DAVOS, SUÍÇA - “Mais do mesmo.” “Sem direção.” “Melhorou, mas só que não.” “Mais uma oportunidade perdida.” “De morna para fria.” No mundo do economês, seria o tal do “goldilocks”, termo importado dos contos infantis quando uma economia não está nem muito quente, nem muito fria.
A repercussão do Brasil no Fórum Econômico Mundial, que reúne a elite corporativa e financeira do Planeta, em Davos, na Suíça, está sendo vista com desânimo por banqueiros e executivos que enfrentam o frio e a neve dos Alpes suíços.
A frustração dos interlocutores brasileiros começa com a ausência do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A sensação é que ficou uma lacuna do lado econômico, o que abre ainda mais o espaço para as queixas frequentes em relação ao Brasil. Elas incluem a situação fiscal e a falta de ambição para fazer o País ir além nas agendas de crescimento, social, e também ambiental.
Por sua vez, sobra espaço para outros emergentes, como a Índia. O país preparou uma presença de destaque em Davos, com instalações luxuosas, seminários, palestras e representantes em todos os níveis de governo.
O Estadão/Broadcast ouviu oito representantes importantes do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Em sua maioria, eles mostraram decepção com a ausência de Haddad. Foram raros — se ocorreram — os encontros em Davos nas duas últimas décadas que não tiveram a presença do ministro da Fazenda ou do presidente do Banco Central do Brasil.
Ainda que pesem críticas, o Fórum Econômico Mundial é uma rara oportunidade de vender a imagem do País em um palanque global, a uma plateia seleta, com a possibilidade de moldar a visão daqueles que tomam as decisões de investimentos em seus negócios — e que poderiam considerar o Brasil. Além disso, Haddad é visto hoje como o principal — e talvez o único — protetor de uma política fiscal responsável dentro do governo, fator que segue preocupando os investidores.
A ausência do ministro da Fazenda gerou diversas teses. Para a maioria deles, pesou na decisão de Haddad de não ir a Davos a questão da desoneração salarial junto ao Congresso Nacional. Para um deles, isso por si só não impediria que o ministro fizesse um ligeiro bate-volta entre Brasília e os Alpes suíços, se assim desejasse. Outro não descartou um veto à viagem feito pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estaria com “ciúmes” da projeção que Haddad está tendo entre os agentes econômicos.
No encontro do ano passado, Haddad e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, fizeram uma dobradinha em Davos que agradou e gerou elogios entre os participantes. “Eles foram consistentes ao transmitir a mensagem de que governo recém-eleito estava decidido a recuperar o espaço do Brasil no mundo”, diz um executivo de um banco, na condição de anonimato.
Se na edição passada Marina já foi considerada uma das estrelas de Davos, nesta, a ministra foi a figura solo da delegação oficial brasileira que gerou interesse entre autoridades, executivos e jornalistas estrangeiros por causa de sua biografia e importância na política ambiental do País. No primeiro dia de compromissos, foram mais de 13 horas de conversas, reuniões e palestras, que variaram de um encontro com o CEO do banco holandês Rabobank a uma bilateral com Bill Gates.
“O Brasil voltou e se instalou”, disse Marina, em um painel que reuniu também o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e a ministra da Saúde, Nísia Trindade Lima. A plateia, com capacidade de 88 pessoas, não estava lotada e parte dela era composta por brasileiros que participam do evento.
Ao Estadão/Broadcast, a ministra afirmou que Haddad teve que permanecer no Brasil por causa do G-20, cuja presidência rotatória está com o País, e negou que tenha sido um desprestígio por parte do chefe da equipe econômica. “Ele estaria aqui se não fosse o coordenador. O Haddad preside esse processo e, obviamente, todo mundo aqui entende isso. Se alguém convidasse os organizadores do fórum para ir para a reunião do G-20, já saberíamos qual seria a resposta”, comparou.
Entre os participantes de Davos, houve surpresa com a ausência de Haddad. “Era o momento dele voltar para Davos e mostrar os bons resultados obtidos na economia nos últimos 12 meses, colher os frutos daquilo que prometeu”, disse um deles.
O presidente da Gerdau, Gustavo Werneck, reconheceu um alinhamento “muito grande” entre os ministros brasileiros, o que dá mais chances de os planos do governo avançarem. “Nesse aspecto, a ausência de Haddad não prejudicou”, disse. “Por outro lado, a falta do ministro foi importante porque se falou muito das iniciativas sociais, da transformação energética, mas ficou na minha cabeça, quem vai pagar isso? Faltou a parte econômica”, emendou.
“O ministro está com uma agenda bastante intensa na retomada do ano legislativo. Ele está querendo ganhar todas as horas e dias possíveis para negociar e debater com o Congresso a agenda que ele estabeleceu”, disse o presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, em entrevista ao Estadão/Broadcast.
A organização do fórum, por sua vez, reforçou as expectativas para uma presença mais maciça do Brasil em 2025. “Esperamos que em 2025 o ministro Haddad possa acompanhar o presidente Lula e outros ministros em Davos”, disse a chefe da América Latina e Membro do Comitê Executivo do Fórum Econômico Mundial, Marisol Argueta de Barillas, em conversa com jornalistas.
Mas não é apenas a ausência de Lula ou de Haddad que desanima quem veio até Davos. Há uma percepção entre os antigos participantes do fórum de que o Brasil, há décadas, patina na trajetória de um desenvolvimento econômico e social enquanto outros emergentes, como Índia e vários asiáticos, demonstram um avanço notável.
“Não podemos dizer que o Brasil hoje vai mal, mas o que vemos é um País sem uma direção clara, com objetivos ambiciosos e realistas de médio e longo prazos”, disse um investidor. “Sem falar na percepção de que sempre que há mudança de presidente, o país parece anular boa parte do feito até ali e começar tudo de novo, de uma forma totalmente diferente”, concluiu.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.