A falta de profissionais qualificados está afetando obras de construção civil espalhadas pelo País inteiro. Hoje o mercado sofre com a escassez de pedreiros, mestres de obra, carpinteiros, armadores, eletricistas e até engenheiros.
O problema é resultado da disputa de mão de obra entre construtoras do setor imobiliário e grandes empreiteiras, que estão em busca do mesmo profissional. Esse cenário tem sido impulsionado pela proximidade das eleições municipais e a corrida das prefeituras para executar obras de infraestrutura.
Apesar da diminuição dos lançamentos imobiliários neste ano na cidade de São Paulo e no Brasil, a procura por mão de obra não esfriou, afirma o presidente do Sindicato da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), Yorki Estefan. “Estamos erguendo hoje obras lançadas no passado”, explica.
Ele observa que a execução dos empreendimentos imobiliários está a todo vapor e também as obras públicas estão bastante aceleradas. “Hoje está faltando tudo”, diz o executivo, fazendo menção à mão de obra para construção.
O retrato da disputa por trabalhadores para erguer obras públicas de infraestrutura e obras imobiliárias do setor privado é nítido nos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho.
Entre admissões e contratações, o saldo de postos de trabalho na construção civil acumulado entre janeiro e agosto deste ano foi de 224.482 vagas, aponta levantamento da LCA Consultores. Deste total, o setor privado respondeu por 65% das contratações.
É uma participação bem menor do que foi no ano anterior (77,2%). Já a fatia das obras públicas de infraestrutura no saldo de postos de trabalho da construção civil como um todo, que era de 22,8% entre janeiro e agosto de 2022, subiu para 35% no mesmo período deste ano.
“Hoje tem mais competição (por mão de obra) para as construtoras (do setor imobiliário), diz Bruno Imaizumi, economista da LCA e responsável pelo levantamento. Ele observa que governo e empresas ligadas à execução de obras de infraestrutura estão contratando num ritmo mais acelerado.
Além disso, entra na disputa por trabalhadores o setor de serviços. O economista lembra que, desde a crise de 2015/16, muitos demitidos da construção civil foram trabalhar com transporte por aplicativo, por exemplo. Desde então, esse setor e outros começaram absorver a mão de obra que potencialmente poderia se empregar na construção.
A dificuldade de contratar profissionais qualificados já tinha sido apontada no primeiro trimestre deste ano por 74,03% das construtoras e incorporadoras em pesquisa da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).
Ricardo Michelon, vice-presidente da área de Relações Trabalhistas da CBIC, afirma que os resultados da pesquisa continuam válidos. “Temos tido dificuldade na contratação de mão de obra qualificada.”
De acordo com a enquete que ouviu 800 companhias do setor, quem lidera o ranking das profissões de mais difícil admissão é a de mestre de obra, com 18% das empresas apontado escassez, seguida por pedreiro de acabamento (16,37%), eletricista (10,10%), encarregado geral (9,97%), carpinteiro (41%), entre outras.
EBM Desenvolvimento Imobiliário, maior incorporadora do Centro-Oeste, por exemplo, que em 2019 tinha três canteiros de obra e hoje tem 16, enfrenta a falta de mão de obra. “É um gargalo para o mercado como um todo”, afirma Marcos Túlio Campos, diretor de Incorporação da empresa.
Essa escassez de profissionais tem pressionado custos. “O metro quadrado se valorizou, estamos conseguindo vender mais, mas a nossa margem, de certa forma, está sendo espremida pelo custo da construção, pressionado pela falta de mão de obra”, explica o executivo.
A construtora Sousa Andrade, de Goiânia (GO), onde ocorre um boom de vendas de imóveis de alto padrão, é outra que enfrenta dificuldade para contratar profissionais qualificados. “O grande desafio é a mão de obra. Faltam armadores, serventes, mestres de obra, pintores”, diz o CEO da empresa, Murilo Andrade.
Envelhecimento
Além da disputa pelos mesmos profissionais entre construtoras do setor imobiliário e empreiteiras de obras públicas, ao longo dos últimos anos vem ocorrendo mudanças estruturais na oferta da mão de obra para a construção civil. Michelon, da CBIC observa que a idade média do trabalhador desse setor tem aumentado ao longo do tempo.
Um levantamento mostra que, em 2011, jovens entre 18 e 24 anos representavam 17,58% da mão de obra da construção civil. Em 2021, essa fatia tinha recuado para 11,74%.
Filho de mestre de obra não quer ser mestre de obra, pedreiro ou carpinteiro, diz Antonio de Sousa Ramalho, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de São Paulo (Sintracon-SP). “Isso dificulta a renovação dos recursos humanos”, acrescenta Michelon.
O que o setor enfrenta hoje, na opinião de Ramalho, é um “apagão” de mão de obra. Estefan, do Sinduscon-SP, lembra que, no passado, o estoque de trabalhadores formais empregados na construção civil superou a marca de 3 milhões de profissionais. Depois, com a recessão de 2015/16, recuou para 1,8 milhão. Agora está em 2,6 milhões de trabalhadores e, mesmo com essa recuperação, falta mão de obra.
Reflexos
Um dos reflexos da escassez é o atraso nas entregas dos imóveis que, segundo o presidente do sindicato dos trabalhadores, não chega a ser generalizado e varia de empresa para empresa.
“As construtoras estão fazendo das tripas o coração para não comprometer os prazos”, admite Estefan, ressaltando que a carência de mão de obra atrapalha o cronograma das obras.
Outro desdobramento é a elevação do custo da mão de obra. Apesar de as construtoras serem forçadas a pagar mais pelos profissionais, Ramalho, do Sintracon-SP, diz que não houve alta significativa do salário médio formal. Isso porque, segundo ele, as empresas só podem colocar mais duas horas extras por dia, o que resulta em 20% a mais no salário formal no holerite. A saída, para resolver a escassez de mão de obra, tem sido contratar informalmente esse profissional por tarefa, escapando, assim, dos encargos trabalhistas e impostos.
Um pedreiro, por exemplo, que recebe R$ 2.600 mensais, pode chegar a ter um salário formal de R$ 3.120, acrescido de 20% de hora extra. Mas, na prática, consegue tirar R$ 20 mil mensais informalmente, trabalhando de 12 a 14 horas por dia, se aderir ao trabalho por tarefa, calcula o presidente do sindicato dos trabalhadores.
“Tenho 30 equipes percorrendo obras e conscientizando os trabalhadores que não é vantajoso aderir ao trabalho por tarefa, porque perdem os acréscimos proporcionais no 13º salário, nas férias, no FGTS e na multa, em caso de demissão”, afirma sindicalista.
O presidente do Sinduscon-SP rebate Ramalho e afirma que para os trabalhadores que são funcionários de construtoras ligadas à entidade a remuneração adicional aparece no holerite. Ele pondera, no entanto, que essa prática pode ocorrer em uma empreiteira subcontratada, empresa sobre a qual a entidade não tem controle.
Programas de qualificação
Uma alternativa para ampliar a oferta de mão de obra tem sido investir em programas de qualificação. Desde 2021, o Sintracon-SP, em parceria com o Sebrae e Senai, já formou 1.318 trabalhadores para o setor, entre eletricistas, pedreiros, encanadores, gesseiros, por exemplo. Os cursos são gratuitos. O Sebrae e o Senai entram com os professores e o sindicato com a infraestrutura e o material das aulas práticas.
Atevaldo Leitão, diretor do Sintracon-SP, conta que neste mês foi iniciado um novo programa de treinamento, batizado de Qualifica no Bairro. O programa com aulas práticas de várias funções da construção civil vai ocorrer dentro de casas localizadas na periferia da cidade e que precisam de reforma. A ideia surgiu do sindicato em parceria com Instituto de Ensino e Cultura, que fornece os professores.
Leitão conta que os materiais de construção usados na reforma, que é gratuita, serão bancados por quatro construtoras (Kallas, Tecnisa, Roncotec e MRV). Em troca, elas terão acesso ao currículo dos profissionais formados, para possível contratação.
O diretor do Sitracon-SP explica que o diferencial desse projeto é evitar o desperdício dos materiais. Eles são incorporados às residências reformadas. Já nas aulas práticas de cursos tradicionais, os materiais são desperdiçados, pois são usados apenas como um ensaio de reforma.
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