Debate sobre taxação de compras até US$ 50 tem uso de pesquisas e ‘guerra de narrativas’; entenda

Tanto as plataformas que importam produtos para pessoas físicas quanto os varejistas nacionais usam a mesma arma: as pesquisas; cada lado, porém, usa critérios e bases de dados diferentes

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Foto do author Talita Nascimento
Atualização:

Uma guerra de narrativas se criou em torno das discussões sobre o fim ou a manutenção das regras do programa Remessa Conforme, que isenta do Imposto de Importação as compras de até US$ 50 em sites que vendem produtos importados.

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Em lados opostos, tanto as plataformas de cross border (que importam produtos para pessoas físicas) quanto os varejistas nacionais usam a mesma arma: as pesquisas. Elas usam critérios que variam de acordo com a tese que se quer provar e têm o mesmo ponto de defesa: o consumidor de baixa renda que seria prejudicado, seja qual for a decisão do governo sobre a taxação.

Há pelo menos três levantamentos circulando pelo mercado: a do Instituto de Pesquisa em Reputação e Imagem da FSB, a da Ipsos com base em dados da Shein, empresa conhecida por sua operação de importação a pessoas físicas, e uma terceira realizada pela Nielsen IQ Ebit. Cada uma aponta para públicos diferentes que eventualmente possam ser prejudicados, porque utilizam critérios e bases de dados também diferentes.

Segundo dados divulgados por entidades da indústria e do comércio, apurados pelo Instituto de Pesquisa em Reputação e Imagem da FSB, apenas 18% das pessoas que ganham até dois salários mínimos fazem compras em sites internacionais, contra 41% de pessoas que ganham mais de cinco salários mínimos. A mesma pesquisa aferiu que, ao perder vendas para essas importações menos tributadas, a indústria e o comércio nacionais deixam de empregar 226 mil pessoas. Assim, as pessoas que ficam sem emprego seriam as que ganham menos e, principalmente, as mulheres, já que 80% das pessoas empregadas nos setores mais afetados pelo Remessa Conforme recebem até dois salários mínimos e 65% são mulheres.

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Shein é uma das principais plataformas interessadas no debate Foto: TABA BENEDICTO / ESTADÃO

Já segundo a Shein, o porcentual de consumidores das classes C, D e E que adquirem produtos internacionais na plataforma da empresa é de 88%, sendo 50% das classes D e E, e 38% da classe C. O número se refere à base total de clientes da plataforma e não aos valores gastos.

Os dados da Nielsen IQ Ebit, referência para dados de varejo, por sua vez, apontam outro cenário: 41% dos compradores de cross border têm renda familiar de até R$ 4.848 (cerca de 3,4 salários mínimos). Ou seja, 59% teriam rendimentos familiares acima disso. Essa pesquisa não faz referência a afetados ou não pela isenção de imposto.

Todos em Brasília

Varejistas nacionais estão em Brasília em busca de isonomia tributária entre a taxação sobre produtos comercializados por empresas brasileiros e aqueles importados por plataformas de cross border. O tema foi inserido no Projeto de Lei do deputado Atila Lira (PP-PI) que cria o Mobilidade Verde e Inovação (Mover), iniciativa que dá benefícios tributários para a indústria automotiva.

“Ser contra o Mover é ser contra o Brasil”, disse ao Estadão/Broadcast o CEO da Lojas Renner, Fabio Faccio, para quem as companhias brasileiras têm vivido um “protecionismo às avessas”, ou seja, quem produz fora do País paga menos impostos do que as companhias que produzem no território nacional.

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O CEO da Guararapes (dona da Riachuelo), Andre Farber, disse que, se a carga tributária de sua empresa for a mesma aplicada a produtos vendidos em sites de cross border que aderiram ao Remessa Conforme, ele se compromete a baixar os preços de suas lojas entre 40% a 50%. A redução dos preços pela metade é endossada por outros varejistas do mesmo segmento.

Hoje, o programa prevê que compras em sites de produtos importados no valor de até US$ 50 não paguem o imposto de importação (de 60%), com o compromisso de que seja recolhido o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) de 17%.

Já o CEO da Leroy Merlin, Ignacio Sánchez Villares, afirmou ao Estadão/Broadcast que a filosofia da empresa não permite que a companhia passe a operar de forma a importar produtos e reproduzir o modelo de negócios de cross borders, o que, hoje, diminuiria a carga de impostos da empresa. “Entre 80% a 85% do que vendemos aqui, produzimos no Brasil”, diz ele, acrescentando que, apesar do compromisso da matriz francesa com o País, “fica cada vez mais difícil justificar investimentos aqui, com regras consideradas tão contraditórias”.

O CEO da Petz, Sergio Zimerman, também intensificou as críticas aos importados, em entrevista ao Estadão/Broadcast nesta quinta-feira, 23. Zimerman é membro do Conselho do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV) e vem se posicionando como um dos principais vozes contrárias às estrangeiras no debate público.

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Impactos

Em nota, o AliExpress, outro site que faz importação para pessoas físicas, afirma que a mudança terá grande impacto, principalmente na população mais pobre, que utiliza as plataformas de e-commerce internacional “para acessar uma rica variedade de bens a preços acessíveis”.

A plataforma calcula que a taxação de produtos importados por plataformas digitais vai encarecer os itens em 92%: “A maior taxa praticada em todo o mundo”, diz a nota. “É o que nós pagamos”, rebate Faccio, da Renner.

A Shein, por sua vez, argumenta que os cálculos tributários são complexos e, por isso, deve ser considerada toda a regulação tributária aplicada aos entes da discussão. A companhia cita, por exemplo, casos em que a alíquota total de imposto é reduzida por determinados benefícios, tomadas de crédito e retorno de investimentos.

“É uma discussão complexa mesmo. O nosso posicionamento é que isso deveria ser discutido da forma ideal e não de uma maneira rápida, de surpresa, com todo mundo em Brasília, de uma hora para a outra. Estamos abertos à discussão e acreditamos que os consumidores também têm que ser ouvidos”, afirmou ao Estadão/Broadcast o responsável pela Shein no Brasil, Felipe Feistler.

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