Rio - A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) pode instaurar um processo sancionador contra a União e três executivos confirmados como conselheiros da Petrobras, mas que foram reprovados pela governança da estatal por serem “inelegíveis” à luz da lei das estatais (13.303). Os conselheiros são Pietro Mendes, Efrain Cruz e Sérgio Rezende - os dois primeiros ocupam secretarias no Ministério de Minas e Energia (MME), e o outro é liderança partidária do PSB.
No início de abril, a CVM enviou ofício para a Petrobras endossando as reprovações dos nomes, os quais o governo, que representa a União, acionista controlador, insistiu em aprovar na assembleia de acionistas da última quinta-feira (27). A conduta da CVM soou ao mercado como uma espécie de advertência à União e aos executivos em questão, mas que foi ignorada pelo governo. Em agosto do ano passado, o governo Jair Bolsonaro (PL) insistiu em dois conselheiros nesta condição (Ricardo Soriano e Jonathan Assunção), que seguem no colegiado. À época, a autarquia foi alertada pela própria Petrobras. Desta vez, age de forma espontânea, sem ter sido provocada pela estatal.
Especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast afirmam que é possível a União ser sancionada pela CVM. “A Lei das S/A determina que o controlador pode ser responsabilizado caso haja abuso de poder”, diz Felipe Hanszmann, sócio do Vieira Rezende Advogados. Ele cita o artigo 117 da lei, que inclui em sua redação “eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecnicamente”.
Hanszmann lembra que há até um precedente, envolvendo a Eletrobrás. “Foi uma reclamação de alguns anos atrás, em que a União votou o plano de reestruturação de empresas de energia. Ele foi ruim para a Eletrobras, mas positivo para a União. A CVM condenou a União por conflito por interesse. Foi um marco, mas infelizmente a decisão foi reformada no conselho de recursos”, recorda. A sanção, referente a 2012, foi tomada em 2015. Na ocasião, a União foi multada em R$ 500 mil, o valor mais alto previsto até então.
Luiz Antonio Varela Donelli, sócio do escritório Donelli, Abreu Sodré e Nicolai - DSA Advogados, também considera que há previsão legal para a CVM punir tanto o controlador quanto os conselheiros eleitos.
“O estatuto social da companhia, que é o documento base que regulamenta a empresa, prevê quarentena de 36 meses para pessoas com cargos comissionados. E, apesar da decisão do ministro Lewandowski, no estatuto da companhia permanece essa determinação”, pontua Donelli.
A menção do advogado se refere a uma liminar do então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, que, prestes a se aposentar, decidiu pela queda da quarentena de três anos a líderes partidários ou políticos envolvidos em campanhas eleitorais que tentam entrar em estatais, medida que vigorava até então.
Leia mais
Luiz Donelli lembra ainda que a Lei das S/A prevê “responsabilização solidária”, e por isso considera que os conselheiros eleitos também poderão ser punidos. “Eles se candidataram por vontade própria, e sabiam do parecer contrário dos órgãos de governança quanto às suas candidaturas”, pondera. Ele acredita, contudo, que a CVM precisará ser provocada por algum acionista ou outro interessado para abrir eventual processo de responsabilização.
Assembleia
Antes da realização da Assembleia Geral Ordinária (AGO) que elegeu os conselheiros, em 27 de abril, a Petrobras encaminhou ofício à CVM em que assumia formalmente que a assembleia tinha a prerrogativa de eleger membros ao Conselho de Administração da estatal mesmo que eles fossem inelegíveis de acordo com a Lei das Estatais - o que, de fato, acabou ocorrendo.
No documento, a empresa admitiu que isso poderia acontecer à revelia das decisões da sua estrutura de governança. “Lembramos que as manifestações do Conselho de Administração (CA) e do Comitê de Pessoas (Cope) sobre o enquadramento dos indicados aos requisitos e vedações de elegibilidade têm caráter opinativo, e não decisório, sendo a AGO, órgão maior da sociedade, soberana para acatar ou não as recomendações desses órgãos sobre os candidatos submetidos ao escrutínio dos acionistas”, declarou a Petrobras à CVM.
A empresa argumentou que não há norma da autarquia sobre a necessidade de incluir análises do Cope e do CA sobre a elegibilidade dos candidatos, mas que, mesmo assim, incluiu uma recomendação de consulta a fim de chamar atenção sobre as reprovações.
O Estadão/Broadcast pediu posicionamento à CVM e ao Ministério de Minas e Energia, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.