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Crédito garantido do BNDES avaliza R$ 22,6 bi e poderá chegar a R$ 42 bi até o fim do ano

Programa Emergencial de Acesso a Crédito (Peac), principal medida do BNDES para mitigar a crise causada pela covid-19, em 2020, teve limites elevados após ajustes recentes; lei para tornar programa permanente já foi aprovada no Congresso Nacional

RIO - O programa de garantia de crédito para empresas de menor porte do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já superou as expectativas. Em sete meses, de agosto de 2022 até o último dia 23, o programa avalizou R$ 22,6 bilhões em empréstimos concedidos por dezenas de bancos comerciais, valor estimado para ser atingido apenas em dezembro deste ano. Diante do apetite, confirmado pelos principais bancos comerciais, a nova diretoria do BNDES elevou a capacidade do programa. Agora, a previsão é avalizar mais R$ 20 bilhões até o fim do ano, num total de R$ 42 bilhões, enquanto o programa se prepara para se tornar permanente.

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Lançado em meio à emergência da pandemia – o Estadão antecipou os planos sobre a medida em abril de 2020 –, o Programa Emergencial de Acesso a Crédito (Peac) atacou um problema estrutural do Brasil, as dificuldades enfrentadas pelos pequenos negócios para tomar empréstimos, por falta de garantias, como imóveis, fábricas ou fianças corporativas, para oferecer aos bancos. No auge da pandemia, isso poderia, inclusive, tornar inócuas outras medidas de facilitação de financiamentos, causando o que economistas chamam de “empoçamento de crédito”.

O Peac não é uma linha de crédito nem empresta recursos do BNDES. O programa atacou a escassez de garantias lançando mão de um fundo de aval, o Fundo Garantidor de Investimentos (FGI), que o banco de fomento já operava. Fundos de aval, ou de garantia, funcionam como um seguro-fiança para o aluguel imobiliário. Sob determinadas regras, e cobrando uma taxa, oferecem ao tomador do empréstimo a garantia, assim como o seguro-fiança permite o inquilino firmar o contrato de aluguel da moradia sem um fiador. Se o cliente do banco que ofereceu o empréstimo dá um calote, o aval oferecido pelo fundo cobre a perda da instituição financeira. Com o aval, o banco se sente mais seguro de emprestar, porque o risco de calote é menor.

Em 2020, o primeiro passo do Peac foi a capitalização do FGI, com um aporte de R$ 20 bilhões do Tesouro Nacional. Além disso, as regras do FGI foram alteradas, flexibilizando a concessão de garantias para que os bancos participantes do programa pudessem garantir um valor maior de financiamentos. A primeira fase, encerrada em dezembro de 2020, avalizou R$ 92,1 bilhões em empréstimos. Na segunda fase, aberta apenas em agosto de 2022, não houve novos aportes. O Peac garantiu os novos empréstimos com uma “reciclagem” de capital do FGI – à medida que os financiamentos garantidos até dezembro de 2020 vão sendo pagos pelas empresas, retornando aos bancos comerciais, os valores comprometidos nos avais vão sendo liberados.

Esse valor “reciclado” no FGI era, inicialmente, de R$ 2,5 bilhões e foi elevado para R$ 2,9 bilhões recentemente. Outro ajuste foi o aumento da alavancagem – o quanto cada R$ 1,00 do fundo de aval consegue garantir em empréstimos. Ano passado, a diretoria anterior do BNDES estimava uma alavancagem de 8 vezes para a segunda fase; agora, o banco de fomento elevou para 12 vezes.

Estimativa ‘conservadora’

Em nota, o BNDES disse que a estimativa do ano passado “acabou se revelando conservadora”. A elevação da parcela reciclada no FGI foi possível porque a inadimplência do programa foi “inferior à esperada” e porque houve “um melhor resultado de tesouraria do BNDES na administração dos recursos”. “O programa tem uma estimativa aproximada de R$ 42 bilhões no total”, informou o BNDES, “pois as liberações de capital são trimestrais e esse valor reflete a expectativa mais atual”, ou seja, o valor reciclado tende a subir.

Além disso, um projeto de lei (PL) – o mesmo que tratou da conversão em lei da Medida Provisória que ampliou os prazos do Pronampe, outro programa de crédito garantido, operado pelo Banco do Brasil (BB) – vai tornar o Peac permanente e manter no FGI os R$ 20 bilhões aportados em 2020. Quando foi reaberto, em agosto do ano passado, a segunda fase do Peac tinha prazo até o último dia de 2023. A legislação que regia o programa também previa um cronograma para a devolução dos R$ 20 bilhões aportados em 2020.

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O PL foi aprovado em definitivo no Senado Federal no último dia 21 e aguarda apenas a sanção presidencial. Segundo o BNDES, após a sanção da nova lei, ainda serão necessários a regulamentação, a cargo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), medidas administrativas e ajustes tecnológicos.

Mercadante vê instabilidade

Na semana passada, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, defendeu o funcionamento permanente do Peac. “O Congresso Nacional precisa renovar o FGI Peac. Há uma aversão ao crédito. Há uma instabilidade financeira importante, tivemos o episódio (dos problemas contábeis, revelados em janeiro e que podem levar a uma aversão ao risco na concessão de crédito pelos bancos) da Americanas. O FGI Peac é um fundo garantidor que mitiga riscos. Precisamos prorrogar e fortalecer, para poder alimentar o crédito para o setor produtivo”, afirmou Mercadante, no discurso de abertura de um seminário na sede do BNDES, marcado por críticas à elevada taxa básica de juros fixada pelo Banco Central (BC), por parte de economistas como o americano Joseph Stiglitz, vencedor do Prêmio Nobel em 2001.

Em seminário no Rio, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, defendeu o Peac permanente, para enfrentar aversão no crédito Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Ao “mitigar riscos”, o Peac oferece aos pequenos negócios a chance de obter empréstimos que seriam negados por falta de garantias, mas o efeito sobre o custo dos financiamentos é apenas indireto, diferentemente das linhas de crédito do BNDES que, nos governos anteriores do PT, ofereciam juros abaixo dos de mercado. O Peac cobra juros de mercado, definidos entre os bancos e seus clientes, mas tem um teto – na segunda fase, é de 1,75% ao mês, ou 21% ao ano. O problema é que esse nível de juros aperta financeiramente as empresas, inibindo investimentos e o crescimento dos negócios.

“A conta não fecha. O custo para crescer, aumentar emprego, fazer a máquina da economia girar, fica muito mais difícil diante do seu negócio. Ele teria que ser altamente lucrativo. E se for altamente lucrativo, alguma coisa vai acontecer, como aparecer novos entrantes no mercado”, afirmou Raphael Baptista de Camargo, sócio do Grupo Care Club.

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O empresário sente os juros elevados no dia a dia da administração do grupo, que detém duas redes de estúdios de fisioterapia, com as marcas Care Club, voltada para medicina esportiva e preparação física para a prática de esportes, e Club Fisio, para serviços de fisioterapia e reabilitação. Camargo criou o Club Fisio em 2014. A rede tinha quatro unidades quando se fundiu com a Care Club. Combinadas, as redes têm 12 unidades, na capital paulista e em Porto Alegre (RS), com cerca de 310 funcionários.

Segundo Camargo, a Club Fisio tomou um empréstimo de R$ 50 mil em meio à pandemia, com juro vantajoso, de 0,3% ao mês, mas entrou na fusão com a Care Club com a dívida quitada. Após fazer fortes ajustes para enfrentar a pior fase da crise causada pela covid-19, a Club Fisio viu a demanda retomar com força a partir do fim de 2020. Ano passado, o grupo formado pelas duas redes viu crescimento de 30%.

Só que o cenário de crédito mudou radicalmente entre o auge da pandemia, a retomada e os dias de hoje. Os juros passaram das mínimas históricas, em 2020, para os atuais níveis proibitivos. Por causa do aperto financeiro, contou Camargo, o grupo fechou uma unidade da Club Fisio nos Jardins, abriu outra no Jardim Anália Franco, na zona leste, e demitiu em torno de 20 funcionários. Tudo isso para cortar “pela metade” o orçamento da empresa previsto para 2023, diante dos gastos mais elevados com juros. O objetivo, segundo Camargo, é quitar as dívidas, para voltar a investir com recursos próprios.

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“Deixo de atualizar meu maquinário, de abrir novas unidades. Minha estratégia seria continuar rolando a dívida e abrir novas unidades, mas, em vez de abrir novas unidades, quero matar essa dívida”, afirmou Camargo, acrescentando que há “muita demanda” pelos serviços.

Na gestão do Grupo Care Club, os juros altos, e também o rápido vaivém de taxas baixas para elevadas, é um problema maior do que ter garantias para oferecer aos bancos. Mesmo assim, as maiores instituições que operam com o Peac, Santander, Bradesco e Itaú, informaram ao Estadão que veem demanda aquecida pelos empréstimos avalizados pelo BNDES.

“Dado o cenário da Selic e demais indicadores, ampliar os valores das garantias vai possibilitar a manutenção de uma linha de crédito com condições diferenciadas que beneficia o consumidor final”, disse o Santander, em nota.

O Itaú informou, também por escrito, que a demanda pelos empréstimos do Peac “se mantém elevada”, embora, assim como as demais linhas de crédito, sejam “diretamente afetados pelo cenário econômico mais adverso”, que pode “afetar o apetite das instituições financeiras e a propensão dos clientes a contratar por conta das taxas de juros maiores no mercado”.

“Operações com garantia de fundo garantidor têm se mostrado uma ótima alternativa de crédito para as empresas, uma vez que permite a continuidade de oferta, mesmo em cenários econômicos mais adversos”, diz a nota do Itaú.

Certidão negativa

Cristóvão Marques Pinto Jr., sócio da Torino, rede de restaurantes de culinária italiana que tem três unidades em Manaus (AM), teria tomado um empréstimo no Peac para investir em sua terceira casa, inaugurada em meados do ano passado, no Amazonas Shopping. Só que não conseguiu apresentar todas as certidões de quitação de tributos.

“Para quem vem de uma crise de duas pandemias, quem tem certidões em dia? Para empresas pequenas e médias, então, é muito complicado”, afirmou Pinto Jr., ponderando que, apesar das dificuldades, não parou de investir no crescimento dos negócios.

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A Torino começou em 2015, com uma loja de apenas 20 metros quadrados, para trabalhar apenas com entregas a domicílio, abriu o primeiro restaurante em 2017 e o segundo, em 2019, até o negócio ser atingido em cheio pela pandemia, como a maioria dos restaurantes do País.

A origem no delivery permitiu a Pinto Jr. enfrentar o pior da crise sanitária. Na retomada, no segundo semestre de 2020, o empresário recorreu a um empréstimo da primeira fase do Peac para investir na expansão, mas a segunda onda da pandemia começou antes em Manaus, lembrou Pinto Jr. A saída foi usar os recursos para financiar capital de giro, adiando os investimentos só para 2022.

O empresário vê demanda em alguns nichos, especialmente nos focados nos consumidores de renda mais elevada. Se as condições fossem melhores, tomaria empréstimo para expandir. “Hoje, está muito difícil. O valor dos juros está muito alto. Se você pegar um empréstimo, você se complica mais ainda”, afirmou Pinto Jr., que abriu o terceiro restaurante com o caixa da empresa e recursos pessoais. “Vi um nicho, que tinha condição de mercado. Vi que dava para entrar e apostei todas as minhas fichas lá”, completou o empresário, ressaltando que seu “negócio é empreender” e seu “sonho é gerar emprego”.

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