BRASÍLIA - A exclusão de verbas obtidas pelo Poder Judiciário do limite de gastos do arcabouço fiscal vai apertar ainda mais a gestão das contas públicas do governo federal. Se confirmado o entendimento que já tem maioria do Supremo Tribunal Federal (STF), o governo acabará tendo de compensar essa exceção com aumento de receitas ou corte de despesas em outras áreas, apontaram integrantes da equipe econômica e economistas ouvidos pela reportagem.
No ano passado, essas receitas próprias fecharam em cerca de R$ 2 bilhões. Além da repercussão prática, a decisão criará mais um precedente ruim de exceções no arcabouço fiscal, avaliam esses especialistas.
A retirada dos valores do limite de gastos foi pedida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ao STF, que julga o caso em plenário virtual. Até agora, cinco ministros seguiram o voto do relator, Alexandre de Moraes, que tira da regra as receitas próprias dos Tribunais e órgãos do Poder Judiciário da União destinadas ao custeio dos serviços relativos às atividades específicas do Poder Judiciário. Portanto, já há maioria, mas a análise será finalizada apenas no dia 11.

Esse tratamento deve dificultar a gestão fiscal do governo porque, apesar de não ser contabilizado no limite de despesas, o gasto ainda será contabilizado no resultado primário (saldo entre receitas e despesas, sem contar os juros da dívida), que tem meta e precisa ser seguido pelo Executivo sob pena de sanções.
No ano que vem, a equipe econômica tem o desafio de promover o primeiro superávit desde a instituição do arcabouço, já que a meta é fazer um resultado positivo de 0,25% do PIB.
“Quem precisará se virar para fazer o resultado primário é o Executivo. Dado que aumentou o teto de gastos deles (do Judiciário), eles vão gastar mais e, portanto, vão prejudicar o (resultado) primário. O Executivo vai ter que fazer esforço para compensar. O Executivo e o Legislativo vão ter que espremer mais a sua despesa para acomodar mais despesa do Judiciário”, disse ao Estadão/Broadcast o economista e pesquisador Marcos Mendes.
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Quando foi criado, o arcabouço já previu algumas exceções para o limite de gastos, como as despesas de universidades federais e instituições científicas nos valores custeados com receitas próprias. Ao acionar o STF, a AMB argumentou que o mesmo entendimento deveria ser aplicado às receitas próprias do Poder Judiciário da União. Segundo Mendes, a maior parte dessas verbas vêm da venda da administração da folha de pagamento.
O governo foi contrário ao pedido da associação. Ao STF, a Advocacia-Geral da União (AGU) lembrou que, embora esses gastos sejam excetuados do limite, eles continuam contabilizados no resultado primário, que conta para a meta fiscal.
Essa situação faz com que, obrigatoriamente, o eventual crescimento desordenado dessas despesas tenha que ser compensado com a redução de outras despesas ou com a criação de novas receitas, a fim de não comprometer o cumprimento das metas.
A AGU ainda alertou que o esforço fiscal compete a “todos os Poderes”. “A insustentabilidade da dívida pública não é problema apenas do Poder Executivo. Ela afeta toda a população brasileira, a quem os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário devem servir”, escreveu o ministro Jorge Messias.
Integrantes da equipe econômica ouvidos reservadamente pela reportagem avaliaram negativamente o entendimento da Corte, especialmente pelo precedente de exceção criado. Para Mendes, a decisão representa mais um avanço dado pela classe jurídica no avanço sobre o Orçamento.
“Já houve outras ações para ampliar o espaço deles no teto. Toda a leitura da decisão a gente vê que é uma coisa corporativa. Argumento de garantir a capacidade do Judiciário de prestar serviço, quando na verdade o custo do Judiciário no Brasil é muito maior do que nos outros países. O Tesouro mostra que o custo dos tribunais no Brasil é 1,37% do PIB, quando na realidade, isso está em 0,2%, 0,3% do PIB”, disse Mendes.
Ele também critica o paralelismo entre as despesas já excetuadas no arcabouço fiscal e as verbas próprias do Judiciário. O economista cita o exemplo da Embrapa, que desenvolve produtos e vende ao mercado, com isso gerando receita própria.
“A Embrapa cria novas receitas por meio do trabalho, da inovação, mesma coisa com as fundações universitárias. Isso é muito diferente do judiciário, que faz simplesmente cobrança de tarifas de custas judiciais, administração da folha de pagamento. São coisas relativas à gestão de dinheiro público”, apontou.
Para o ministro Alexandre de Moraes, no entanto, igualar o tratamento dessas verbas é uma solução que prestigia a autonomia do Poder Judiciário. “[Solução] se aproxima daquilo que já se pratica entre os tribunais estaduais e não afeta o comprometimento institucional no esforço de recuperação da higidez fiscal. É que as receitas provenientes da União e conformadas pelo orçamento público continuarão a ser regidas pelo teto do regime fiscal sustentável”, afirmou.