A equipe econômica tem uma meta ambiciosa para o ano que vem: zerar o déficit primário das contas públicas. Ou seja: fazer com que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) consiga gastar, descontando o que paga com os juros da dívida, o equivalente ao arrecadado.
A proposta de zerar o rombo, no entanto, é vista com ceticismo pelo mercado financeiro. Um termômetro importante dessa desconfiança pode ser apurado pelo relatório Focus, produzido pelo Banco Central, com base na projeção de uma centena de economistas. Para os analistas, o governo deve colher um déficit de 0,71% do PIB em 2024, um resultado um pouco melhor do que o esperado para este ano (-1% do PIB).
Por ora, na tentativa de cumprir a meta fiscal estabelecida, o governo dá sinais de que deve priorizar o aumento da arrecadação, em vez de optar por melhorar a qualidade dos gastos públicos e elencar as prioridades do País, para definir quais áreas e programas merecem receber recursos públicos.
Sem medidas concretas para a despesa, apontam os analistas, a equipe econômica não vai conseguir entregar os resultados prometidos. O Ministério do Planejamento diz que trabalha numa estratégia de revisão de gastos, mas ainda não fez anúncios concretos. “O governo tem de ter juízo e fazer reformas que permitam cortar gastos”, afirma Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central.
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A conta fica ainda mais difícil de fechar porque o governo tem bancado gastos bilionários. Respaldado pela eleição do ano passado, o novo governo Lula colocou de pé uma série de medidas com impactos relevantes: concedeu reajuste real (acima da inflação) para o mínimo, aumentou o salário de servidores e ampliou os recursos para os programas de transferência de renda.
Dentro do governo também existe uma grande incerteza fiscal, que levou uma parte dos aliados do presidente Lula a defender a mudança da meta. Na proposta de Orçamento para o ano que vem, por exemplo, o governo prevê a necessidade de arrecadar R$ 168 bilhões em novas receitas para alcançar o déficit zero.
Para tentar turbinar a arrecadação, o Ministério da Fazenda enviou uma série de projetos ao Congresso Nacional. O governo já conseguiu aprovar a lei do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), que retoma o voto de qualidade a favor da Fazenda. A medida, diz o governo, pode ter um impacto de R$ 54,7 bilhões em 2024.
Mas há batalhas mais duras e que não têm amplo apoio dos parlamentares, como as que mexem com o andar de cima da sociedade brasileira - tributando os investidores de fundos offshore, fora do País, e exclusivos, também chamados de fundos dos “super-ricos”.
O problema das contas públicas se tornou um dos principais nós do Brasil. Além do rombo esperado para 2024, os analistas projetam déficits de 0,50% do PIB e 0,30% do PIB em 2025 e 2026, respectivamente. Mais uma vez, é um cenário bem diferente do apresentado pelo governo, que promete encerrar a atual gestão com um superávit (saldo positivo) de 1% do PIB.
“O que me preocupa é exatamente o médio prazo”, afirma Felipe Salto, economista-chefe e sócio da Warren Rena. “O problema é como o governo vai dar sustentação ao novo arcabouço nos próximos anos, já que ele não vai conseguir ficar tirando da cartola, todo ano, medidas pelo lado da receita. Há, portanto, um encontro marcado com o lado do gasto”.
Endereçar o problema fiscal não é trivial, mas peça-chave para que a percepção de risco dos investidores com a economia brasileira seja cada vez menor, ajudando na queda de juros e, consequentemente, no crescimento econômico.
Nesta segunda-feira, 18, o Estadão começa uma série de entrevistas com economistas para apontar qual caminho pode ser adotado pelo País para melhorar a qualidade do gasto público e encaminhar o problema fiscal, sem que haja um grande custo para a sociedade. A primeira delas é com o economista Affonso Celso Pastore.
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