RIO - O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro já cresce acima da sua capacidade há sete trimestres consecutivos. Esse descompasso é chamado por economistas de hiato do produto, uma diferença entre o crescimento realizado (PIB corrente) e quanto era o potencial considerando a infraestrutura instalada (PIB potencial).
No terceiro trimestre de 2024, esse hiato do produto ficou positivo em 4%, resultado mais elevado em quase três décadas, segundo cálculos do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), obtidos com exclusividade pelo Estadão/Broadcast.
“Esse é o maior hiato positivo dos últimos 30 anos”, ressaltou Claudio Considera, coordenador do Núcleo de Contas Nacionais do Ibre/FGV.
A última vez em que o hiato esteve mais positivo foi no primeiro trimestre de 1995, em 5,5%, diz o estudo do Ibre/FGV conduzido por Claudio Considera e pela pesquisadora Elisa Andrade.
Quanto mais positivo o hiato, maior a pressão sobre os preços, com a demanda maior do que a oferta. Essa situação foi apontada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central como um dos motivos para a intensificação na alta da taxa básica de juro da economia, a Selic, para tentar retomar o controle sobre a inflação.
“Você tem um excesso de demanda realmente. O Banco Central não está errado na interpretação dele de que há um excesso de demanda”, confirmou Considera.
Depois de passar mais de oito anos operando com ociosidade, a economia brasileira tem rodado acima da sua capacidade máxima produtiva desde o primeiro trimestre de 2023 e, a cada trimestre, o PIB brasileiro tem renovado patamares recordes, sustentado por um consumo também em níveis históricos.
Especialista reforça importância de ajuste fiscal
“Isso mostra uma economia muito aquecida. Isso é bom? É bom, porque tem mais emprego, mas tem mais inflação. Então, se o governo não segura o gasto dele, a inflação vai acontecer mesmo. A única solução que a gente tem para não ficar enfrentando esse dilema é fazer um ajuste fiscal crível, que o mercado acredite que vai dar certo”, sugeriu o coordenador do Ibre/FGV.
Na ata do Copom publicada pelo BC no mês passado — após ter elevado a Selic em 1,0 ponto porcentual, para 12,25% ao ano —, os integrantes mencionaram que o desempenho do PIB do terceiro trimestre mostrou um hiato do produto mais positivo do que o estimado.
“Analisando o período corrente de atividade econômica, persiste um cenário de atividade resiliente com dinamismo maior do que esperado, como evidenciado na divulgação do PIB do terceiro trimestre, levando a nova reavaliação de um hiato mais positivo”, diz a ata do Copom.
O cenário fez o Copom já contratar mais duas altas de 1 ponto porcentual para as primeiras reuniões deste ano. Segundo Claudio Considera, do Ibre/FGV, o atual quadro fiscal tem obrigado o BC a agir de forma mais contundente contra as pressões inflacionárias, elevando significativamente a taxa básica de juros, de forma que contenha a atividade econômica.
“A questão é que o Brasil está precisando crescer”, ponderou Considera.
A solução para um crescimento econômico sem uma abertura maior do hiato, disse o pesquisador do Ibre/FGV, passaria por mais investimentos em bens de capital, que elevassem a capacidade produtiva, e em ferramentas que permitissem um aumento da produtividade da mão de obra já sobreutilizada. Como o atual ciclo de elevação de juros inibe essas duas possibilidades, o ajuste fiscal seria imperativo, afirmou.
“Uma coisa boa é que aumentou o investimento. E o consumo não é ruim, mas você tem que garantir que o ajuste fiscal vai existir. Você tem que tirar o governo da demanda, e deixar o privado ocupar”, explicou Considera.
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Os dados mais recentes das Contas Nacionais Trimestrais, apurados e divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que o PIB cresceu 0,9% no terceiro trimestre de 2024 ante o trimestre imediatamente anterior, já descontados os efeitos sazonais, completando assim 13 trimestres de avanços consecutivos.
Sob a ótica da demanda, o consumo das Famílias expandiu 1,5% no terceiro trimestre de 2024, também a 13ª taxa positiva consecutiva. Já a Formação Bruta de Capital Fixo (medida dos investimentos no PIB) aumentou 2,1%, quarto trimestre seguido de elevações.
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