BRASÍLIA – O empresário Daniel Vorcaro, dono do Banco Master, possui uma cartilha com sete princípios para guiar seus negócios. Um deles é se arriscar sempre — “não tomar risco já é um risco” — e outro é escolher as pessoas “com quem se conectar nessa jornada”. No mundo político, Vorcaro seguiu à risca a cartilha que ensina em palestras. Começou a fazer parte dos principais círculos, patrocinou eventos com ministros e banqueiros e hoje coleciona uma rede que inclui petistas e bolsonaristas.
Mais recentemente, as conexões no mercado financeiro e no mundo político levaram o BRB, o Banco de Brasília, estatal do Distrito Federal, a comprar uma fatia do banco de Vorcaro. A negociação, que ainda precisa passar pela aprovação do Banco Central e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), chamou atenção da Faria Lima e de Brasília e tem sido questionada. Procurado pela reportagem, Daniel Vorcaro não quis se manifestar.

Uma das pessoas mais próximas a Vorcaro em Brasília é o senador Ciro Nogueira, presidente do PP e ex-ministro do governo Jair Bolsonaro (PL). De acordo com pessoas próximas ao parlamentar, Ciro foi ouvido antes de o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), dar aval à oferta de compra do Master pelo BRB, e é peça chave na negociação, pois Ibaneis busca apoio para a eleição de 2026, quando pretende se candidatar ao Senado.
O grupo liderado por Ciro Nogueira, que inclui o presidente do União Brasil, Antônio Rueda, ofereceu uma aliança para pavimentar a campanha do atual governador do DF em 2026. PP e União Brasil estão prestes a oficializar uma federação para a disputa.
Ciro Nogueira é padrinho da indicação do atual presidente do Cade, Alexandre Cordeiro, um dos órgãos responsáveis por aprovar a venda do Master. Como o Estadão mostrou, o órgão, que tem como função preservar a concorrência, considera a compra uma “operação simples”. Procurado, o senador não quis falar sobre o assunto. Ibaneis também não se manifestou.
O presidente do Banco Master participou e patrocinou eventos em que esteve ao lado de Ciro Nogueira, outros políticos e empresários. Os eventos são organizados pelo grupo Esfera Brasil, que reúne empresários e a classe política no Brasil e no exterior.
Em um desses encontros, em outubro do ano passado, em Roma, Vorcaro deu uma palestra ao lado de Ciro e disse que o governo precisava enfrentar o buraco fiscal das contas públicas, mas defendeu apoio à gestão Lula, expondo sua escolha de fazer acenos à esquerda e à direita.
“A gente tem pauta de costumes, que eu acho que elas sempre vão existir, sejam de direita ou de esquerda; mas, como empresários, como sociedade, a gente tem que apoiar o governo e ver o lado bom do que tem sido feito”, disse o empresário.
As conversas sobre a venda do Banco Master para o BRB começaram em novembro do ano passado, já incluindo Ibaneis Rocha. Em janeiro deste ano, o BRB iniciou uma auditoria nas contas do Master para ver se o negócio valia a pena. O presidente do BRB, Paulo Henrique Costa, disse que a compra é estratégica para o Banco de Brasília, que entraria em mercados nos quais quer crescer, como o cartão de crédito privado e o banco digital, o Will Bank, que atende clientes de baixa renda.
A opção do BRB de comprar 58% do capital total do Master, sendo 49% em ações ordinárias, com direito a voto, poupou Ibaneis de ter de submeter a compra à Câmara Legislativa do Distrito Federal, onde poderia ser questionado e sofrer desgastes e embates políticos. Segundo técnicos legislativos da Câmara do DF, os deputados distritais teriam de aprovar a proposta, caso o banco público quisesse ficar com a maior parte das ações principais.
Em resposta à reportagem, o BRB afirmou que a decisão foi técnica, não teve interferência política e que não depende de aprovação da Câmara Legislativa (leia mais abaixo).
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Outro ex-ministro de Bolsonaro que se aproximou de Vorcaro foi Fábio Faria, que presta serviço desde 2023 ao banco BTG Pactual. O banco comandado por André Esteves também estuda fazer uma proposta pelo Banco Master, como mostrou o Estadão.
Vorcaro e Faria se conheceram em janeiro do ano passado, durante um almoço da Esfera em Brasília em homenagem ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, junto com Ciro Nogueira. Foi nesse período que o banqueiro intensificou suas viagens à capital federal. Faria não só manteve contato como também apresentou o empresário a outros políticos. Procurado, o ex-ministro não comentou a relação.
Pessoas próximas a Vorcaro o classificam como alguém afável e fácil de fazer amizades. O fato de ser um banqueiro novato na Faria Lima e nos círculos políticos mas ter tido uma ascensão rápida nos negócios e nas rodinhas de líderes partidários e autoridades ajudam a explicar um pouco dessa impressão. Hoje, ele é citado como “uma das pessoas mais queridas” em Brasília por interlocutores.
Ao mesmo tempo, o empresário não deixa passar despercebido um perfil de ostentar riqueza com festas, camarotes e viagens. O banqueiro afirmou ter comprado o Fasano Itaim como pessoa física, é investidor do Clube Atlético Mineiro e fez uma festa estimada em R$ 15 milhões para os 15 anos da filha, que viralizou nas redes sociais.
No entorno de Lula, Vorcaro se aproxima de aliados e consegue encontro com o presidente
As afinidades e os negócios não se restringem a bolsonaristas. Como o banqueiro disse no evento em Roma, ele não diferencia direita de esquerda.
Vorcaro passou a se juntar também com ministros e parlamentares aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O Master contratou o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, e o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega como consultores antes de os dois serem indicados para os cargos no governo e na Eletrobras, respectivamente.
O banco de Vorcaro criou um espécie de comitê consultivo com figuras da política, do mercado financeiro e do Judiciário. Mantega levou o empresário para conhecer pessoalmente o presidente Lula, em Brasília.
O círculo de amizades do banqueiro com aliados de Lula inclui ainda o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e os empresários mineiros Walfrido dos Mares Guia (das áreas de educação e saúde), ex-ministro de Lula, e Lucas Kallas (do setor de mineração) — Vorcaro também é de Minas Gerais.
O baiano Augusto Lima, sócio dele no banco, por sua vez, é amigo do ministro da Casa Civil, Rui Costa, e do líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).
Foi na época de Costa como governador da Bahia que Lima arrematou o Credcesta, programa de crédito consignado dos servidores públicos do Estado. Depois que o atual ministro de Lula privatizou o negócio que dava prejuízo, o atual ministro de Lula ampliou as possibilidades do programa, que hoje inclui outros tipos de serviços financeiros e atende 2 milhões de pessoas, incluindo servidores da ativa e aposentados. O programa foi o responsável pelo impulso inicial do Banco Master em 2019 e replicado para mais de 20 Estados. Lima e Costa também foram procurados, mas preferiram não se manifestar.
Entre 2023 e 2024, sob o governo Lula, Vorcaro esteve três vezes no Palácio do Planalto, sede da Presidência da República, de acordo com os registros de entrada mantidos pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI): nos dias 4 de dezembro de 2023, 1º de março de 2024 e 3 de abril de 2024. Na primeira vez, Vorcaro entrou na mesma hora e o no mesmo minuto que Lucas Kallas, que é sócio do Walfrido. Nas duas primeiras datas, Lula estava em viagem.
O Planalto afirmou que não houve agenda do presidente da República e de nenhum servidor do gabinete pessoal de Lula com Vorcaro. No entanto, pessoas próximas ao banqueiro mineiro e ao presidente confirmaram ao Estadão que o encontro ocorreu, mas fora da agenda oficial do chefe do Executivo.
Para Vorcaro, direita e esquerda são um assunto secundário nas relações políticas e de negócios. Em maio de 2024, durante um evento da Esfera em Nova York, o dono do Banco Master defendeu a união de direita e esquerda em um evento com o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), na plateia. “Eu acho que essa troca de ideias, esse debate, sempre vai ser ser positivo para a nossa nação”, disse.
A Esfera afirmou ao Estadão que é “apartidária e independente” e promove diálogos entre empresas, governos e instituições de forma republicana. “A escolha dos palestrantes e debatedores é realizada pela relevância da autoridade e notoriedade sobre os temas em pauta, sempre em linha com os objetivos da Esfera de promover debates que contribuam para a construção de um país melhor”, disse o grupo.
Em outubro de 2023, enquanto estava em Paris, também com políticos e empresários, Vorcaro afirmou que o Supremo Tribunal Federal (STF) foi guardião da democracia nos últimos tempos, concordando com uma fala do ministro Gilmar Mendes, enquanto assistia a um debate entre Gilmar, o então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o então presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas.
As relações de Daniel Vorcaro levaram políticos a questionar a oferta do BRB, um banco estatal, por um banco privado. A operação também já movimenta a corrida pelo governo do Distrito Federal em 2026. Presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Ricardo Cappelli, que foi interventor federal na segurança pública do DF após o 8 de Janeiro, classificou a operação como “uma das maiores negociatas do País”. Ele é pré-candidato ao Palácio dos Buritis em 2026.
Na última semana, parlamentares acionaram o TCU, o Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), o Ministério Público e o Senado para fiscalizar a negociação. O negócio mobilizou tanto aliados de Ibaneis como opositores, que veem uma chance de se cacifar na disputa por cargos majoritários no ano que vem.
“Nós fomos surpreendidos com essa notícia como qualquer cidadão e deveríamos no mínimo ter sido comunicados”, disse a senadora Damares Alves (Republicanos-DF). Junto com os outros dois senadores do DF, Izalci Lucas (PL) e Leila Barros (PDT), foram até o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, cobrar uma análise rigorosa da operação. Ao sair, Damares enviou a foto do encontro para o WhatsApp de Ibaneis, que respondeu: “Maravilha!”.
BRB diz que decisão de comprar Master foi técnica e sem interferência política
Procurado pela reportagem, o BRB disse em nota que “a decisão de adquirir participação no Banco Master foi conduzida de forma estritamente técnica, alinhada ao plano estratégico da instituição, e amplamente respaldada por instâncias legais, jurídicas e de governança”.
O Banco de Brasília afirmou ainda que a Procuradoria-Geral do Distrito Federal confirmou, por meio de parecer de 17 de março de 2025, que não há necessidade de autorização por parte da Câmara Legislativa do DF para a operação, um entendimento diferente de técnicos do órgão legislativo. A competência para a decisão é do Conselho de Administração do BRB, segundo o parecer levado ao BRB.
“Não houve qualquer interferência externa, seja de autoridades políticas do DF ou de figuras do cenário nacional, no processo de decisão da operação. A governança do BRB é composta por representantes eleitos, profissionais com experiência técnica e foco institucional, que atuam com independência e responsabilidade”, afirmou o banco público.