Crise deve limitar efeito de estímulos da Caixa ao crédito habitacional

Menos de um ano após limitar financiamento de imóveis, banco volta atrás e tenta injetar ânimo ao setor imobilíario, mas deve esbarrar na falta de confiança e de demanda dos consumidores

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Para analistas, liberar crédito não resolve problema do setor Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

A Caixa Econômica Federal recompôs parte da cota de financiamento para aquisição de imóveis usados e oferece agora condições iguais para compra da primeira e da segunda residência. A decisão do banco foi vista por representantes do setor como uma "correção" da medida tomada há quase um ano, quando houve redução da fatia que poderia ser financiada. Entretanto, diante da falta de confiança dos consumidores em meio à recessão econômica, especialistas apontam que a mudança pode ter impacto limitado.

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Para o economista-chefe do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP), Celso Petrucci, as novas regras agem sobre uma "quebra", de certa forma, do padrão de financiamento. A iniciativa da banco também sinaliza que não faltará recurso no ano de 2016 para financiar imóveis novos ou usados. "Se está ampliando recursos para unidades usadas, o banco indica que tem dinheiro para imóvel novo o ano inteiro", afirmou o executivo.

O vice-presidente executivo da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Renato Ventura, afirmou que a medida deve "oxigenar" o mercado imobiliário como um todo. "Como a cadeia é muito interligada, há uma impacto inicial em usados, que deve se refletir em novos", afirmou o executivo. Ele lembrou que muitos consumidores usam os recursos obtidos com a venda de uma unidade usada para comprar uma nova.

Apesar do ânimo de alguns representantes do setor com as medidas, o presidente da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), Lúcio Delfino, disse que os impactos das mudanças nos financiamento da Caixa devem ser limitados. Para ele, a medida está longe de resolver o fôlego do mercado imobiliário e não vai ter impacto relevante a ponto de provocar aumento de preços ou das vendas.

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Delfino lembrou que, no ano passado, o preço dos imóveis registrou queda real de preços. De acordo com o Índice FipeZap, o valor anunciado do metro quadrado subiu 1,32% em 2015, enquanto a inflação medida pelo IPCA ficou em 10,67%.

Para os consumidores, Delfino acredita que isso pode representar uma chance de conseguir condições mais vantajosas. "A Caixa historicamente tem taxas mais competitivas e isso se reflete em um valor da prestação menor", acrescentou.

Já o presidente do Conselho Regional de Corretores de Imóveis de São Paulo (Creci-SP), José Augusto Viana Neto, ressaltou que o efeito disso pode acabar sendo ambíguo, porque um aumento no porcentual de financiamento também significa elevação do valor da prestação. Mas, no fim das contas, ele acredita que os efeitos são mais vantajosos. "Quem possui 30% do valor do imóvel poderá dar uma entrada", disse.

A Caixa anunciou a elevação da cota de financiamento do imóvel usado, de 50% para 70%, no caso de clientes do setor privado pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH), que envolve unidades de até R$ 750 mil nos Estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal, ou R$ 650 mil nas demais localidades. Para o setor público, a cota foi elevada de 60% para 80%.

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Já os imóveis usados financiados pelo Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), acima de R$ 750 mil, também em Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal, ou superior a R$ 650 mil nos demais Estados, passam a ser financiados em 60%, dos atuais 40%, para o setor privado. Para o setor público, a cota passou de 50% para 70%.

As mudanças revertem em parte medidas tomadas há menos de um ano. Em maio de 2015, a Caixa informou a redução da cota de 80% para 50%, no caso do SFH, e de 70% para 40% no caso do SFI.

Durante o anúncio, a presidente da Caixa, Miriam Belchior, disse que as medidas "têm duplo impacto, uma vez que viabilizam o acesso à moradia para a população e aquecem o segmento da construção civil, gerando mais emprego e renda". Além da cota de financiamento, a Caixa também vai passar a financiar a compra de um segundo imóvel, nas mesmas condições utilizadas para financiar o primeiro. A ideia é que o cliente poderá ter dois imóveis financiados ou mais tempo para vender o primeiro, destacou a presidente do banco.

Falta de confiança. Apesar da intenção da Caixa em estimular o mercado, o problema do setor não está apenas na disponibilidade de crédito, mas também na demanda por unidades residenciais, afirmou o pesquisador da Fipe, Eduardo Zylberstajn. "As pessoas estão com dificuldades no mercado de trabalho e falta confiança para aquisição de um imóvel", afirmou. "O impacto da medida da Caixa não vai ser completo, pois é preciso resolver a demanda também, embora o banco não tenha grande influência sobre isso", afirmou.

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Para Marcelo Tapai, sócio do escritório Tapai Advogados, "o fator mais importante no momento é a questão da confiança, e não a liberação de crédito". Tapai cita que, em um momento de juros altos e queda do preço de venda e aluguel, os consumidores podem fazer as contas e acabar optando pelo aluguel.

Zylberstajn também criticou a volatilidade "nas regras do jogo". Essas mudanças prejudicam o mercado, pois "o consumidor não sabe como serão as normas quando comprar um imóvel", afirmou o especialista. "Isso faz com que o planejamento, de um processo de prazo tão longo, seja bastante afetado", acrescentou. (Colaborou Cynthia Decloedt)

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