Copom fala em economia sobreaquecida em ata para justificar alta ‘gradual’ dos juros

Banco Central reforça que próximos ajustes na Selic e magnitude total do ciclo de aumento dos juros serão determinados pelo seu ‘firme compromisso de convergência da inflação à meta’

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Foto do author Cícero Cotrim
Foto do author Célia Froufe
Atualização:

BRASÍLIA - O Comitê de Política Monetária (Copom) repetiu, na ata da sua mais recente decisão, que os próximos ajustes na Selic e a magnitude total do ciclo de aumento dos juros serão determinados pelo seu “firme compromisso de convergência da inflação à meta”, assim como já constava no comunicado da última quarta-feira, 18. O documento foi divulgado nesta terça-feira, 24, pelo Banco Central e detalha o que levou a cúpula da instituição a realizar o primeiro aumento da taxa no terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.

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“O cenário, marcado por resiliência na atividade, pressões no mercado de trabalho, hiato do produto positivo, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas, demanda uma política monetária mais contracionista”, diz o documento, repetindo o mesmo texto usado no comunicado.

Na semana passada, o colegiado aumentou a taxa Selic em 0,25 ponto porcentual, de 10,5% para 10,75% ao ano. Na segunda-feira, 23, o relatório Focus mostrou que o mercado voltou a aumentar as projeções para o aperto monetário, estimando elevação da taxa Selic até 11,75% ao ano em janeiro de 2025, com altas de 0,25 a 0,5 ponto porcentual nas três próximas reuniões. Mesmo assim, as expectativas de inflação também voltaram a aumentar.

Projeções do BC para a inflação de todos os anos estão abaixo das medianas do mercado Foto: André Dusek/Estadão

Na ata, o comitê repetiu que os próximos ajustes na taxa Selic dependerão, também, “da evolução da dinâmica da inflação, em especial dos componentes mais sensíveis à atividade econômica e à política monetária, das projeções de inflação, das expectativas de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos”.

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O BC também trouxe novamente as mesmas projeções de inflação que já constavam no comunicado. A estimativa para o IPCA acumulado em quatro trimestres no primeiro trimestre de 2026 — o horizonte relevante da política monetária — é de 3,50% no cenário de referência, com a trajetória de juros extraída do Focus (até 13 de setembro) e dólar partindo de R$ 5,60 e evoluindo conforme a Paridade do Poder de Compra (PPC). Essa estimativa considera uma alta de 3,90% para os preços administrados e de 3,40% para os livres.

A autoridade monetária espera que o IPCA feche 2024 em 4,30%, com alta de 4,20% para os preços administrados e de 4,40% para os livres, e desacelere a 3,70% no próximo ano, considerando uma taxa de 4% para os preços administrados e de 3,60% para os livres. O BC repetiu a tabela inaugurada no comunicado recente.

As projeções do BC para a inflação de todos os anos estão abaixo das medianas do mercado, que indicam inflação de 4,37% em 2024, 3,97% em 2025 e 3,88% nos 12 meses encerrados em março de 2026, conforme o relatório Focus.

Busca por transparência

O Copom dividiu em três “dimensões” a dinâmica de como se deu a discussão sobre a condução da política monetária, que levou à alta da Selic para 10,75% ao ano na semana passada.

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“Em primeiro lugar, o comitê avaliou que o cenário, marcado por resiliência na atividade, pressões no mercado de trabalho, hiato do produto positivo, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas, demanda uma política monetária mais contracionista. O comitê ao longo do tempo tem delineado sua função de reação, tornando transparente sua forma de agir, e perseguirá plenamente seu mandato”, explicou o documento.

Em segundo lugar, o comitê relatou que julgou que o início do ciclo deveria ser gradual de forma a, por um lado, se beneficiar do acompanhamento diligente dos dados, ainda mais em contexto de incertezas, tanto nos cenários externo como doméstico, mas, por outro lado, permitir que os mecanismos de transmissão da política monetária que possibilitarão a convergência da inflação à meta já comecem a atuar. “Todos os membros do comitê concordaram em iniciar gradualmente o ciclo de aperto de política monetária”, explicitou a ata.

Em terceiro lugar, o comitê informou que debateu o ritmo e a magnitude do ajuste da taxa de juros, bem como sua comunicação. “Em virtude das incertezas envolvidas, o comitê preferiu uma comunicação que reforça a importância do acompanhamento dos cenários ao longo do tempo, sem conferir indicação futura de seus próximos passos, insistindo, entretanto, no seu firme compromisso de convergência da inflação à meta”, trouxe o documento.

Convergência mais desafiadora

O Copom afirmou que segue avaliando que a atividade econômica e o mercado de trabalho domésticos vêm apresentando maior dinamismo do que esperado, levando a uma reavaliação do hiato do produto para o campo positivo.

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Na ata, foi relatado que vários membros enfatizaram que a dinâmica da atividade foi uma dimensão bastante relevante no período recente, enfatizando as surpresas para o comitê e para os analistas de mercado, tal como retratado na pesquisa Focus. “Esse ritmo de crescimento da atividade, em contexto de hiato agora avaliado positivo, torna mais desafiador o processo de convergência da inflação à meta”, considerou.

O colegiado observou que a conjunção de um mercado de trabalho robusto, política fiscal expansionista e vigor nas concessões de crédito às famílias segue indicando um suporte ao consumo e consequentemente à demanda agregada. “Em síntese, à luz da atualização dos dados de atividade do período e dos modelos apresentados, o comitê concluiu que o hiato está em campo positivo.”

O comitê salientou também que houve manutenção do dinamismo no mercado de trabalho, verificando-se ganhos reais nos salários nos últimos meses. “Como não há evidência de aumento significativo de produtividade, tais ganhos podem refletir pressão no mercado de trabalho”, cogitaram.

A esse respeito, conforme o documento, alguns membros enfatizaram a evidência de falta de oferta de trabalho em alguns setores. A ata explicou que os integrantes do Copom discutiram, então, o impacto potencial do mercado de trabalho sobre a inflação. “Argumentou-se que não há evidência ainda de que pressões salariais estejam impactando preços, mas ressaltou-se que o crescimento real de salários, em se mostrando persistente e acima de ganhos de produtividade, acabará tendo impacto sobre preços.”

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O comitê pontuou, porém, que o momento e a magnitude desse canal de transmissão permanecem incertos.

Política fiscal crível

O esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia, com “impactos deletérios” sobre a potência da política monetária e, consequentemente, sobre o custo de desinflação em termos de atividade, afirmou o Copom.

O comitê repetiu que monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros. “Ademais, notou-se que a percepção mais recente dos agentes de mercado sobre o crescimento dos gastos públicos e a sustentabilidade do arcabouço fiscal vigente, junto com outros fatores, vem tendo impactos relevantes sobre os preços de ativos e as expectativas”, escreveram os diretores do colegiado.

A cúpula do BC voltou a dizer que uma política fiscal crível, embasada em regras previsíveis e transparência em seus resultados, em conjunto com a persecução de estratégias fiscais que sinalizem e reforcem o compromisso com o arcabouço fiscal nos próximos anos são importantes elementos para a ancoragem das expectativas de inflação. Também são essenciais para a redução dos prêmios de riscos dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária, de acordo com o documento.

O comitê informou que incorpora em seus cenários uma desaceleração no ritmo de crescimento dos gastos públicos ao longo do tempo. “Políticas monetária e fiscal síncronas e contracíclicas contribuem para assegurar a estabilidade de preços e, sem prejuízo de seu objetivo fundamental, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego.”

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Desancoragem das expectativas

Informação que vem sendo repetida por vários porta-vozes do Banco Central recentemente, a ata do Copom reforçou que a desancoragem das expectativas de inflação é um fator de desconforto comum a todos os membros do colegiado. “A reancoragem das expectativas é um elemento essencial para assegurar a convergência da inflação para a meta ao menor custo possível em termos de atividade”, enfatizou o documento.

O comitê também avaliou que a condução da política monetária é um fator fundamental para a reancoragem das expectativas. O colegiado se comprometeu a continuar tomando decisões que salvaguardem a credibilidade e reflitam o papel fundamental das expectativas na dinâmica de inflação.

Sobre o ciclo de crédito, a avaliação da cúpula do Banco Central é a de que segue com expansão em volume e redução de taxas na maior parte das linhas, tanto nas concessões às famílias quanto às empresas. “Observa-se maior apetite ao risco na oferta de crédito, mas a leve piora na qualidade das concessões de crédito às famílias ainda não se transformou em aumento de materialização de riscos”, ponderaram os integrantes do colegiado, acrescentando que as captações no mercado de capitais seguem fortes.

Aumento das projeções de inflação

O Copom concluiu que o cenário prospectivo de inflação se tornou mais desafiador, com o aumento das projeções de inflação de médio prazo, mesmo condicionadas em uma trajetória de taxa de juros mais elevada.

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“O comitê avaliou que os dados referentes à inflação sugerem uma deterioração da composição da inflação, ainda que o número agregado não tenha divergido significativamente do que era esperado no trimestre anterior”, pontuaram os integrantes do colegiado.

Eles salientaram também que identificaram uma interrupção no processo desinflacionário no período mais recente: as taxas de inflação de bens industriais e de alimentação no domicílio cresceram na margem, possivelmente refletindo a depreciação cambial e um cenário mais desafiador advindo do clima. Concomitante a isso, ressaltaram que a inflação de serviços, que tem maior inércia, assumiu papel preponderante na dinâmica desinflacionária no estágio atual.

“Debateu-se então o papel da dinâmica do mercado de trabalho e das expectativas de inflação para a determinação da inflação de serviços”, explicaram sobre o andamento do encontro. “Concluiu-se que a inflação corrente, medida pelo índice cheio ou por diferentes medidas de núcleo, em níveis acima da meta, em contexto de dinamismo da atividade econômica, torna a convergência da inflação à meta mais desafiadora.”

Como já adiantado no comunicado da semana passada, o comitê avaliou que há uma assimetria altista em seu balanço de riscos para os cenários prospectivos para a inflação. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se uma desancoragem das expectativas de inflação por período mais prolongado; uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado; e uma conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham impacto inflacionário, por exemplo, por meio de uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada.

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Entre os riscos de baixa, a ata ressaltou apenas dois pontos: uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada e os impactos do aperto monetário sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado.

Desinflação, com IPCA acima da meta

O Copom reconheceu textualmente que, embora espere uma trajetória de desinflação, as suas projeções continuam indicando que o IPCA permanecerá acima da meta, de 3%, ao longo de todo o horizonte relevante.

O colegiado espera que o IPCA atinja 3,5% no acumulado de 12 meses até março de 2026, considerando a trajetória de juros embutida no Focus (até 13 de setembro) e uma taxa de câmbio que parte de R$ 5,60 e evolui conforme a Paridade do Poder de Compra (PPC), o chamado “cenário de referência.”

Dúvidas sobre os EUA

O Copom reforçou que o ambiente externo permanece desafiador, em função do momento de inflexão do ciclo econômico nos Estados Unidos, o que “suscita maiores dúvidas sobre os ritmos da desaceleração, da desinflação e, consequentemente, sobre a postura do Fed”.

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O colegiado enfatizou que os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas em um ambiente marcado por pressões nos mercados de trabalho. “O comitê avalia que o cenário externo, também marcado por menor sincronia nos ciclos de política monetária entre os países, segue exigindo cautela por parte de países emergentes”, alertou.

Em relação ao cenário doméstico, a cúpula do Banco Central citou que o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho tem apresentado dinamismo maior do que o esperado, o que levou a uma reavaliação do hiato para o campo positivo. A ata ressaltou também que a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) cheio assim como medidas de inflação subjacente se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes. O documento lembrou que as expectativas de inflação para 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 4,4% e 4,0%, respectivamente.

Incerteza global

O Copom enfatizou que a taxa de câmbio do real apresentou volatilidade entre as duas últimas reuniões do colegiado, refletindo as diversas alterações no cenário doméstico e internacional. O documento pontuou que “movimentos abruptos” exigem mais cautela na condução da política monetária local.

O comitê reiterou que não há relação mecânica entre a condução da política monetária norte-americana e a determinação da taxa básica de juros doméstica, tampouco entre a taxa de câmbio e a determinação da Selic. “Como usual, o comitê focará nos mecanismos de transmissão da conjuntura externa sobre a dinâmica inflacionária interna e seu impacto sobre o cenário prospectivo”, trouxe o documento.

“Reforçou-se, ademais, que um cenário de maior incerteza global e de movimentos cambiais mais abruptos exige maior cautela na condução da política monetária doméstica”, continuou.