BRASÍLIA - A privatização dos Correios não tem mais previsão de sair do papel este ano, embora o presidente Jair Bolsonaro tenha dito nesta semana que a venda da estatal de correspondências estaria “na reta”. A fala do presidente foi entendida muito mais como uma tentativa de repetir o discurso liberal de defesa do “Estado menor possível”, que já foi usado nas eleições de 2018.
Na prática, porém, o governo Bolsonaro caminha para terminar o mandato concluindo a venda de apenas duas grandes estatais, a Eletrobras (focada na geração e transmissão de energia) e a Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa).
No Senado, o projeto de lei que dá aval à desestatização dos Correios está engavetado, e aliados de Bolsonaro ouvidos pela reportagem não enxergam possibilidade de movimentação neste ano.
Na equipe econômica, a declaração de Bolsonaro foi entendida como uma referência aos estudos de privatização tocados pelo governo, que já estão avançados, com fases concluídas, como a de consulta pública. O Ministério da Economia, no entanto, não pode avançar com outras etapas e com a venda sem o aval do Congresso.
O próprio presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano, responsável pela formulação da privatização, já descartou a privatização para este ano. Em recente entrevista ao Estadão/Broadcast, ele admitiu que não há mais tempo para o certame acontecer em 2022.
O plano de privatização dos Correios, estatal criada em 1969 que tem mais de 90 mil empregados, não começou no governo Bolsonaro. A ideia foi anunciada ainda no governo de Michel Temer (MDB), em 2017. Mas não houve nenhum andamento efetivo.
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Eleito com a ajuda do discurso liberal encabeçado por Paulo Guedes, Bolsonaro então incluiu os Correios e mais 16 outras estatais na fila de venda. Foi só em 2021, contudo, que o governo entregou ao Congresso as propostas para viabilizar a privatização dos Correios e da Eletrobras. Enquanto a venda da companhia de energia elétrica caminhou - ao custo de alguns “jabutis” incluídos no projeto que encareceram ainda mais a conta de luz -, o projeto que viabilizaria a venda da estatal de correspondências travou no Senado.
Com a Câmara sob comando de seu aliado, Arthur Lira (Progressistas-AL), Bolsonaro conseguiu uma vitória em agosto do ano passado, quando os deputados aprovaram sem dificuldades a proposta que permitiria a privatização dos Correios. Assim que a proposta chegou ao Senado, contudo, o Planalto só enfrentou dificuldades. O líder do MDB, Eduardo Braga (AM), encabeçou forte relutância à proposta, que até então era relatada por um correligionário, o ex-emedebista Márcio Bittar, hoje filiado ao União Brasil.
Além de resistências políticas e da pauta tomada pela CPI da Covid, o governo passou um grande período sem liderança no Senado, o que enfraqueceu ainda mais a possibilidade de avanço do projeto, que também pouco mobilizou Bolsonaro pessoalmente.
Com o avanço do ano eleitoral, o time de Guedes passou a admitir que a venda não sairia neste ano. A equipe continuou tocando os estudos que poderiam ser realizados sem o aval do Congresso, junto do BNDES. Por eles, conclui-se, por exemplo, que a melhor opção para a desestatização dos Correios seria a venda de 100% das ações, casada a uma concessão dos serviços postais.
Privatização para aumentar investimentos
Para justificar a privatização dos Correios, a equipe econômica alega que não há segurança sobre a capacidade de investimentos futuros da companhia. Portanto, a privatização evitaria, na visão da pasta, que os cofres públicos sejam responsáveis por investimentos da ordem de R$ 2 bilhões ao ano. Essa exigência se apresentaria como uma condição à sobrevivência dos Correios em meio à transformação digital do setor. O governo costuma apontar que o volume de correspondências segue em declínio acentuado no Brasil, com uma queda de volume de 29% entre 2019 e 2020.
O setor de encomendas apresentou crescimento de 15% em itens entregues no mesmo período, com a ampliação do comércio eletrônico, e já representa a principal fonte de receita dos Correios (mais de 50% da receita bruta em 2020). Esse aumento da receita de encomendas, contudo, vem acompanhado da perda de participação da estatal no mercado.
Por outro lado, quem se opôs ao projeto argumentou, principalmente, que a privatização não garantiria que os Correios mantivessem seu papel social e sua capilaridade no Brasil (presença na grande maioria dos municípios). O receio de fechamento de agências em cidades menores foi um dos grandes pontos que alimentaram a resistência do Senado ao projeto, apesar de o governo garantir que o modelo de venda exigiria a manutenção da atividade nesses municípios.
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