Duas das linhas de crédito operadas pela Caixa Econômica Federal (CEF) no ano passado, antes da eleição presidencial em que Jair Bolsonaro saiu derrotado, têm impactado a inadimplência do banco público. Suspensos pela nova gestão, o microcrédito SIM Digital e o consignado do Auxílio Brasil apresentam índices de atraso acima da média da carteira do banco.
O microcrédito, lançado no primeiro semestre do ano passado, era destinado inclusive a clientes negativados, e contava com garantia de um fundo estruturado pelo governo federal com R$ 3 bilhões em recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Nesta operação, foram concedidos R$ 2,9 bilhões.
Leia mais sobre economia
O consignado a beneficiários do Auxílio Brasil foi iniciado em outubro de 2022, entre o primeiro e o segundo turnos da eleição presidencial, e a Caixa concedeu através dele R$ 7,6 bilhões em empréstimos. O banco deixou de oferecer a linha no começo deste ano, depois que Rita Serrano assumiu a presidência com a volta de Luiz Inácio Lula da Silva ao Planalto.
No microcrédito, a inadimplência acima de 90 dias está em 88%, ou seja, a cada R$ 10 emprestados, os pagamentos de quase R$ 9 estão atrasados. No consignado, o índice está em 3,37%. Em ambos os casos, os atrasos estão acima da média da carteira do banco, de 2,79%. No final de junho, a Caixa possuía um saldo de R$ 1,062 trilhão em empréstimos, com mais de dois terços destinado ao financiamento imobiliário, que tem risco mais baixo.
No SIM Digital, o fundo de microfinanças ressarciu a Caixa em R$ 575 milhões no primeiro semestre, o que reduz as perdas para o banco. No consignado do Auxílio, o risco fica totalmente na Caixa.
“A inadimplência está relacionada aos descredenciamentos do programa”, disse a vice-presidente de Riscos, Henriete Bernabé, em entrevista à imprensa para comentar os resultados da Caixa no segundo trimestre. Ou seja: se o beneficiário tem agora o Bolsa Família cancelado e há parcelas em aberto, a Caixa tem de cobrá-las de outra forma.
Responsabilidade
Nos dois programas de crédito, a Caixa não possuía exclusividade, mas foi o grande operador. No microcrédito, nenhum outro banco aderiu ao fundo garantidor. No consignado do Auxílio, os grandes bancos preferiram ficar de fora tanto pelos riscos de crédito quanto de imagem.
A presidente da Caixa, Rita Serrano, disse que o banco não pode responder sozinho pelos problemas relacionados ao consignado. Argumentou que outras instituições também aderiram, e que o crédito foi permitido a partir de uma medida provisória aprovada pelo Congresso.
“Se eu estivesse na presidência (do banco) na época, eu não faria o consignado do Auxílio e SIM Digital”, afirmou a executiva na entrevista à imprensa sobre os resultados da Caixa no segundo trimestre deste ano. Até o final do ano passado, Serrano era representante dos empregados no conselho de administração da Caixa, posto em que se opunha à maior parte das políticas do banco ao longo do governo Bolsonaro.
Transparência
Após demandas de veículos de imprensa através da lei de acesso à informação (LAI), a Caixa divulgou documentos sobre a análise técnica do consignado do Auxílio completamente tarjados. Depois que o caso foi revelado, Serrano determinou que as tarjas fossem removidas.
“Todos os dados que a Caixa puder publicizar, ela irá publicizar”, afirmou a presidente do banco. Em ambos os casos, ela disse que determinou a abertura de investigações para apurar se os procedimentos internos de governança da Caixa foram seguidos no lançamento das linhas de crédito.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.