A compra das operações brasileiras da LafargeHolcim pela CSN Cimentos, anunciada nesta sexta-feira, 10, deve mudar a cara do setor, abrindo uma disputa acirrada pela segunda posição no mercado nacional, liderado hoje pela Votorantim Cimentos. A Intercement permanece na vice-liderança, mas pode a qualquer momento perder a colocação, já que fica apenas um pouco à frente da empresa de Benjamin Steinbruch.
"A CSN Cimentos, que recentemente comprou a Elizabeth Cimentos, chega muito forte e disputa agora a segunda posição. A Intercement vai ter que pedalar para conseguir se manter na vice-liderança", diz uma fonte.
A Votorantim Cimentos, um dos maiores produtores do mundo, está na primeira posição no Brasil, com capacidade instalada de produção de 52,2 milhões de toneladas por ano. Intercement vem em seguida com 17,2 milhões de toneladas. Com o fechamento da operação desta sexta, a CSN Cimentos passará a ter uma capacidade total de 16,3 milhões de toneladas, apenas 900 mil toneladas a menos que a concorrente. Procuradas, Votorantim e Intercement não comentaram.
"O grupo CSN ganhou bastante dinheiro com o preço elevado do minério e agora está capitalizado. Benjamin Steinbruch se fortalece e mostra bastante apetite para aumentar a sua participação de mercado, o que significa mudar a cara do setor mais para a frente", completa a fonte.
A CSN Cimentos comprou em junho por R$ 1,08 bilhão a Elizabeth Cimentos, que atua na Região Nordeste, em especial na Paraíba e Pernambuco, além da Elizabeth Mineração. A aquisição adicionou uma capacidade produtiva para a CSN Cimentos de 1,3 milhão de toneladas por ano, para um total de 6 milhões de toneladas por ano.
A CSN Cimentos passará agora a ter presença mais abrangente no território nacional. A compra das operações brasileiras da suíça LafargeHolcim foi anunciada por US$ 1,025 bilhão, piso do que se esperava para o conclusão do negócio. A transação inclui as cinco plantas integradas de produção de cimento que operam no País, quatro estações de trituração, seis unidades de agregação e 19 unidades de mistura de concreto.
Com o negócio, são esperadas relevantes sinergias operacionais, logísticas, de gestão e comerciais, com espaço para evolução de mix de produtos e expansão da base de clientes", afirma a empresa em fato relevante. Esse movimento, diz a empresa, se insere na estratégia de expansão da CSN Cimentos em meio à recuperação do consumo de cimento no Brasil, demonstrando a capacidade da empresa de assumir papel de destaque no setor.
A Votorantim Cimentos chegou a pensar na compra, mas não deu andamento ao processo, pois queria adquirir apenas uma parte da empresa. O negócio, então, ficou entre a CSN e a Mizu. A operação saiu por menos do que a LafargeHolcim queria, cerca de US$ 1,5 bilhão, mas a companhia não abriu mão de vender tudo de uma vez e encerrar a sua presença no Brasil.
"Steinbruch, fera em negociação, volta ao jogo bem ao estilo dele, ganhando um bom desconto para a compra da Lafarge", diz a fonte.
Consolidação do setor
O setor de cimentos no Brasil passou por crise entre 2015 e 2018, com perdas de vendas e fechamento de fábricas. O capital estrangeiro deu vigor ao setor e agora há uma nova realidade, com o terceiro ano consecutivo de crescimento, de 3,5% em 2019, 11% em 2020 e expectativa de avanço de 6% neste ano.
"Há um processo de consolidação de mercado, que já sabíamos, viria dos players já instalados no Brasil. Começou com a CRH Brasil, comprada pela BCPAR, empresa controlada pela Buzzi Unicem e Grupo Ricardo Brennand, e avança agora com essa operação da LafargeHolcim", diz o presidente do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (Snic), Paulo Camillo Vargas Penna.
Segundo ele, o setor ganha com mais essa operação uma empresa com vigor, com capacidade de investimentos e que mostra pelo tamanho do negócio que veio para ampliar a sua importância nesse setor industrial.
"Há uma perspectiva enorme de crescimento à medida que se tem uma infraestrutura que começa a dar sinais de retomada. Há um cenário enorme de crescimento com empresas com capacidade de investimentos", diz.
Para ele, a saída da LafargeHolcim mostra a clara intenção da companhia de buscar outros mercados maduros e diversificar a sua atuação. A ideia é usar os recursos em uma outra unidade no exterior, para diversificar a atividade da indústria de cimento ou fazer investimentos para reduzir emissões. O impacto da poluição na Europa, por exemplo, impacta diretamente o valor das ações.
Remédios antitruste
Na avaliação dos analistas Thiago Lofiego e Isabella Vasconcelos, do Bradesco BBI, o negócio pode ser afetado por questões concorrenciais. Segundo eles, remédios antitruste não podem ser descartados na aprovação da compra da LafargeHolcim pela CSN Cimentos.
"Apesar de a CSN ter apenas cerca de 15% da capacidade instalada total do mercado pós-negociação, é importante lembrar que o cimento é um mercado altamente regionalizado. O Cade poderia, portanto, potencialmente implementar algum tipo de remédio na Região Sudeste do Brasil, onde os ativos da CSN e da LafargeHolcim estão mais concentrados", dizem.
Em relatório divulgado na manhã desta sexta, o Bradesco BBI diz que a operação é um passo positivo para a CSN, em linha com a estratégia da empresa de expandir sua presença no mercado nacional de cimento por meio de fusões e aquisições. Os analistas afirmam que o negócio é atraente, levando em consideração a oportunidade da CSN de aumentar os volumes e sinergias potenciais (embora nenhum número tenha sido mencionado).
Segundo o banco, a geração de Ebitda ((lucro antes de impostos, juros e depreciações e amortizações, na sigla em inglês)pode melhorar nos próximos anos, conforme as taxas de utilização melhorarem e a CSN realizar uma reviravolta nas operações. No cenário mencionado (60% de utilização da capacidade e US$ 15 Ebitda/t), o Ebitda seria de R$ 480 milhões. Sem considerar as melhorias na lucratividade, o Ebitda poderia chegar a R$ 650 milhões apenas aumentando as taxas de utilização para 80% nos próximos anos.
"A CSN está atualmente em uma posição financeira sólida após resultados recordes. O pagamento de US$ 1 bilhão em dinheiro não deve levar a um impacto substancial na alavancagem da empresa", comentam.
Segundo o Bradesco BBI, embora se espere que a CSN tente aumentar os volumes da Lafarge o mais rápido possível, as iniciativas de crescimento orgânico devem ser adiadas, especialmente porque o foco estará na extração de sinergias e na melhoria do desempenho operacional dos ativos da Lafarge".
IPO
O analista da Mirae Asset, Pedro Galdi, diz que a compra da LafargeHolcim pela CSN Cimentos abre espaço para um futuro lançamento de IPO (oferta inicial de ações, em inglês) da unidade que pertence a Benjamin Steinbruch. A oferta pública de ações era para ser lançada em julho, mas acabou sendo adiada, com o aumento da volatilidade provocada pelo alastramento da variante Delta do coronavírus eseu impacto na economia.
"A CSN Cimentos está se tornando representativa no setor. Após a recente aquisição, a empresa adquire a terceira maior empresa de cimentos no Brasil. Está tomando porte importante e vejo isto como positivo para quando a janela se abrir para o IPO da empresa, mais à frente", diz.
Segundo o analista, a compra da Lafarge é estratégica neste momento em que a CSN melhorou substancialmente sua estrutura de capital com os recursos originados da abertura de capital da CSN Mineração.
De acordo com o analista Ilan Arbetman, a aquisição elevará em 2,6 vezes a capacidade de produção anual da CSN, alçando a companhia ao top 3 nacional. Ele explica que a operação é relevante, "uma vez que o preço em torno de US$ 1 bilhão mostra que a CSN levará a Holcim por 0,53 vezes, "o que é atrativo", já que, em termos de adição de capacidade, será mais barata que a realizada, por exemplo, na aquisição da Elizabeth Cimentos, que observou um múltiplo de 0,84 vez".
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