Consumo modesto das famílias no segundo trimestre contribui para frear PIB, aponta FGV

Falta de fôlego reside na aquisição de bens em segmentos mais dependentes do crédito, enquanto a compra de itens essenciais e serviços permanece resiliente, mostram dados

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RIO – Em meio ao ambiente de juros altos e endividamento elevado, os brasileiros permanecem com dificuldade de recuperar o patamar de consumo de produtos não essenciais que exibiam no pré-pandemia, segundo cálculos da Fundação Getulio Vargas (FGV) obtidos com exclusividade pelo Estadão/Broadcast.

No segundo trimestre deste ano, o Consumo das Famílias cresceu modestamente, alta de 0,4% em relação ao primeiro trimestre, contribuindo para o freio no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, que teria subido apenas 0,2% no período, conforme estimou a FGV. A falta de fôlego reside na aquisição de bens em segmentos mais dependentes do crédito, enquanto a compra de itens essenciais e serviços permanece resiliente.

O Consumo das Famílias como um todo encerrou o mês de junho em patamar 3,85% superior ao nível pré-pandemia, de fevereiro de 2020. O consumo de bens não duráveis estava 4,93% acima, e o de serviços estava 7,53% acima. Por outro lado, a aquisição de bens semiduráveis permanecia 11,50% abaixo do patamar pré-covid, enquanto a de bens de consumo duráveis estava 4,58% aquém, conforme dados desagregados do Monitor do PIB obtidos pelo Estadão/Broadcast.

Compra de itens essenciais e serviços pelas famílias permanece resiliente Foto: JF Diório/Estadão

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“A gente teve que aumentar muito a taxa de juros, foi necessário para conter a inflação. Isso acaba tornando esses bens que normalmente recebem mais financiamentos mais caros. Então as famílias acabam postergando o que elas podem de compras de duráveis”, justificou Juliana Trece, coordenadora do Monitor do PIB no Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre/FGV).

Os dados da FGV consideram a série histórica encadeada do volume consumido pelas famílias já com ajuste sazonal. O resultado oficial do PIB brasileiro no segundo trimestre será divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta próxima sexta-feira, 1º de setembro.

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Segundo a Pesquisa Mensal de Comércio, apurada pelo IBGE, o volume de vendas do comércio varejista encerrou junho em patamar 3,0% acima do nível de fevereiro de 2020, no pré-pandemia de covid-19. No varejo ampliado — que inclui as atividades de veículos e material de construção, as vendas operavam 4,8% acima do pré-pandemia. No entanto, apenas metade dos segmentos investigados funcionava acima do pré-crise sanitária: artigos farmacêuticos, combustíveis, supermercados, veículos e material de construção.

Permaneciam consideravelmente aquém do volume vendido no pré-crise sanitária as atividades de móveis e eletrodomésticos (13,1% aquém do nível de fevereiro de 2020); outros artigos de uso pessoal e domésticos, que incluem as lojas de departamento (16,9% abaixo); vestuário (19,6% abaixo); equipamentos de informática e comunicação (20,3% abaixo); e livros e papelaria (37,4% abaixo).

As vendas de veículos superaram em junho pela primeira vez o nível pré-pandemia, impulsionadas pelo programa de descontos do governo para a aquisição de carros populares. O incentivo ajudou o desempenho do varejo ampliado no mês, mas o varejo restrito ficou estagnado.

Embora o varejo restrito esteja há três meses sem avanço nas vendas, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) elevou sua projeção para o volume vendido no ano de 2023, de 1,6% para 1,8%, graças ao início do ciclo de cortes na taxa básica de juros.

No último dia 2, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central anunciou uma redução de 0,50 ponto porcentual na taxa básica de juros, a Selic, que passou de 13,75% ao ano para 13,25% ao ano, o primeiro corte desde agosto de 2020. Com o início do ciclo de afrouxamento monetário, a CNC ficou mais confiante na recuperação das vendas de setores dependentes do crédito ainda no segundo semestre.

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“É uma melhora marginal para esse ano, por conta de uma percepção de que os juros vão cair na ponta”, justificou Fabio Bentes, economista da CNC.

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Bentes lembra ainda que o cenário prevê impactos positivos de medidas de governo, como uma possível regulamentação do juro rotativo do cartão de crédito e a implementação do programa de renegociação de dívidas Desenrola.

“Existe uma agenda paralela de sinal claro de reativação da aceleração do nível de atividade econômica. Do ponto de vista das variáveis tradicionais, é o juro que deve capitanear esse processo. Isso é um efeito que a gente só vai observar de forma mais contundente e mais constante lá no ano que vem, só em 2024. Mas essa agenda paralela, que é muito difícil de quantificar também, sem dúvida, vai contribuir para a construção de um cenário melhor para consumo”, acrescentou Fabio Bentes.

A CNC revelou na semana passada que a propensão dos brasileiros ao consumo melhorou em agosto, impulsionada pelo freio na inflação no País. A Intenção de Consumo das Famílias (ICF) cresceu 1,4% em relação a julho, descontados os efeitos sazonais, para 101,1 pontos, o maior patamar desde abril de 2015. O indicador retornou à zona de otimismo, acima dos 100 pontos, pela primeira vez em mais de oito anos, frisou a entidade.

Apesar da resiliência maior que a esperada mostrada pela economia brasileira no primeiro semestre, a demanda doméstica seguiu praticamente estável no período, comprometendo o resultado não apenas de alguns segmentos do varejo, mas, consequentemente, também da indústria de transformação, ponderou o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

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“A indústria, como tem sido a regra, foi o setor que pior se saiu na primeira metade do ano”, avaliou o Iedi, que calcula uma queda de 0,3% na produção no primeiro semestre. “O quadro geral é de estagnação industrial.”

O Monitor do PIB da FGV estima que houve um avanço de 0,5% no PIB da indústria de transformação no segundo trimestre de 2023 ante o trimestre imediatamente anterior. O resultado é positivo, mas ainda insuficiente para recuperar as perdas dos trimestres anteriores: depois de ficar estagnado no terceiro trimestre de 2022, o PIB da indústria de transformação caiu 1,3% no quarto trimestre do ano passado, seguido de recuo de 0,7% no primeiro trimestre deste ano.

(A produção de) Máquinas e equipamentos para a própria indústria já somam sete trimestres seguidos de queda, dando um mau indício para o investimento do setor”, alertou o Iedi.

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