BRASÍLIA - O governo Lula abriu uma nova divergência com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, desta vez no Plano Safra. A disputa gira em torno da ampliação do chamado crédito direcionado para a agricultura, fornecido pelos bancos.
O Ministério da Agricultura, com o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, deseja ampliar a fatia que os bancos têm de destinar dos depósitos à vista e da poupança rural para o crédito agrícola.
O impasse só vai se resolver na próxima reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN), marcada para o dia 29, quando, além de Campos Neto, os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) deverão se posicionar.
Uma reunião da Secretaria de Política Econômica (SPE) com técnicos do BC nesta semana expôs as resistências sobre o tema. Enquanto para o BC o aumento do crédito direcionado diminui a potência da política monetária (ou seja, da taxa de juros) no combate à inflação, a SPE defende o aumento do crédito para um setor que está puxando a atividade econômica. No primeiro trimestre do ano, o agronegócio foi o grande motor do crescimento do PIB, subindo 21,4%.
A medida é mal vista pelo BC, que nos últimos anos optou por incentivar os grandes produtores rurais a buscar crédito no mercado de capitais e deixar os bancos atenderem com empréstimos direcionados ao médio e pequeno produtor. Outro argumento é que, com a reserva ampliada para o crédito rural, outras linhas de empréstimos poderão ficar com menos recursos disponíveis pelos bancos.
Aliados de Campos Neto afirmam que não se pode transformá-lo em vilão e que há restrições técnicas para a mexida. Na bancada ruralista no Congresso, porém, o clima é de pressão sobre o presidente do BC. As alegações também não foram aceitas pelo ministro Carlos Fávaro (Agricultura).
O entendimento é que, sem a maior oferta de crédito direcionado, o primeiro Plano Safra do governo Lula 3 vai operar com taxas de juros elevadas para o setor rural. Neste momento, Lula tenta se aproximar do segmento, de olho no apoio ao governo e também em pautas de interesse do Executivo no Congresso, uma vez que a bancada ruralista tem 300 membros na Câmara.
Para integrantes do governo e parlamentares, Campos Neto demonstra pouca sensibilidade política neste embate e acredita que ele pode acabar sendo derrotado pelo voto no CMN. O presidente do BC vem sofrendo uma ofensiva do governo pela manutenção do patamar da taxa básica de juros (Selic), hoje em 13,75% ao ano.
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Contas públicas
A questão é que o volume do crédito direcionado está, em certa medida, relacionado ao valor que o governo tem de reservar do Orçamento para bancar taxas de juros mais baixas para os produtores, a chamada equalização da taxa de juros -- um tipo de subsídio financeiro que tem impacto direto nas despesas do governo.
Os técnicos do Tesouro Nacional veem problemas em aumentar os recursos subsidiados para o Plano Safra, já que o “cobertor é curto” diante da necessidade de se reduzir o rombo nas contas públicas, promessa do ministro Fernando Haddad. As restrições fiscais são uma barreira para o aumento substancial dos recursos que o governo é obrigado a aportar para subsidiar as operações de crédito do Plano Safra. Uma reunião está marcada para esta segunda-feira, 19, para fechar os valores.
Há dez dias, Fávaro defendeu que o volume de recursos reservados para a equalização de juros alcance R$ 19 bilhões no Plano Safra a ser lançado no mês que vem, o que seria um avanço expressivo em relação aos R$ 3,8 bilhões liberados no ano passado.
Outro voto no CMN, a ministra Simone Tebet tem defendido uma redução dos subsídios do governo, que no ano passado atingiram R$ 581,5 bilhões. Entre os que mais cresceram estão o Pronaf (Programa Nacional da Agricultura Familiar), as Operações de Financiamento do Investimento Rural e o Custeio Agropecuário, definidos no Plano Safra.
Para técnicos da área econômica, o problema é muito maior do que uma definição do direcionamento pelo CMN, já que os ministros de Lula têm maioria no conselho. Eles atribuem o problema a uma falta de coordenação entre os ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, que não se entendem sobre a divisão dos recursos entre pequenos e grandes produtores.
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