SÃO PAULO - Para o economista americano Mohamed A. El-Erian, presidente do Queens’ College da Universidade Cambridge e principal assessor econômico da Allianz, a turbulência provocada nesta semana pela quebra de alguns bancos americanos e pela desconfiança em relação ao Credit Suisse deve motivar um aumento da regulação das autoridades globais em torno das instituições financeiras.
Em entrevista ao Estadão/Broadcast, ele disse também estar preocupado com a “atenção excessiva” que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) está dedicando aos movimentos dos mercados financeiros e com a possibilidade de que isso possa influenciar suas decisões sobre as taxas de juros.
El-Erian destacou que não ficaria surpreso se o Fed decidir na próxima semana não subir os juros e declarar que adotou uma “pausa” no ciclo de elevação das taxas. “Se isso ocorrer, ainda teremos um problema de inflação alta, cujo núcleo atingiu 5,5% em fevereiro”, destacou. “Temo que o fato de o Fed ter sido cooptado possa levar o setor financeiro a ditar a política monetária.” A seguir, os principais trechos da entrevista:
O que está ocorrendo com o sistema financeiro global?
Estão acontecendo três fatos. Um deles é uma mudança fundamental no regime de liquidez, no qual saímos de um mundo no qual ela estava disponível facilmente e custava quase nada para um mundo no qual a liquidez é mais difícil de acessar e custa bem mais. Esta mudança de regime tem sido mal administrada pelo Federal Reserve. Foi errado caracterizar a inflação como “transitória” em 2021. E quando os dirigentes reconheceram que não era transitória, moveram-se muito devagar, o que gerou a necessidade de pisar no freio da política monetária (política de juros) com força em um prazo curto em 2022, com altas de 0,75 ponto porcentual dos juros em quatro reuniões consecutivas. Este fato levou a um segundo problema: qualquer instituição financeira que estava fraca, com uma alguma condição preexistente, passou a ficar vulnerável. Há três exemplos: o banco SVB, que possuía descasamento de ativos e passivos, com um ritmo lento de depósitos, o que resultou em saques de US$ 42 bilhões em um único dia, na quinta-feira da semana passada. O segundo exemplo é o aperto de crédito que o Credit Suisse vem registrando. O banco tem problemas há muito tempo e o ambiente atual tende a expor as instituições com tais fraquezas. O terceiro exemplo é o banco First Republic, nos EUA, que foi atingido porque está no lugar errado, na hora errada. É um banco de tamanho médio e as pessoas estão preocupadas com instituições deste porte.
O sr. acredita que o desfecho da situação do Credit Suisse poderá ser a venda para o UBS, como vem sendo especulado?
No caso do Credit Suisse, há os depositantes, os credores de títulos com seguros, os credores de títulos sem seguros e os detentores de ações do banco. Os depositantes estão garantidos, assim como os depositantes do First Republic e do SVB. Mas, como vimos no SVB, os preços das ações podem desabar completamente. Se o Credit Suisse for vendido, eu suspeito que os acionistas levarão um golpe. Mas o importante para o sistema financeiro é que os depositantes estão garantidos.
Qual é o cenário mais provável para o Credit Suisse no curto prazo?
Já faz um bom tempo que muitas pessoas avaliam que o Credit Suisse precisaria realizar uma fusão com outro banco. Mas com quem deveria ocorrer tal operação? Esta não é apenas uma decisão comercial, mas também das autoridades do governo da Suíça. Ele é sistêmico para aquele país, pois é o seu segundo maior banco. É uma decisão para as autoridades do Banco Central da Suíça e também do governo do país. O UBS é um banco com um modelo que o tornou um gestor de riquezas eficiente. Será que o UBS quer adquirir um banco de investimentos?
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A crise do Credit Suisse pode levar a um contágio de outros importantes bancos europeus?
O único contágio que ocorreu com outros bancos foi a queda dos preços de suas ações. E isso faz todo o sentido. Uma das consequências do que está ocorrendo agora no sistema financeiro é que a regulação dos bancos vai aumentar. Isso significa que baixará a velocidade do que os bancos podem fazer, porque as autoridades darão maior peso à segurança do sistema financeiro, o que poderá reduzir o valor (de mercado) dessas instituições.
Como está sua confiança no sistema financeiro global, depois de o Credit Suisse ter anunciado que tomaria um crédito de US$ 54 bilhões do BC suíço e de o Banco Central Europeu ter elevado os juros em 0,5 ponto, indicando que vai continuar no foco do combate à inflação?
Provavelmente estou na mesma condição que eu estava pouco antes de essas medidas terem sido anunciadas. Eu estou mais preocupado com o Federal Reserve. Será irregular o processo de retorno da calma nos mercados financeiros globais. Poucos falam sobre as instituições não financeiras, que compõem o chamado shadow banking, como hedge funds, empresas de private equity, venture capital e certos gestores de ativos. Muitos ficaram acostumados a viver em um mundo com taxa de juros de 0% e liquidez abundante, o que levou a assumirem riscos excessivos. Toda vez que há um choque de alta de juros, a fraqueza de instituições é exposta, o que, por exemplo, atingiu todo o sistema de fundos de previdência do Reino Unido no ano passado.
O Fed cometeu falhas na supervisão dos bancos SVB, Signature e Silvergate?
Há a culpa da administração dessas três instituições financeiras, que foram mal gerenciadas de modos diferentes. Também ocorreu um erro de supervisão das autoridades federais. Quando um banco cresce tão rápido, como o Silicon Valley Bank, que duplicou de tamanho nos últimos dois anos, isso deveria atrair atenção da supervisão oficial.
Por que o sr. disse que está mais preocupado com o Federal Reserve?
Há um ano eu venho dizendo que o Federal Reserve administrou mal todo o ciclo de alta das taxas de juros, o que irá para a história como um dos maiores erros do Fed. Agora, essa avaliação é ainda mais forte. Estou preocupado porque o Fed foi cooptado por questões financeiras. A razão pela qual é necessária a autonomia dos bancos centrais é para conter a chamada dominância financeira. Mas, agora, há a dominância financeira. Por exemplo: em janeiro de 2019, o Fed decidiu parar de subir as taxas de juros basicamente por causa da pressão dos mercados financeiros ocorrida no quarto trimestre de 2018. Eu não ficaria surpreso se o Fed decidir na próxima semana não subir os juros e declarar que adotou uma “pausa” no ciclo de aperto monetário. Se isso ocorrer, ainda teremos um problema de inflação alta, cujo núcleo do CPI atingiu 5,5% em fevereiro. Temo que o fato do Fed ter sido cooptado possa levar o setor financeiro a ditar a política monetária. Eu preferiria que o Fed adotasse uma posição semelhante à do BCE, que elevou os juros para atacar a inflação.
A decisão do BCE de elevar os juros em 0,50 ponto porcentual não tornou mais fácil o trabalho do Federal Reserve para subir os juros dos títulos americanos na próxima semana?
Eu acredito que sim, mas isso requer que o Federal Reserve tenha um comportamento diferente do que vem adotando. Repare o que ocorre com as taxas de juros futuros de dois anos nos EUA, que estão em declínio. Veja o que ocorre com a comunicação do Fed. Ao final da reunião encerrada no dia primeiro de fevereiro, o presidente do banco central, Jerome Powell, citou 11 vezes a palavra desinflação. Depois, apresentou uma outra reação quando foram divulgados os dados do mercado de trabalho de janeiro. Parece que é uma gestão das taxas de juros baseada na administração do fluxo de caixa. A inflação é um problema e em algum momento o Fed precisará ter convicção e estratégia para adotar suas ações.
Qual seria a decisão correta do Fed na próxima quarta-feira?
O Fed deveria dizer que há ainda um problema de inflação elevada nos EUA e por isso decidiu elevar os juros em 0,25 ponto porcentual. Também deveria destacar que está atento à estabilidade financeira e indicar quais os instrumentos que possui para preservá-la. Deveria mostrar que os dois assuntos não estão sendo misturados. Mas eu não sei se o Fed assumirá tais posições, pois tem mudado de postura frequentemente.
Caso o Fed pare de subir os juros na próxima semana, como o senhor mencionou, quais poderão ser as consequências para o sistema financeiro?
O pior cenário seria o Fed adotar a pausa na elevação de juros, os mercados ficarem apreensivos com o problema da inflação e as taxas de juros futuros passarem a subir. Isso poderia trazer impactos aos bancos. Tudo isto poderia agregar mais volatilidade ao sistema financeiro.
Por quanto tempo ainda vamos observar instabilidade nos mercados financeiros?
Dependerá de termos ou não mais erros de política monetária e se outras instituições forem pegas em situação de irregularidade. Eu nunca ouvi falar sobre o banco SVB. Na quinta-feira (9 de março0, a instituição registrou US$ 42 bilhões de saques, o que ameaçou depósitos em outros bancos. No último domingo, o governo dos EUA passou a garantir os depósitos de todos os seus clientes sem limites. E tudo isto ocorreu em apenas quatro dias.
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