Decisão de excluir verbas do Judiciário do teto do arcabouço cria precedente ruim, avaliam analistas

STF formou maioria para tirar do limite de gastos da regra fiscal receitas próprias dos tribunais e demais órgãos do Judiciário; julgamento, em plenário virtual, termina dia 11

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Foto do author Amanda Pupo
Atualização:

BRASÍLIA - A exclusão de verbas obtidas pelo Poder Judiciário do limite de gastos do arcabouço fiscal vai apertar ainda mais a gestão das contas públicas do governo federal. Se confirmado o entendimento que já tem maioria do Supremo Tribunal Federal (STF), o governo acabará tendo de compensar essa exceção com aumento de receitas ou corte de despesas em outras áreas, apontaram integrantes da equipe econômica e economistas ouvidos pela reportagem.

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No ano passado, essas receitas próprias fecharam em cerca de R$ 2 bilhões. Além da repercussão prática, a decisão criará mais um precedente ruim de exceções no arcabouço fiscal, avaliam esses especialistas.

A retirada dos valores do limite de gastos foi pedida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ao STF, que julga o caso em plenário virtual. Até agora, cinco ministros seguiram o voto do relator, Alexandre de Moraes, que tira da regra as receitas próprias dos Tribunais e órgãos do Poder Judiciário da União destinadas ao custeio dos serviços relativos às atividades específicas do Poder Judiciário. Portanto, já há maioria, mas a análise será finalizada apenas no dia 11.

A estátua da Justiça, diante do STF: ministros julgam o artigo 19 do Marco Civil da Internet - Foto: Marcelo Casal Jr./Agência Brasil

Esse tratamento deve dificultar a gestão fiscal do governo porque, apesar de não ser contabilizado no limite de despesas, o gasto ainda será contabilizado no resultado primário (saldo entre receitas e despesas, sem contar os juros da dívida), que tem meta e precisa ser seguido pelo Executivo sob pena de sanções.

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No ano que vem, a equipe econômica tem o desafio de promover o primeiro superávit desde a instituição do arcabouço, já que a meta é fazer um resultado positivo de 0,25% do PIB.

“Quem precisará se virar para fazer o resultado primário é o Executivo. Dado que aumentou o teto de gastos deles (do Judiciário), eles vão gastar mais e, portanto, vão prejudicar o (resultado) primário. O Executivo vai ter que fazer esforço para compensar. O Executivo e o Legislativo vão ter que espremer mais a sua despesa para acomodar mais despesa do Judiciário”, disse ao Estadão/Broadcast o economista e pesquisador Marcos Mendes.

Quando foi criado, o arcabouço já previu algumas exceções para o limite de gastos, como as despesas de universidades federais e instituições científicas nos valores custeados com receitas próprias. Ao acionar o STF, a AMB argumentou que o mesmo entendimento deveria ser aplicado às receitas próprias do Poder Judiciário da União. Segundo Mendes, a maior parte dessas verbas vêm da venda da administração da folha de pagamento.

O governo foi contrário ao pedido da associação. Ao STF, a Advocacia-Geral da União (AGU) lembrou que, embora esses gastos sejam excetuados do limite, eles continuam contabilizados no resultado primário, que conta para a meta fiscal.

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Essa situação faz com que, obrigatoriamente, o eventual crescimento desordenado dessas despesas tenha que ser compensado com a redução de outras despesas ou com a criação de novas receitas, a fim de não comprometer o cumprimento das metas.

A AGU ainda alertou que o esforço fiscal compete a “todos os Poderes”. “A insustentabilidade da dívida pública não é problema apenas do Poder Executivo. Ela afeta toda a população brasileira, a quem os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário devem servir”, escreveu o ministro Jorge Messias.

Integrantes da equipe econômica ouvidos reservadamente pela reportagem avaliaram negativamente o entendimento da Corte, especialmente pelo precedente de exceção criado. Para Mendes, a decisão representa mais um avanço dado pela classe jurídica no avanço sobre o Orçamento.

“Já houve outras ações para ampliar o espaço deles no teto. Toda a leitura da decisão a gente vê que é uma coisa corporativa. Argumento de garantir a capacidade do Judiciário de prestar serviço, quando na verdade o custo do Judiciário no Brasil é muito maior do que nos outros países. O Tesouro mostra que o custo dos tribunais no Brasil é 1,37% do PIB, quando na realidade, isso está em 0,2%, 0,3% do PIB”, disse Mendes.

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Ele também critica o paralelismo entre as despesas já excetuadas no arcabouço fiscal e as verbas próprias do Judiciário. O economista cita o exemplo da Embrapa, que desenvolve produtos e vende ao mercado, com isso gerando receita própria.

“A Embrapa cria novas receitas por meio do trabalho, da inovação, mesma coisa com as fundações universitárias. Isso é muito diferente do judiciário, que faz simplesmente cobrança de tarifas de custas judiciais, administração da folha de pagamento. São coisas relativas à gestão de dinheiro público”, apontou.

Para o ministro Alexandre de Moraes, no entanto, igualar o tratamento dessas verbas é uma solução que prestigia a autonomia do Poder Judiciário. “[Solução] se aproxima daquilo que já se pratica entre os tribunais estaduais e não afeta o comprometimento institucional no esforço de recuperação da higidez fiscal. É que as receitas provenientes da União e conformadas pelo orçamento público continuarão a ser regidas pelo teto do regime fiscal sustentável”, afirmou.

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