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Inclusão de mulheres na liderança de grandes empresas perde força; confira dados de cada companhia

Presença de mulheres na diretoria e nos conselhos de empresas do Ibovespa cresceu, respectivamente, 14,5% e 22% entre maio de 2022 e maio de 2023; nos 12 meses seguintes, aumentos foram de 1,3% e 3,5%

Foto do author Luciana Dyniewicz

“As pessoas têm de ficar indignadas quando fazem o teste do pescoço e não encontram pessoas diferentes sentadas a seu lado para conversar”, diz Vânia Neves, membro do conselho de administração do Carrefour e diretora global de soluções de tecnologia da Vale.

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Vânia nasceu no subúrbio do Rio. Filha de uma mãe que trabalhou como empregada doméstica e secretária e de um pai mecânico e funcionário público, estudou matemática e começou a carreira como trainee na White Martins. Passou pela farmacêutica GSK antes de chegar à Vale.

Aos 59 anos, ela afirma que, como mulher e negra, a “solidão corporativa” esteve quase sempre presente em sua trajetória profissional. Diz que, em sua carreira, teve de se acostumar a ser mais questionada que seus pares, muitas vezes com sarcasmo. “Procurei me blindar em relação a isso. Quando era diretora júnior, as pessoas eram ainda mais ríspidas comigo. Eu precisava ser assertiva. Mas vi que não era pessoal e também que não iria me masculinizar. Hoje trabalho em ambientes em que tenho respeito.”

Vânia passou a integrar o conselho do Carrefour em junho de 2022, um período relativamente favorável à ascensão feminina no mundo corporativo brasileiro. Entre maio daquele ano e maio de 2023, as grandes empresas do País expandiram o número de mulheres na alta liderança de modo significativo: a presença feminina cresceu 14,5% nas diretorias e 22% nos conselhos de administração das companhias que fazem parte do Ibovespa, o principal índice da Bolsa de Valores brasileira – isto é, as 82 organizações que movimentam o maior volume de recursos no mercado acionário.

'Quando era diretora júnior, as pessoas eram ainda mais ríspidas comigo', diz Vânia Neves, membro do conselho do Carrefour Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Hoje, no entanto, o cenário já não é mais de tanto otimismo entre os que defendem a diversidade. O aumento da participação feminina no alto comando das grandes companhias perdeu força. No últimos 12 meses até junho, a presença de mulheres na diretoria e nos conselhos avançou 1,3% e 3,5%, respectivamente.

Os dados fazem parte de um levantamento feito pelo terceiro ano consecutivo pelo Estadão, na primeira iniciativa do País em que é possível conhecer a situação, por empresa, da presença feminina em cargos de liderança. A pesquisa aponta também que as mulheres ocupam atualmente 20,7% das cadeiras de conselho e 16% das diretorias das companhias do Ibovespa. No ano passado, eram 20% e 15,8%.

Ainda de acordo com os dados levantados pelo Estadão, o número de mulheres nos mais altos degraus da hierarquia das principais empresas do País caiu nos últimos 12 meses. Atualmente, são quatro as mulheres que ocupam o cargo de CEO e três as que lideram conselhos de administração de companhias do Ibovespa. Se forem somadas as sete mulheres nessas posições, elas chegam a 4,3% do total. Em maio de 2023, eram três CEOs e cinco presidentes de conselho, somando oito mulheres, ou 4,9%.

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As informações foram coletadas entre 6 e 11 de junho nos sites de relações com investidores das companhias, partindo do princípio de que, por questão de transparência, as empresas devem manter suas páginas atualizadas. O levantamento considerou como membros das diretorias todos os profissionais que foram destacados pelas próprias organizações em suas páginas.

Hoje, das companhias do Ibovespa, apenas Petrobras, Banco do Brasil, Iguatemi e Fleury têm CEOs mulheres (as últimas três já tinham no ano passado). Magazine Luiza, Santander e Sabesp têm mulheres à frente dos conselhos (nas três, as presidentes também já ocupavam a função em 2023).

Entre as empresas com menor desigualdade de gênero em sua alta hierarquia (ou seja, maior presença de mulheres nos conselhos e diretorias) estão TIM, Banco do Brasil, B3, Iguatemi e Renner. Do outro lado, a CSN é a única companhia sem nenhuma mulher na alta liderança. Em nota, a empresa afirmou ter mulheres como membros de diretorias e conselho de administração.

As diretoras, no entanto, não são destacadas no site de relações com investidores do grupo e, por isso, não foram contabilizadas no levantamento do Estadão. Já aquelas que foram citadas como membro do conselho são de colegiados de empresas que fazem parte do grupo, e não da companhia listada no Ibovespa.

O que é ‘degrau quebrado’

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No mundo corporativo, o problema de as mulheres não alcançarem os cargos mais altos é conhecido como “degrau quebrado”. Isso porque as mulheres, em grande parte, têm acesso ao mercado de trabalho, mas, conforme se aproximam do topo da hierarquia das organizações, encontram obstáculos que dificultam a ascensão. As opções são, assim, parar por ali ou fazer um esforço muito maior para subir esse degrau.

Dados do Instituto Ethos de 2015 mostram que, entre as 500 maiores empresas do País, a participação feminina entre aprendizes e estagiários era de 55,9% e 58,9%. Mas esses números vão caindo até chegar a 31,3% nas posições de gerência e de 13,6% nas de diretoria executiva. Isso ocorre apesar de o nível de instrução das mulheres ser superior ao dos homens.

“O nosso degrau continua quebrado. Definitivamente precisamos arrumar a inclusão de mulheres nas posições de coordenação para gerência e de gerência para diretoria. Se não, nosso ‘pipeline’ de talentos vai continuar muito frágil. Aí, quando tiver a oportunidade de promoção de alguém para a alta liderança, só vai ter homens”, diz Margareth Goldenberg, gestora executiva do Mulher 360 (movimento empresarial que trabalha por empoderamento feminino e equidade de gênero).

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Para Goldenberg, a perda de velocidade no processo de inclusão feminina na liderança de grandes empresas ocorre por “uma redução de intencionalidade”. “É como se tivesse tido um esforço maior no ano anterior em função da pressão dos ‘stakeholders’nessa direção. Aí, mesmo com muitas empresas tendo só uma mulher no conselho, acabaram reduzindo essa intencionalidade neste ano, investindo e focando menos.”

Diferentemente de Goldenberg, Tarciana Medeiros – uma das quatro mulheres CEOs de empresas do Ibovespa – afirma que o movimento de inclusão de mulheres na alta liderança de empresas não tem perdido ímpeto. Para ela, a redução da velocidade no aumento de mulheres (ao menos nos conselhos) é natural e decorre de como esses colegiados funcionam. Em geral, eles costumam ser renovados a cada dois anos. Como, em 2023, houve um crescimento significativo de mulheres, 2024 seria um ano de manutenção.

“O crescimento deste ano é significativo levando em consideração o de 2023. Nosso conselho, por exemplo, foi eleito no ano passado. Neste ano, não teve alteração. O preocupante é se, em 2025, o número for negativo. Aí, significará que quem foi eleito nos últimos anos não permaneceu”, diz Tarciana, que é CEO e membro do conselho de administração do Banco do Brasil.

Para Tarciana Medeiros, do Banco do Brasil, o crescimento da participação feminina nos conselhos registrado nos últimos 12 meses é significativo considerando o aumento que houve no ano anterior Foto: Daniel Teixeira

A diretora de emissores da B3, Flavia Mouta, destaca que tem havido avanços no mercado, mas não na “velocidade que a urgência do tema exige”. Para tentar acelerar a inclusão, a B3 propôs um mecanismo chamado “pratique ou explique”.

Aprovado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no ano passado, a medida exige que empresas listadas na Bolsa tenham, até 2026, ao menos uma mulher e um integrante de comunidade sub-representada (pessoas pretas, pardas ou indígenas, LGBTQIA+ ou com deficiência) em seus conselhos ou nas diretorias estatutárias. Se elas não fizerem isso, terão de explicar publicamente porque não conseguiram ou não quiseram cumprir o requisito.

Questionada se a exigência não seria baixa dada a lentidão do mercado para ampliar a diversidade, Flávia afirmou que, para muitas empresas, a mudança não será pequena e poderá implicar em alterações na cultura corporativa. “Mais para frente, vamos pensar em novos passos. Agora, estamos focando em fazer com que o ‘pratique ou explique’ seja bem sucedido e que ele consiga acelerar um pouco mais o processo de inclusão. Também achamos que dificilmente terá um único movimento que fará a chave virar. Vamos precisar de vários movimentos articulados.”

Flávia destaca que, por ora, a maioria das iniciativas para aumentar a inclusão foca apenas nos conselhos de administração. Daí a B3 ter decidido incluir as diretorias no “pratique ou explique”. “Se você não cria um ‘pipeline’ de mulheres nas diretorias, como vai ter mulheres habilitadas para estar em conselhos?”, questiona. “Ter esse olhar de conselho e diretoria estava no nosso radar de preocupação desde sempre e queremos avançar nas duas coisas de maneira concomitante.”

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O levantamento do Estadão também mostra que a diversidade de gênero nas diretorias é inferior à de conselhos. Das companhias analisadas, 37,8% não têm mulheres diretoras e apenas 9,7% têm uma diretoria com presença feminina superior a 30%.

Nos conselhos, são 7,3% as companhias que não têm nenhuma mulher. A grande maioria das empresas (72%) tem de 10% a 29%; outras 17% têm uma participação feminina de 30% ou mais. Estudos na área indicam que participações inferiores a 30% podem ser pouco eficazes. Essa seria a parcela mínima necessária para que um grupo não seja percebido como minoria. Quando o número é inferior a esse, as mulheres dificilmente são ouvidas e conseguem ter relevância.

Vânia Neves, a diretora da Vale e conselheira do Carrefour, lembra que, em sua trajetória, nunca lhe foi comum ver mulheres em cargos mais elevados na hierarquia. “Até houve algumas mulheres nessas posições, mas sempre em menor número que o de homens. Agora, quando comecei, tinha pouquíssimas mulheres negras no trabalho. Nos anos 2000, cheguei a encontrar mais, mas elas não tinham a mesma posição que eu. Durante toda minha carreira, nunca tive alguém na liderança comigo que fosse negra ou negro.”

De fato, se a presença de mulheres é baixa na alta liderança das empresas do Ibovespa, a de mulheres negras é ainda menor. O levantamento do Estadão localizou apenas cinco mulheres negras ocupando um ou mais cargos dos 1.423 disponíveis em diretorias e conselhos de companhias do Ibovespa. Como não há nenhuma base de dados de autodeclaração racial disponível, é possível, porém, que existam outras. Entre as empresas que incluíram mulheres negras em sua liderança, estão – além do Banco do Brasil e do Carrefour –, Telefônica, Pão de Açúcar e Vale.

De acordo com estudo da B3, de 343 empresas listadas que responderam a um questionário em agosto de 2023, 88,9% declararam não ter pessoas pardas na diretoria estatutária e 90,7% no conselho de administração. Em relação a pessoas pretas, os números são ainda mais elevados: 98,2% dessas companhias não as tinham em suas diretorias estatutárias e 95,6% em seus conselhos.

Não bastasse ter se deparado quase toda a vida com a escassez de mulheres e a ausência de outras pessoas negras na alta liderança das empresas, Vânia também tem dificuldade para encontrar mulheres (brancas ou negras) na área em que fez sua carreira, a de tecnologia. Hoje, das 113 diretoras de empresas do Ibovespa, apenas 1,7% está nessa área, segundo o levantamento do Estadão.

A maioria das diretoras (57,9%) atua em setores considerados de apoio, como RH, marketing, jurídico e sustentabilidade. Nas áreas tidas como estratégicas para as companhias, aparecem 28,6% delas e, no financeiro, 7%.

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Os números refletem o que especialistas chamam de divisão sexual do conhecimento. Se antes as mulheres ficavam em casa cuidando dos filhos e, num segundo momento, após romperem essa primeira barreira, se tornaram professoras e enfermeiras, agora é praticamente natural que a lógica do cuidado continue sendo reproduzida. Por isso, é mais comum que mulheres sejam encarregadas da gestão de pessoas e da sustentabilidade, e menos de finanças, tecnologia e operacional.

Por que é importante aumentar a diversidade?

Em estudo, a agência de classificação de risco Moody’s já mostrou que há uma correlação entre as empresas com melhores notas de crédito e aquelas que têm maior número de mulheres em seus conselhos. E melhores notas de crédito significam dinheiro mais barato para a companhia.

Uma pesquisa da empresa americana MSCI, que analisou o período entre 2011 e 2016, indicou que companhias com ao menos três mulheres em seu conselho no início desse período registraram um lucro por ação de 37%, enquanto as que não tinham nenhuma mulher tiveram prejuízo de 8%.

Outro levantamento, da Deloitte, feito com 374 respondentes entre agosto e setembro do ano passado, indicou que 94% dos entrevistados dizem acreditar que diversidade e inclusão trazem benefícios aos negócios, 93% afirmaram que contribuem para a inovação e 92% que geram valor aos negócios.

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