentares prevaleçam sobre os outros gastos da União.
Como o governo Lula quer mexer no Orçamento sem autorização do Congresso
As propostas do governo incluem a possibilidade de cancelamento total de despesas de custeio da máquina pública, investimentos e emendas parlamentares para cobrir gastos obrigatórios, como aposentadorias e benefícios sociais, sem passar pelo Congresso. Atualmente, o Poder Executivo consegue fazer isso cortando até 30% dos gastos por conta própria, mas o que passar desse limite precisa de aprovação do Legislativo. No caso das emendas, qualquer cancelamento só acontece com a concordância do congressista que indicou o recurso.
Uma das propostas, que mexe na lei orçamentária de 2024 e foi replicada na proposta de 2025, é permitir ao governo cancelar integralmente despesas de custeio da máquina e investimentos que estejam bloqueadas e usar o dinheiro para cobrir gastos obrigatórios, como aposentadorias e benefícios sociais, sem aprovação do Congresso.
Para 2025, a mudança no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) é ainda mais drástica. O governo quer aval para cancelar integralmente uma despesa do Orçamento, bloqueada ou não, e colocar o dinheiro em despesas obrigatórias sem necessidade de passar pelo Legislativo. Se for para colocar o recurso em despesas não obrigatórias, como obras do Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), permanece o limite de 30%, mas a quantidade de ações que podem receber recursos por ato próprio do Executivo aumenta de cinco para 17.
No projeto das emendas, o governo incluiu uma medida semelhante, que valeria para todos os anos daqui para frente, abrindo caminho para cancelamento de emendas por ato próprio dos ministros.
As consultorias de orçamento da Câmara e do Senado concluíram que a iniciativa do governo de pedir mais autonomia no trato do Orçamento precisa de uma reavaliação e confronta uma regra da Constituição que obriga o governo a executar as despesas aprovadas pelo Congresso para efetivar a entrega de bens e serviços à sociedade. O Ministério do Planejamento e Orçamento, por sua vez, argumenta que é preciso dar mais autonomia para o Executivo e que a regra constitucional citada pelas consultorias precisa se submeter aos limites fiscais.
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