Dólar volta a fechar acima de R$ 5 em reação ao arcabouço fiscal; Bolsa cai 2,12%

Investidores se preocupam com incertezas em relação ao cumprimento das regras propostas pelo governo

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Por Maria Regina Silva e Silvana Rocha
Atualização:

São Paulo, 19/04/2023 - O dólar emendou nesta quarta-feira, 19, o terceiro pregão consecutivo de alta e voltou a fechar acima do nível de R$ 5,00, impulsionado por ajustes técnicos e recomposição de prêmios de risco em meio à percepção de frouxidão da nova proposta de arcabouço fiscal e de perda de força do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dentro do governo Lula. O divisa americana fechou o dia cotada a R$ 5,08, em alta de 2,22%. Já a Bolsa teve queda de 2,12% e fechou em 103.912,94 pontos.

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Pesou ao longo da tarde também o aumento da temperatura política após revelação da presença do agora ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias, no Palácio do Planalto em 8 de janeiro, dia de atos golpistas em Brasília.

Lá fora, o dólar avançou em relação a pares, como euro e iene, e à maioria das divisas emergentes e de países exportadores de commodities, na esteira da alta das taxas dos Treasuries e da redução das apostas em corte de juros pelo Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA) neste ano. Commodities metálicas e petróleo caíram, com o contrato futuro do Brent para junho encerrando em baixa 1,95%, a US$ 83,12 o barril.

Índice Bovespa cai e dólar sobe após encaminhamento do novo arcabouço fiscal.  Foto: JF Diorio/Estadão

Apesar do ambiente externo adverso, ficou evidente hoje o peso dos fatores domésticos sobre a formação da taxa de câmbio. Pares da moeda brasileira, como peso chileno e o rand sul-africano, escaparam da maré externa negativa e apresentaram leve ganho. Já o real, que brilhou na semana passada, amargou hoje, de longe, o pior desempenho entre as principais moedas locais.

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Em alta firme e já acima de R$ 5,00 pela manhã, o dólar acelerou ainda mais o ritmo de ganhos ao longo da tarde e superou a linha de R$ 5,08, em sintonia com mínimas da Bolsa e avanço mais agudo das taxas dos juros futuros. Após registrar máxima a R$ 5,0871 nos minutos finais da sessão, o dólar fechou cotado a R$ 5,0866, em alta de 2,22%. Com valorização de 3,49% nas três sessões desta semana, a moeda passou a apresentar ganho de 0,36% no acumulado do mês.

“O novo arcabouço desagradou, com muitas exceções ao limite de gastos. Estamos vendo um movimento técnico forte hoje, com ajuste para realização de lucros e reversão de posições de quem estava apostando em mais queda do dólar”, afirma o head de câmbio da Trace Finance, Evandro Caciano, para quem também provocou desconforto no mercado o fato de o governo ter voltado atrás ontem na cobrança de impostos nas compras internacionais entre pessoas físicas até US$ 50, com previsão de arrecadar R$ 8 bilhões. “Isso mostrou que Haddad não está com a força que se imaginava no governo e que Lula pode pender para a ala política”, diz.

Parte do aumento do estresse no mercado ao longo da tarde foi atribuído ao mal-estar dentro do governo causado pela revelação do “caso GSI”. Aumenta no Congresso pressão para abertura da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), contrariando o desejo do governo Lula. Teme-se que possa haver prejuízo à tramitação da proposta do novo arcabouço com aumento da temperatura política. Com o mercado já fechado, confirmou-se a informação de que o general Gonçalves Dias pediu demissão do cargo de ministro-chefe do GSI.

A economista Cristiane Quartaroli, do Banco Ourinvest, observa o mercado digeriu mal o texto do arcabouço, que traz uma lista de exceções ao limite de aumento de gastos e lança dúvidas sobre a capacidade de o governo cumprir as metas de superávit primário para assegurar a melhora da relação dívida/PIB. “O desconforto do mercado é maior com as exceções aos gastos. Com todas essas incertezas, o dólar volta a subir e já se aproxima dos R$ 5,10″, afirma Quartaroli.

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À tarde, o Banco Central informou que o fluxo cambial total foi negativo em US$ 3,803 bilhões na semana passada, de 10 a 14 de abril, com saídas líquidas de US$ 2,900 bilhões no canal financeiro. Esse número chama a atenção porque o dólar à vista encerrou a semana passada com baixa de 2,83%. Segundo analistas, a discrepância entre o fluxo cambial e o comportamento da moeda pode ser atribuída ao comportamento dos investidores no mercado futuro de câmbio, onde houve uma forte onda vendedora, com desmonte de hedge cambial por estrangeiros. Esse movimento teria ditado a formação do preço do dólar à vista.

Bolsa

Dados decepcionantes sobre a produção da Vale (ON -2,92%), divulgados na noite anterior, e um quadro macro turbulento, agravado à tarde com a revelação de que o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias, esteve no Palácio do Planalto no 8 de janeiro, mantiveram o Ibovespa em espiral negativa nesta quarta-feira, em que o mercado também digeriu, com amargor, os detalhes do arcabouço fiscal, encaminhado ontem ao Congresso Nacional. No fim da tarde, veio a confirmação da demissão do ministro, a pedido - a primeira baixa na equipe do presidente Lula, no que foi seu 109º dia de governo.

“Dia bem estressado, com frustração do mercado sobre o arcabouço fiscal. Mudança de última hora abriu 13 pontos de exceção à regra, e a sensação é de que haverá furos, não será cumprida mais uma vez, da forma como se viu em anos recentes em que se rompeu o teto. O que veio ontem acabou sendo uma cortina de fumaça”, diz Alan Dias Pimentel, especialista em renda variável da Blue3 Investimentos.

“Ficou claro para o mercado a dificuldade de se mexer em todas as vacas sagradas, todos os beneficiários de isenções, e fazer com que a arrecadação cresça. Até agora tem sido dito que não se mexerá em alíquotas de tributação. É uma resposta fiscal que deixa insegurança muito grande, e uma compensação para não cumprimento das regras muito ruim, e não crível. Governo tem necessidade de novos gastos e não tem um caminho fácil pela frente - provavelmente se chegará ao fim do mandato com uma relação dívida/PIB maior do que se gostaria”, diz Ricardo Campos, sócio e diretor de investimentos da Reach Capital.

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