A percepção dos elevados riscos fiscais no Brasil foi, certamente, a motivação para que fosse editado um pacote tributário visando ao aumento de arrecadação, logo após a posse do atual governo federal.
Assim, foram oferecidas generosas condições para o pagamento de dívidas tributárias, abrangendo anistias e parcelamentos. É certo que esse perdão parcial repercutirá positivamente no aumento da arrecadação, embora não se possa dimensioná-lo, porque condicionado à adesão dos devedores. Acostumados à reedição de iniciativas do gênero, devedores podem interpretar que o próximo perdão será mais pródigo.
Independentemente dos resultados arrecadatórios, a medida constitui um mau exemplo para aqueles que cumprem rigorosamente suas obrigações fiscais. Esses poderão vir a entender que a inadimplência compensa. Melhor teria sido explorar alternativas que não implicassem danos colaterais.
A composição dos órgãos do contencioso administrativo fiscal, no Brasil, está assentada no princípio da paridade de representação do Fisco e dos contribuintes.
Um órgão de deliberação com um número par de membros encerra sempre a hipótese de empate, mormente quando há paridade na representação, como naquele contencioso.
É nesse contexto que foi instituído o voto de qualidade no âmbito federal, conferindo-se essa prerrogativa invariavelmente a um representante do Fisco.
A Lei n.º 13.988, de 2020, extinguiu o voto de qualidade e estabeleceu que, em caso de empate, a decisão beneficiaria o contribuinte. A matéria é objeto de questionamento no Supremo Tribunal Federal (STF) em ação cujo julgamento ainda não foi concluído.
A Medida Provisória (MP) n.º 1.160, recém-editada, visa a restabelecer o voto de qualidade, revogando a legislação de 2020. A justificativa foi a de que lançamentos estavam sendo desconstituídos em razão do critério de julgamento, sem levar em conta que a União poderia estar sendo favorecida justamente pelo critério anterior.
Não se discute, portanto, o mérito dos lançamentos, mas o critério de desempate.
Como a norma prevista na MP pode não ser aprovada no Congresso ou vir a ser afastada por decisão judicial, um mesmo tema, em um curto prazo, pode ser objeto de julgamentos administrativos totalmente diversos, em desfavor da segurança jurídica.
Em um órgão deliberativo com número par de membros, o critério de desempate será sempre arbitrário. Por que não se cogitar um contencioso administrativo fiscal integrado por servidores concursados para a função e com número ímpar de membros, como existe em Pernambuco desde 1978? / Everardo Maciel é consultor tributário e ex-secretário da Receita Federal (1995-2002)
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