THE NEW YORK TIMES – Outrora beneficiário do boom imobiliário da China, Lan Mingqiang é uma vítima involuntária da atual ruína no setor.
Os problemas financeiros de uma incorporadora imobiliária, a Country Garden, fizeram com que ele não conseguisse pagar a mensalidade da escola de seu filho, que está começando o sétimo ano. A Country Garden deve US$ 21 mil para a empresa de Lan, que fabrica cercas e painéis para canteiros de obras. Agora, com a Country Garden prestes a entrar em default (inadimplência), esse pagamento parece mais distante do que nunca.
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“A situação atual do setor imobiliário é difícil”, disse Lan. Recentemente, ele desistiu da empresa e deixou sua família na cidade de Chongqing, no sul do país, para tentar ganhar a vida vendendo lanches para turistas em Zhengzhou, uma cidade no norte da China.
Lan é apenas uma de uma longa fila de pessoas à espera de pagamentos das incorporadoras imobiliárias chinesas. Outrora o maior gerador de empregos do país, o mercado imobiliário também enriqueceu os governos locais e criou uma reserva de riqueza para as famílias. Mas uma ação das agências reguladoras para deflacionar a bolha imobiliária e a desaceleração da economia da China aceleraram uma crise que está se espalhando por todos os lados.
As pequenas empresas e os trabalhadores que prosperaram durante as décadas de boom imobiliário não estão mais sendo pagos. Eles não são uma prioridade na lista de pagamento das incorporadoras, mas uma parte importante do ecossistema habitacional, um grupo que inclui pintores, fabricantes de cimento e construtoras, assim como corretores de imóveis e empresas que mobiliaram os escritórios de vendas.
Como um grupo, os fornecedores estão esperando por pelo menos US$ 390 bilhões em pagamentos, de acordo com a empresa de pesquisa Gavekal Research. E esta é uma estimativa conservadora; o valor provavelmente é maior.
As pessoas querem seu dinheiro e estão tomando medidas para conseguir isso. As ações judiciais e as queixas para as autoridades locais estão se acumulando. Os trabalhadores da construção civil estão colocando cartazes de protesto nos canteiros de obras vazios, fechados com correntes e cadeados. “É vergonhoso atrasar salários”, dizia um deles. “Country Garden, devolva meu dinheiro suado”, lia-se em outro.
Liu Yaonan, corretor de imóveis na província de Guangdong, não tem muita esperança de que a Country Garden algum dia lhe pague. Ele recebeu apenas 75% de sua comissão habitual no ano passado e, segundo ele, ela ainda lhe devia cerca de US$ 8 mil.
Ele disse que ligou inúmeras vezes para a linha direta de reclamações da Country Garden, mas a pessoa que atende as ligações não faz nada a não ser registrar sua queixa.
“Não é justo com as imobiliárias, porque depois que uma incorporadora passa por uma crise de dívidas, o sistema protege primeiro os compradores”, disse Liu. “Os revendedores de materiais, corretores e engenheiros basicamente não conseguem ser pagos.”
Tudo isso está aumentando a pressão sobre a economia da China num momento em que a confiança já está baixa. Anos de lockdowns e outras medidas de prevenção contra a covid pesaram sobre os consumidores, que estão gastando menos. As empresas recuaram nas contratações. Menos pessoas estão comprando casas.
Mais do que qualquer outra empresa, a súbita reviravolta da Country Garden ilustra a gravidade dessa tensão econômica. Há apenas um ano, ela era a maior empresa imobiliária da China em termos de vendas e uma das poucas do setor privado das quais fornecedores e credores podiam depender para pagar as contas.
No entanto, uma queda nas vendas nos últimos seis meses a fez chegar no limite e, em agosto, a perder as esperanças.
A Country Garden não pagou dois pequenos pagamentos de juros sobre títulos. Se não efetuá-los até meados de setembro, quando termina o período de carência, passará a fazer parte de uma longa lista de empresas privadas que entraram em default. Ela também revelou que pode ter perdido até US$ 7,6 bilhões nos primeiros seis meses deste ano.
A mudança drástica do sucesso para a quase falência da Country Garden está agravando os temores de que um fim abrupto esteja à vista para as incorporadoras da China, muitas das quais estão sob estresse há vários anos, conforme as agências reguladoras tentam limitar o financiamento bancário delas.
No início, algumas delas conseguiam continuar com as atividades, mesmo sem pagar suas contas. Elas encontravam outras formas de remunerar os fornecedores.
A China Evergrande, a gigante que deu um calote de centenas de bilhões de dólares em dívidas em 2021, reembolsou alguns de seus fornecedores com apartamentos inacabados em vez de dinheiro, com a justificativa de que eles poderiam vender os imóveis para recuperar o que lhes era devido.
Liao Hongmei passou anos em uma batalha legal para tentar receber US$ 690 mil da China Evergrande. Ela até ganhou, mas a incorporadora ainda não lhe pagou e, na sua opinião, as empresas do tamanho da dela provavelmente nunca verão a cor do dinheiro que a Evergrande lhes deve.
“Nós, pequenos fornecedores, não temos voz”, disse Hongmei, que construiu uma empresa de sucesso há uma década, prestando serviços de marketing e decoração para a Evergrande e seus escritórios de vendas na província de Jiangsu.
De acordo com Hongmei, por volta de 2016, a Evergrande começou a emitir notas promissórias — conhecidas na linguagem financeira como aceitação de letra comercial — para pagamento no prazo de seis meses. Depois, em 2017, começou a dar notas promissórias com vencimento em um ano. O prazo para Hongmei ser paga foi ficando cada vez maior. Mas ela ainda recebeu algum dinheiro até a empresa deixar de pagar suas dívidas em 2021.
Agora, a empresa dela está à beira da falência. Ela processou a Evergrande e ganhou, mas não tem como receber seu dinheiro porque o governo está supervisionando a reestruturação da empresa e a prioridade tem sido garantir que a Evergrande termine os apartamentos que vendeu. No ano passado, a empresa afirmou ter concluído 300 mil unidades e ainda ter outras 720 mil para finalizar, segundo os resultados divulgados em 2022.
Em 17 de agosto, a Evergrande entrou com um pedido de proteção contra falência e sinalizou que está perto de um acordo com alguns de seus maiores credores. A negociação de suas ações foi retomada em Hong Kong na segunda-feira, após ficarem suspensas durante 17 meses. As ações despencaram 79%.
Mas para os donos de pequenas empresas como Hongmei, que está bem atrás numa longa fila com bancos, credores e empresas querendo receber dinheiro, não há muita esperança. Muitos de seus colegas que entraram com ações semelhantes na Justiça desistiram, disse ela. Hongmei disse ter esperanças de que, depois da Evergrande terminar os apartamentos que deve aos compradores de imóveis, ainda reste algo para pessoas como ela.
“Um pouquinho de dinheiro”, disse Hongmei, é seu único pedido. “Mas não parece que isso vai acontecer.”/Tradução de Romina Cácia
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