Empreiteiras apostam em Lula e novo PAC para se reerguer, após jejum de obras públicas

Novo programa inspirado nos antigos Programas de Aceleração do Crescimento deve ser lançado ainda em abril, segundo o governo

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Foto do author Beatriz Bulla
Atualização:

As empreiteiras vêm atravessando anos difíceis. Algumas foram praticamente dizimadas após os casos de corrupção expostos na Lava Jato. As que não estavam envolvidas nos casos de corrupção acabaram também sendo afetadas, seja pelo fim da era de grande obras públicas ou pela dificuldade em obter empréstimos. Agora, todas apostam no governo Lula e na edição do prometido “Novo PAC” para reerguer o setor. “Estamos há seis anos sem nenhuma interlocução com o governo e quase nenhum investimento público”, afirma Cláudio Ribeiro, presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada Infraestrutura (Sinicon).

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Segundo ele, o setor ficou esperançoso com o anúncio de que o PAC seria retomado. “Vejo com bons olhos que o governo esteja trazendo esse tema novamente para a pauta e que lance um programa, que gere medidas para voltar a investir em infraestrutura”, diz Ribeiro.

O setor de engenharia e construção bateu recorde em 2013, um ano antes da deflagração da Lava Jato e ainda no primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, com R$ 179,6 bilhões de receita bruta. Em 2021, o valor foi de R$ 68,2 bilhões.

O governo promete para abril o lançamento do futuro plano inspirado nos Programas de Aceleração do Crescimento anteriores. A ideia é usar dinheiro público e também privado para a realização de obras de infraestrutura. O cenário do setor de construção, no entanto, é bem diferente do vivido por Lula em seus governos anteriores.

A retomada dos grandes projetos, porém, é vista com grande desconfiança pelo mercado. Entre os motivos do ceticismo estão o fato de muitos empreendimentos anunciados no passado terem projetos mal estruturados e de parte das obras não ter sido finalizada, além do próprio envolvimento em grandes escândalos de corrupção.

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A queda nos investimentos públicos desde o segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, somada à crise de reputação gerada pelas investigações dos casos de corrupção, fez grandes empreiteiras encolherem ou desaparecerem, com histórias de recuperação judicial, demissões e dívidas bilionárias acumuladas. As companhias passaram a olhar para projetos considerados médios e empresas menores ganharam espaço.

No ranking das maiores construtoras do País de 2022, divulgado pela revista “O Empreiteiro”, que compila dados do setor, a OEC - braço de engenharia do antigo grupo Odebrecht, atualmente chamado de Novonor - ainda fica em primeiro lugar. A receita da OEC, no entanto, é tímida comparada aos tempos áureos da Odebrecht, de R$ 2,9 bilhões. A holding Novonor alega ter hoje, aproximadamente 25,5 mil funcionários, distante dos quase 130 mil que a Odebrecht chegou a ter no auge da construção civil no País. Em recuperação judicial, Novonor tem dívidas com bancos que chegam a R$ 14 bilhões.

OEC, braço de engenharia do antigo grupo Odebrecht (atual Novonor) é maior construtora do País, segundo revista Foto: Amanda Perobelli/Reuters - 29/07/2019

Concessões

No caso das empresas envolvidas na Lava Jato, segundo interlocutores de duas companhias, a situação financeira é de extrema dificuldade na obtenção de empréstimos e no acesso ao mercado de garantias. Sem as garantias, há empecilhos para participar de licitação.

“Quando se fala em investimento em obra, às vezes se pensa só no contrato de obra pública pura e simplesmente, quando existem outras formas e o principal mecanismo para viabilizar algumas obras talvez seja por meio de novas concessões. É o concessionário que vai contratar o empreiteiro para realizar essas obras, essa também é uma possibilidade de execução de obras por empresas que no passado tiveram problemas”, afirma André Luiz Freire, sócio da área de Direito Público do escritório Mattos Filho, e advogado de construtoras, fundos de investimento em infraestrutura, concessionárias e outros.

Setor da construção civil aposta em "novo PAC" para se reerguer. No primeiro mandato de Dilma, em 2013, o setor teve R$ 179,6 bilhões de receita bruta, comparado com R$ 68,2 bilhões em 2021 Foto: Werther Santana/Estadão

O perfil das vencedoras de concessões, aponta o advogado, também mudou nos últimos anos. “Nas últimas (concessões) quem ganha já não são mais os empreiteiros, que dominavam”, afirma Freire. A Acciona, por exemplo, em quarto lugar no ranking das maiores empresas da área, é uma empresa espanhola que assumiu as obras da Linha 6-Laranja do Metrô de São Paulo, ao comprar o contrato do consórcio Move São Paulo, que havia sido formado pela Odebrecht TransPort, a Queiroz Galvão e a UTC Engenharia - as três com punições severas pelos casos de corrupção apontados na Lava Jato.

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O ranking das dez maiores construtoras do País de 2022 é composto por OEC, Construcap, U&M, Acciona, Construtora Barbosa Mello, Racional Engenharia, Fagundes Construção, Agis Construção, Álya Construtora (antiga Queiroz Galvão) e A.Yoshii Engenharia. Andrade Gutierrez e Camargo Côrrea não foram contempladas no ranking por falta de dados.

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“Existe ainda expectativa do setor de que esse governo busque resgatar essas empresas que foram envolvidas na Lava Jato, mas isso não será fácil”, afirma o interlocutor de uma das empresas. A esperança dentro das empresas com o governo Lula é lastreada nas falas do presidente, que costuma argumentar que a Lava Jato deveria ter pensado em maneiras de punir executivos que cometeram ilícitos, mas preservar as empresas.

No caso da Odebrecht, em depoimento a procuradores, o patriarca da família, Emilio Odebrecht, narrou a proximidade mantida com Lula antes e durante o governo do petista - que seguia bom relacionamento dele e da empresa com outros governantes.

“O que não pode é quebrar a empresa como quebrou. Hoje você não tem empresa para fazer uma grande obra”, disse Lula, em entrevista concedida na semana passada ao site Brasil 247, repetindo frases ditas durante a campanha eleitoral. “O que não dá é para um país do tamanho do Brasil, com as empresas de engenharia que tinha o Brasil, agora para fazer uma obra qualquer ter de trazer uma empresa chinesa, uma empresa espanhola”, afirmou o presidente.

Ribeiro, presidente do Sinicon, afirma que é preciso garantir isonomia às empresas, para que todas fiquem no mesmo patamar diante de anúncios de investimento em infraestrutura. Um dos pleitos das empreiteiras para dar fôlego ao caixa é a repactuação das multas devidas à União e estatais pela confissão do cometimento de crimes de corrupção na Lava Jato.

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As envolvidas na Lava Jato pedem à Controladoria Geral da União para renegociar os prazos ou valores devidos nos acordos de leniência. O governo chegou a ventilar a ideia de fazer as empresas pagarem as multas com a realização de obras públicas, mas a proposta foi mal recebida entre empreiteiras.

“Nós trabalhamos com empresas que muitas vezes negociam esses acordos de leniência e muitas delas têm um passivo grande a ser resolvido, a ser pago. E diminuíram muito os projetos de infraestrutura e algumas empresas estavam passando por dificuldades”, afirma Renato Portella, sócio de Compliance e Ética corporativa do Mattos Filho.

Essas empresas, diz ele, querem mudar prazos, renegociar e eventualmente mexer no valor por algum erro material no cálculo. Como o Estadão revelou, Novonor, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e UTC estão no grupo que tenta renegociar o pagamento das dívidas da leniência. As cinco leniências firmadas com a União somam R$ 8 bilhões, dos quais cerca de R$ 1 bilhão foi pago até hoje. Procuradas para comentar o assunto, Novonor, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Queiroz Galvão não se manifestaram.

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