Políticas de ‘tolerância zero’ contra a covid-19 ainda causam estragos na economia da China

Efeitos da pandemia, que foram seguidos por restrições sanitárias severas, travam produção e consumo

PUBLICIDADE

Publicidade
Por Keith Bradsher (The New York Times)

THE NEW YORK TIMES - Três semanas depois de Xi Jinping, o principal líder da China, tentar reanimar a economia estagnada do país, abrindo mão abruptamente das restrições rigorosas contra a pandemia, ele adotou um tom otimista em seu discurso anual na véspera de ano-novo. “A economia da China tem forte resiliência, grande potencial e vitalidade”, afirmou.

No entanto, não é fácil perceber esse otimismo no centro de Guangzhou, o centro comercial do sul da China. Quase três anos de medidas de “tolerância zero contra a covid” destruíram as empresas. As ruas estão repletas de lojas e escritórios de portas fechadas. As paredes estão cobertas não com cartazes de vagas de emprego, mas com placas de “vende-se”. As estradas e becos antes repletos de trabalhadores agora estão praticamente vazios.

Sem vagas, trabalhadores vendem roupas nas ruas de Guangzhou Foto: Gilles Sabrie/The New York Times

PUBLICIDADE

A revogação das restrições contra a covid pela China no início de dezembro tinha como objetivo ajudar lugares como Guangzhou. Mas a estratégia caótica contribuiu para um tsunami de infecções que se espalharam por todo o país, sobrecarregando hospitais e funerárias. Em muitos setores, os motoristas de caminhões e outros trabalhadores adoeceram rápido, aumentando de forma temporária a carga de trabalho dos demais funcionários e desacelerando operações.

Agora, perante uma epidemia imprevisível – e descontrolada – e uma insegurança financeira, as pessoas e as empresas estão gastando com cautela, sugerindo que o caminho para a recuperação será irregular e doloroso.

Publicidade

A China também está enfrentando desafios maiores fora de suas fronteiras. A economia global está desacelerando, puxada pela inflação elevada, crise energética e instabilidade geopolítica. Conforme os consumidores americanos e europeus apertam seus orçamentos, o país asiático encara cada vez mais um duplo baque na redução da demanda, tanto no país quanto no exterior.

A redução nos gastos diminui ainda mais as margens de lucro já escassas ou inexistentes de muitas das pequenas empresas privadas que alimentam a economia chinesa.

Em Guangzhou, Tony Tang, proprietário de um ateliê que produz roupas femininas, disse que suas vendas caíram dois terços no ano passado. A concorrência entre as pequenas fábricas na China e no exterior é feroz, reduzindo o preço de atacado de r uma jaqueta feminina sem marca de US$ 14 (cerca de R$ 77) para US$ 11,30 (R$ 62).

O quadro de funcionários de Tang encolheu de 30 para 10, mas não há escassez de mão de obra. Quando ele precisou de um trabalhador para ajudar a costurar uma encomenda de blusas, foi até uma esquina com um cartaz feito de papelão e contratou um profissional em poucos minutos e pagando cerca de 16% a menos do que há mais ou menos um ano.

Publicidade

O problema, segundo Tang, é a falta de encomendas. Seu ateliê tem “muitos trabalhadores, mas não há trabalho a ser feito”, disse ele.

Encolhimento

A atividade industrial da China encolheu ainda mais em dezembro, ao mesmo tempo que as infecções se espalhavam rapidamente faziam os trabalhadores pararem, atrapalhavam as entregas e diminuíam a demanda, de acordo com uma pesquisa com fabricantes divulgada pelo governo chinês no sábado passado.

Segundo a mesma consulta, para o setor de serviços, os negócios estavam tão ruins quanto no início de 2020, durante o lockdown em quase todo o país depois do primeiro surto de covid na cidade de Wuhan. Restaurantes e outras empresas fecharam no mês passado porque os clientes permaneciam em casa para evitar infecções ou porque estavam doentes.

“A epidemia teve um grande impacto na produção e na demanda das empresas, na assiduidade dos funcionários, na logística e na distribuição”, disse o Gabinete Nacional de Estatística num comunicado que acompanhou a divulgação dos dados da pesquisa.

Publicidade

A produção já estava em queda em novembro, quando muitas cidades e regiões da China impuseram bloqueios totais aos residentes em uma tentativa inútil de conter os surtos. As concessionárias de automóveis estão repletas de carros. As lojas quase não precisam encomendar reposições para suas prateleiras, pois continuam cheias de mercadorias encalhadas.

A NIO, fabricante de automóveis elétricos na província de Anhui, no centro-leste da China, disse que os surtos de covid afetaram sua cadeia de suprimentos e reduziram suas entregas de carros em dezembro. A Tesla interrompeu a produção de veículos em sua fábrica em Xangai na última semana de dezembro, uma medida que Yale Zhang, diretor-gerente da Automotive Foresight, uma consultoria em Xangai, viu como um sinal de queda nas vendas no país e em outros lugares, em parte porque outras montadoras estão produzindo mais carros elétricos.

Fôlego

No entanto, mesmo com muitas cidades e províncias em meio a surtos mortais que silenciaram ruas outrora movimentadas, em outros lugares, há os primeiros sinais da retomada da atividade econômica. Em algumas cidades no norte da China, como Pequim, onde os surtos generalizados já atingiram o pico, as pessoas voltaram a sair recentemente.

A flexibilização das regras de quarentena ajudou a impulsionar as vendas de passagens aéreas antes do feriado do Ano Novo Lunar no fim de janeiro. A retirada das restrições onerosas contra a covid, como testes diários de PCR em pessoas e mercadorias importadas, tem poupado tempo e dinheiro às empresas e aos trabalhadores.

Publicidade

Xu Zeqiang, um motorista de caminhão de Yangjiang, uma cidade no sudeste da China que é um centro de produção de facas e tesouras, disse que ele e seu companheiro de boleia agora conseguiam fazer uma viagem de ida e volta de Yangjiang para os portos de Shenzhen, a 321 quilômetros, em um dia, em vez de dois ou três dias. “Antes, talvez nos parassem para mostrar resultados de exames de PCR e fazer verificações do código sanitário – agora isso não é mais necessário, você pode ir e vir a qualquer momento”, disse ele.

Muitos fabricantes europeus na China foram obrigados a operar com cerca de metade de sua equipe habitual durante duas ou três semanas, afetando um pouco a produção, disse Klaus Zenkel, presidente da Câmara de Comércio da União Europeia no sul da China. Como precaução contra os bloqueios totais, muitas empresas acumularam peças de reposição em seus armazéns antes da onda de covid e têm dependido delas para continuar funcionando.

No entanto, para economizar, alguns pequenos fornecedores de componentes específicos interromperam as operações um pouco antes das comemorações do Ano-Novo Lunar, que começam em 21 de janeiro. “Todos deram um jeito de continuar de alguma forma, para manter os danos no

Prejuízo

Os estragos provocados pelas políticas de “tolerância zero” contra a covid à atratividade antes imbatível da China como centro de manufatura podem ser difíceis de se remediar. Os lockdowns e as fronteiras fechadas atrasaram ou interromperam as entregas de mercadorias e impediram muitas empresas de enviar compradores às fábricas. Alguns varejistas globais, percebendo o risco da dependência excessiva da China, recorreram, em vez disso, a outros países em busca de suprimentos. O Walmart, por exemplo, planeja aumentar as importações da Índia para US$ 10 bilhões (R$ 54,5 bilhões) por ano até 2027.

Publicidade

O Partido Comunista comprometeu-se a estimular a demanda interna para recuperar o crescimento. Mas convencer as pessoas a gastar depois de três anos de atividades sendo paralisadas a todo instante e lockdowns penosos não vai ser fácil. Muitos trabalhadores chineses agora estão procurando formas de repor suas economias, mesmo com a aproximação das comemorações do Ano Novo Lunar, uma época em que as famílias costumavam esbanjar.

“Os salários como um todo estão bem baixos, não dá para ganhar muito dinheiro”, disse Gong Shuguang, um trabalhador do setor de vestuário em Guangzhou. “Quero encontrar outros empregos”, disse ele no final de dezembro. “Trabalho aqui há mais ou menos oito anos e este é o pior deles.” /TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.